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A diáspora sergipana e o crime dos Brittos

Por Antonio Samarone

No final do Século XIX, centenas de cérebros sergipanos migraram para São Paulo. Não foram apenas braços para a lavoura e construção civil. Quem partiu foi a inteligência. Os sergipanos formados em Salvador e Recife não tinham como retornar. Muitos marcharam para a progressista São Paulo.

A família do farmacêutico diplomado Manoel Joaquim de Souza Brito, natural de Rosário do Catete, escolheu Araraquara. Manoel Joaquim, pai de 8 filhos, era casado com Benvinda de Souza Brito e gerente da Farmácia São Bento, na Praça da Matriz em Araraquara.

Vivia com o Farmacêutico, o seu sobrinho, Jornalista Rozendo de Souza Britto, sergipano, militante monarquista. Rosendo trabalhava no Jornal “O Binóculo”.

Fins do século XIX, a cidade de Araraquara com 12 mil habitantes, se recuperava da epidemia de Febre Amarela, ampliava suas riquezas econômicas através da produção do café e escoava pela estrada de ferro, inaugurada em 1885. O chefe político era cafeicultor Coronel Antônio Joaquim de Carvalho.

O Jornalista sergipano Rosendo Britto, fazia oposição ao chefe político. Um episódio rotineiro gerou a desgraça: um popular, conhecido por Chico Viola, brigou num bar e foi preso e surrado pelo chefe de polícia, Tenente João Batista Soares. O jornalista põe a culpa no Chefe político.

Num fatídico sábado, 30 de janeiro de 1897, por volta das 17 horas, o Coronel Antônio Joaquim enxerga, de sua casa, o jornalista Rozendo adentrando na Farmácia São Bento, onde o tio Manoel de Souza Brito trabalhava.

O Coronel Carvalho resolveu tirar satisfações com o jornalista e vai até a farmácia. O Coronel agrediu o jovem a bengaladas. Manoel, tio de Rozendo, tentou apaziguar a situação, mas o rapaz, caído por baixo, acertou mortalmente o coronel com um disparo de garrucha.

Manoel  Britto e o sobrinho Rozendo são presos e encaminhados à cadeia pública da cidade e depois linchados 

Após o episódio, o jornalista Rozendo e seu tio Manoel são presos e encaminhados à cadeia pública da cidade.

Decorrido uma semana do velório e sepultamento do Coronel Antônio Joaquim de Carvalho, no início da primeira hora do dia 07 de fevereiro, madrugada de domingo, os prisioneiros Rozendo e Manoel (foto acima) são arrastados para fora da cadeia pública por alguns indivíduos, linchados e abandonados no largo da Igreja Matriz.

O intelectual Luiz Antonio Barreto, descreveu o episódio:

“Na noite de 6 de fevereiro de 1897, varando a madrugada do dia 7, cerca de 80 homens, (há quem registre que foram centenas de homens, que se valeram da falta de segurança do presídio) encapuzados, invadiram a delegacia, retiraram os dois presos e lincharam com “unhas, dentes, punhais e machados” os dois sergipanos.”

Ambos, sobrinho e tio, foram sepultados pelos capangas dos Carvalho a quilômetros do centro da cidade, no Cemitério das Cruzes. A tragédia teve repercussão Nacional.

A colônia sergipana em Santos manifestou-se, enviando um telegrama ao governador de Sergipe pedindo a ele que intercedesse junto ao governador de São Paulo para que houvesse justiça.

Ninguém foi punido!

Em Aracaju, mais de duas mil pessoas saíram às ruas na época, clamando por justiça e deplorando o assassinato bárbaro dos dois conterrâneos, segundo Luiz Antonio Barreto.

Após 124 anos do ocorrido, o povo de Araraquara, se envergonha da brutalidade e transformou Manuel Joaquim de Souza Britto e Rozendo de Souza Britto em seus mártires. Criaram um memorial: a Capela dos Milagres, no Cemitério das Cruzes.

O professor paulista Rodolpho Telarolli, escreveu o livro “República de Sangue”, sobre a tragédia dos Brittos sergipanos. O linchamento dos Brittos já virou peça de teatro, teses e livros de história. Tudo em São Paulo.

O grupo Belazarte realizou uma peça de teatro denominada “Um Século de Silêncio” abordando o tema do assassinato dos Brittos, com direção de Anysio Ribeiro. A peça foi adaptada de livro de título homônimo, escrito pelo jornalista José Carlos Magdalena.

Em Sergipe, o tema foi estudado pelo intelectual Luiz Antonio Barreto (como sempre): “Araraquara a marca da Tragédia” e pelo historiador Adailton dos Santos Andrade, na Série Rosarenses Ilustres: “Um crime em Araraquara”. Se mais gente tratou do assunto, eu peço desculpas por desconhecer.

O povo sergipano nunca ouviu falar dos conterrâneos. Nem mesmo os jornalistas e farmacêuticos se lembram dos colegas. O tema merece a atenção dos pesquisadores.

* É médico sanitarista e professor da Universidade Federal de Sergipe

 

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