Por Antonio Samarone *
A economia sergipana está desabando. A saída da Petrobras pode ter sido o tiro de misericórdia. O assustador é a indiferença dos líderes políticos.
Antes da Petrobras, Sergipe vivia da produção de açúcar e sal.
Faltava tecnologia e terras para a produção do açúcar, que sobrevivia de subsídios. A primitiva indústria do sal era criminosa: os trabalhadores eram atacados pela polinevrite, impotência sexual e cegueira.
Sergipe era o campeão brasileiro em cegueira. Ao lado do tracoma, a indústria do sal fazia a sua parte.
Nada em Sergipe dava certo. O que estava no horizonte no início da década de 1960? Salgema, petróleo e cimento. Tudo muito distante.
No clímax do desespero, apareceu em Aracaju o Mister John Martell, com uma proposta para a salvação econômica de Sergipe. Aracaju entrou num frenesi de esperança. A elite local tratou o messias como um bem aventurado.
O Tiger’s Club ofereceu um jantar festivo para ouvir o Mister John Martell. O que seria? Uma indústria de automóveis, uma refinaria, uma grande fábrica de cimento? A expectativa tomou conta de todos. Até os mais pessimistas encheram-se de esperança.
Não, nada disso. O ilustre visitante trazia um projeto para criação de camarões, com alta tecnologia, radar, sonar e ecobatímetro. O camarão baixaria de 1.500 cruzeiros o quilo, para 300 cruzeiros.
Uma revolução econômica!
O empreendedor pediu preferência para a compra dos velhos Trapiches do Aracaju, ociosos, destelhados, por conta da quebradeira das tradicionais indústrias do açúcar e do sal. Ofereceu 30 milhões, de cancela fechada.
Foi uma correria do bravo empresariado sergipano, todos querendo se associar ao novo eldorado.
Esclarecida a propostas do Mister John Martell, uma imensa comitiva de homens de negócios, empreendedores, o governador, o Prefeito da Capital, embarcaram na Ponte do Imperador com destino a Barra dos Coqueiros, visando inspecionar os futuros locais de produção do valioso crustáceo.
Na hora do embarque, a banda de música da briosa Polícia Militar executava dobrados navais saudando o Mister salvador e os camarões.
Chegando à Barra dos Coqueiros, sol a pino, o Mister John Martell, teatralmente, meteu a mão no fundo do rio e arrastou um punhado de lama negra do nosso manguezal, e deu um grito incontinente: “Oh! É purra ôva of camaron!”
O Governador deu vivas, estamos sentados sobre a riqueza. Todos se regozijaram. Os empresários mais emotivos foram as lagrimas. Sergipe estava salvo da sua condenação econômica, do sal e do açúcar. O lamaçal dos mangues, que ninguém conhecia utilidade, na verdade era ova de camarões.
À beira da maré, os pescadores em suas canoas, desconfiaram daquela conversa espantosa. Só eles! A nossa classe dirigente, política e econômica, embarcou de corpo e alma na proposta do Gringo.
Sergipe seria o centro mundial de produção de camarões.
No outro dia, logo cedo, o Mister John Martel se apresentou no caixa do nosso Banco de Fomento para sacar um cheque de vinte mil dólares, do City Bank de New-Yorq. Por sorte, o Banco estava sem reservas. O Salvador foi mandado para o Banco do Brasil.
O Mister John retornou ao hotel com as mãos abanando. Desapareceu na surdina, com destino ignorado.
Na atualidade, Sergipe encontra-se novamente à espera de um novo Mister John Martell.
Quem quiser mais detalhes sobre esse comovente episódio de ingenuidade e boa-fé, basta procurar nos escritos do meu Patrono na Academia Sergipana de Medicina, Dr. Renato Mazze Lucas.
Existe quem discorde dessa ingenuidade, no fundo, todos queriam uma boquinha! Será?
* É médico Sanitarista e professor da Universidade Federal de Sergipe.