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A esquerda militar brasileira: o caso do major João Teles

Por Afonso Nascimento *

Esta é uma versão muito abreviada de texto que estou a escrever sobre João Teles de Menezes (1903-1981), um militar de esquerda do Exército brasileiro. Direi inicialmente que, durante as décadas 50, 60 e 70 do século XX, o major foi um homem respeitado, influente, temido, poderoso e rico. Continuarei dizendo que suas raízes populares podem ser buscadas em Laranjeiras, terra de sugar plantations de Sergipe. Sua mãe era professora primária e foi ela quem o alfabetizou. Aprendeu a ler e a escrever – o que, na sociedade iletrada no início do século XX, era um grande patrimônio cultural. Sobre o seu pai, não foi possível obter informação além do seu nome completo em documentos oficiais. Durante a sua passagem pelo Exército adquiriu o hábito permanente de leitura.

O major foi um nouveau riche na idade avançada. Trabalhou como comerciante autônomo enquanto adolescente e jovem. Tinha jeito para o comércio, mas preferiu optar pelo funcionalismo público (no caso, o Exército), sendo servidor público do Exército por mais de vinte e seis anos, após os quais passou a se dedicar à profissão de empresário. Segundo parentes seus, pouco a pouco foi acumulando um importante patrimônio material. Além dos lucros de suas empresas, recebia uma boa pensão razoável enquanto quadro da reserva remunerada do Exército. Perto de falecer era reconhecido socialmente, fazendo parte de um grupo de empresários e políticos que se frequentavam. Foi um homem de negócios que empregou um número razoável de trabalhadores na fazenda, no sítio, na fábrica de leite e na sua casa.

Foi um homem que adquiriu muitas terras, coisa de fazer inveja a muitos latifundiários dos anos 1960 e 1970. Viveu muitos anos em um sítio localizado nas cercanias de morro onde está uma emissora de TV. Possuiu muitas casas e terrenos espalhados por Aracaju. Foi proprietário da fazenda Várzea Grande, em São Cristóvão, empresa em que criava gado leiteiro e mantinha uma plantação de côco e uma bodega em que vendia gêneros alimentícios para consumo de seus trabalhadores. Foi acionista principal e diretor-presidente da Cooperativa Sergipense de Leite (CSL), fundada por ele e outros em 1970. O leite de sua fazenda era vendido à CSL para pasteurização e venda. Já os cocos também coletados em sua fazenda eram comprados por fábrica de leite de côco estabelecida no Bairro Industrial. Antes dessas operações comerciais, praticou a venda de legumes ao quartel do 28 BC.

A carreira militar do major João Teles de Menezes começou em 1921 quando ingressou no Exército brasileiro, terminando em 1947 ( ano em que requereu e conseguiu sua ida para reserva remunerada) e está recheada de muitos elogios de seus comandantes e superiores hierárquicos. Foi um militar que teve uma trajetória muito mais sergipana do que em outros Estados. Em 1924 (e provavelmente em 1926, dada a especificidade do tenentismo sergipano), participou do movimento tenentista em Sergipe. Foi expulso do Exército por causa dessa participação e em seguida readmitido. O tenente Augusto Maynard Gomes convocou o major para ser intendente/prefeito de Propriá durante o ano de 1933. Teve participação na Insurreição Comunista (vulgarmente conhecida como “intentona”) em 1935, só que do lado dos militares da lei e da ordem.

O major João Teles de Menezes entrou para o ANTIMIL ou para o Setor Mil do PCB em 1947, através do também major Humberto Andrade Freire. O Setor Militar era o braço armado do PCB nas Forças Armadas. Por algum tempo, foi doutrinado pelo major mencionado, em seguida passando a cumprir funções intelectuais, e não mais fazer militância de tarefeiro. O seu sítio Aracaty foi espaço de muitas reuniões clandestinas ou não com a cúpula do setor militar e do civil do PCB. Organizou a fuga de Agonalto Pacheco em 1964 e, em 1968, a de Wellington e Laura Marques. Sendo um homem rico, cumpriu o papel, não sei dizer em que medida, de financiador do PCB, enquanto as rifas comunistas circulavam por Aracaju.

O seu nome estava nos radares militares em busca de suspeitos e de comunistas no Exército já antes dos anos 1950. Em 1952, depois de uma bem grosseira farsa para combater uma “revolução comunista em Sergipe”, os militares de direita o prenderam, tendo a sua fazenda cercada por tropas militares – onde buscaram, em momento de delírio anticomunista, armas do Exército que teriam sido supostamente subtraídas e enterradas no seu latifúndio.

Depois de rápida passagem pela Capitania dos Portos de Aracaju, foi levado a Salvador, capital baiana em que colegas de farda o torturaram barbaramente! As sessões de martírio, má alimentação e ausência de cuidados médicos levaram seus algozes a tê-lo como desenganado, em declaração ex post facto. Aparentemente, o fato de ser militar de alta patente e de pertencer à cúpula comunista fazia com que os seus colegas de farda se aplicassem na prática da tortura. Deviam supor que, quanto mais alto na hierarquia militar e na hierarquia organizacional, mais informações devia ter.

Durante os pouco mais de vinte e seis anos de emprego no Exército e na reserva remunerada, o major viveu praticamente todos os grandes eventos do século XX. Recebeu muitos elogios de seus comandantes e superiores – quando era possível registrar esses dados ano por ano. Foi expulso do Exército pelo menos duas vezes e beneficiado por anistia em duas ocasiões (1945 e 1979).

Além da trágica prisão de 1952, o militar magro e alto também foi preso em 1964, quando ocorreu o desgraçado golpe militar, e, em 1970, por ocasião da Operação Gaiola, que também deteve o deputado estadual Jackson Barreto. Não encontrei, por enquanto, registros de prisão sua em 1976, na chamada Operação Cajueiro, a segunda mais violenta ação dos militares depois de 1952, contra comunistas em terras sergipanas.

O militar de esquerda também realizou importante obra filantrópica. Ouvi diversos depoimentos de parentes e de pessoas que conviveram com ele que afirmaram que o major comunista fez diversas diversas doações de casas e terrenos. De acordo com ex-membro da cúpula do PCB, o major teria doado casa para a sede do “partidão” quando este voltou à legalidade.

O major João Teles de Menezes morreu em 1981. Em sua certidão de óbito, fala-se em “coma neurológico”. De seu histórico de saúde constavam doenças como asma e infarto cardíaco. O seu enterro teve lugar em Laranjeiras, a mesma cidade em que nasceu. Compareceram ao enterro familiares, amigos e, três membros da elite do PCB, como representantes formais do PCB, isto é, Marcélio Bonfim, Welllington Mangueira e Agliberto Vieira de Azevedo. Nenhum dos três falou, nem familiar tão-pouco, pois o regime militar ainda não tinha acabado, apesar da anistia de 1979.

* É professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe

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