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A esquerda armada: O depoimento major João Teles de Menezes

Por Afonso Nascimento *

Quando houve o golpe militar de 1964, o major João Teles de Menezes foi um dos primeiros a serem presos. Dividiu uma cela improvisada com o ex-prefeito de Estância Pascoal Nabuco. Em seguida, chegaram Francisco Varela e outros. Ele tinha, então, sessenta e um anos. Quase seis meses depois, prestou depoimento ao militar Joalbo Figueiredo Barbosa, auxiliado pelo escrivão José Gonçalves Filho. O documento de quatro densas páginas que conterá as perguntas e as respostas era chamado de “Termo de Pergunta ao Indiciado”, datado de cinco de setembro de 1964. O major João Teles de Menezes considera o depoimento como uma peça de sua defesa, com “fatos e provas que justificam a sua inocência”. Duas testemunhas assinaram o documento, porém não estiveram presentes durante o depoimento.

O major João Teles de Menezes tinha restrições ao presidente João Goulart, recém-deposto pelos militares. Para ele, Goulart era “cheio de indecisões, com constantes modificações em substituir os seus auxiliares, bem como as atividades”. Não acreditava em Jango. “Ele não estava em condições de resolver” os problemas da “ordem econômica política e social” do Brasil. Sobre o governo militar instaurado com o golpe, mais adiante no depoimento, o major João Teles de Menezes afirma que se “o seu programa (for)posto em prática resolverá os problemas nacionais”.

O militar comunista não tem recordação de ter comparecido a reuniões ou de ter atendido a convocações políticas a favor de Goulart. Ainda sobre os momentos que antecederam o golpe, disse que não iria ao comício de 13 de março na Central do Brasil mesmo com todas as despesas pagas e que desaprovava o “Levante de Brasília” promovido por cabos, sargentos e suboficiais. Sobre a resistência ensaiada por Leonel Brizola, o major declarou que não tinha simpatia por ela.

Tratando do comunismo no Brasil, o major afirmou que não podia dar opinião. “Em Sergipe parece que existiu”, mas “não se vê e não se fala”. O que existiu então? Tratou-se de um “movimento de massas populares. Pode ter tido influência comunista, mas não é do seu conhecimento”. Sobre o clima político de antes do golpe com muitas greves, ele diz que essas greves eram “motivadas em consequência das dificuldades da vida”. Trocando em miúdos, a sua pauta era econômica e não política.

O major João Teles de Menezes exprimiu várias opiniões sobre o PCB. Disse ser a favor da legalização do Partido Comunista Brasileiro, mas acrescentou desconhecer o seu programa. Afirmou que combateria os comunistas, se fosse convocado. O que pensa do PCB? Afirmou não poder fazer apreciação e que estava “satisfeito com o regime democrático”. Para ele, numa atitude legalista, o PCB contraria a constituição federal do jeito que era então. Ainda sobre o PCB, declarou que “nunca pertenceu ou foi filiado ao PCB em Sergipe” e que “não faz declaração sobre uma coisa que não existe”.

O inquiridor questionou o major sobre se ele “condena o Partido Comunista Brasileiro relativamente à sua existência”. O major respondeu que só “condena quando o mesmo se encontrar na ilegalidade”. Por que tem fama de comunista? O perguntador pensa “pegar” o major em contradição ao indagar: “como pode explicar que é voz corrente, que é do conhecimento do estado de Sergipe que o mesmo ser conhecido como elemento pertencente ao Partido Comunista e considerado altamente comunista?” Para o major, isso aconteceu devido à sua prisão em 1952, acusado de incitar a indisciplina no quartel, em IPM sobre supostas atividades subversivas. Disse que ficou preso no 19º. BC, em Salvador, “no prazo aproximado de quatro meses, tendo sido após transferido e recolhido ao RGG, onde o processo correu seus trâmites na 2ª. Auditoria de Guerra, tendo sido absolvido por unanimidade de votos”, no Rio de Janeiro.

O interrogador levanta um grupo de nomes de pessoas e procura saber se o major João Teles de Menezes os conhece. O Luiz Carlos Prestes que o major João Teles de Menezes admira é aquele que teve passagem pela Escola Militar – o estudante, portanto – e que depois liderou coluna que carrega o seu sobrenome, isto é, a Coluna Prestes. Não conhece Prestes pessoalmente. Nega ter feito discurso na data do aniversário de Prestes em um sitio no bairro Palestina. Acrescenta que teve conhecimento dessa informação através d`A Folha Popular (jornal comunista sergipano), no quartel do 28 BC e que, por causa disso, “o tenente Cândido fez ficha ideológica a seu respeito”.

Conhece Agonalto Pacheco, porém não o considera um comunista. “Não tem provas documentadas de que seja comunista”. Sobre Agonalto Pacheco, Manoel Vicente e Miguel Arraes, declarou que “não tem correspondência com” os três. Quanto ao tenente Hector de Araújo, o major não nega os laços de amizade com o militar, mas não sabia que ele era comunista e, muito menos, ter ciência que ele foi expulso do Exército por causa desse elo comunista.

Questionado sobre o sargento José Augusto de Oliveira, o major disse não se lembrar dele. É então informado que ele confessou ser comunista desde 1946. Esse sargento teria dito que ele e outros sargentos se reuniam na casa do major para discutir vários assuntos, sendo um deles receber instruções – o que coloca o major na condição de líder militar do grupo. Quanto a Pedro Suzarte da Silva, não negou que o conhecia. Ouviu do inquiridor que esse sargento teria dito, em 1952, que frequentava a sua residência para tratar de assuntos relativos ao partido comunista, informação que o major prontamente negou. Foi informado ainda que o sargento Pedro afirmou que o sargento José Melo teria dito que recebera instrução do major, em 1952, para preparar a força policial para caso de ela ser necessária. O major negou categoricamente a afirmação.

Sobre a participação político-partidária do major, seu inquiridor quis saber se ele usou seu prestígio (o que é reconhecimento da influência política do major) para apoiar campanhas políticas de gente de esquerda. Então afirmou que sempre apoiou os candidatos do líder udenista Leandro Maciel. Declarou que “pertence à corrente política orientada por Leandro Maciel” e que “desde 1928 sempre acompanhou o político Leandro Maciel”. O major João Teles de Menezes, por que perguntado se frequentava o Centro Operário, responde que não era frequentador de suas reuniões voltadas para agitação. Mas sempre para receber homenagens, como nas formaturas de corte e costura. Quando foi perguntado sobre Lídio dos Santos, admitiu já ter ouvido Lídio fazer algum discurso, sim, mas não sabia que ele era comunista. O major não nega que recebia revistas ou panfletos estrangeiros ou nacionais de caráter extremista, subversivo ou doutrinário. Disse que recebia revista proveniente de Cuba, não se lembrando do nome da revista.

O major João Teles de Menezes recebeu dois convites para ser delator durante o seu interrogatório, para “entregar” pessoas de seu conhecimento. No primeiro caso, o inquiridor apela para o esprit de corps do major e fala em “como militar da reserva e patriota se denuncia os comunistas que são do seu conhecimento”. Contesta o major que “não tem conhecimento de nenhum comunista”. Em outra ocasião, o perguntador pede “informação ou esclarecimento que comprove existirem militares envolvidos em movimento comunista”. A isso o major também rejeita mais uma vez.

A linha das perguntas do inquiridor é no sentido de buscar provas de que o major João Teles de Menezes era comunista, enquanto a estratégia do major consiste em dizer que nada tem a ver com o comunismo, com comunistas e com o PCB. Considerando que foram nove anos de legalidade de fato do PCB durante os governos de Leandro Maciel (4 anos), Luiz Garcia (4 anos) e Seixas Dória (1 ano), era de esperar que o interrogador tivesse mais informação sobre as atividades políticas do major comunista. O que estava em jogo nesse interrogatório do major? A sua liberdade, bem como toda a organização do PCB e da esquerda que queria mudanças no Brasil. Não sei dizer se saiu bem ou mal, mas isso pouco importa. O destino do major João Teles de Menezes já estava selado. Ele iria responder a processo na Justiça Militar.

* É professor da Universidade Federal de Sergipe

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