Por Adiberto de Souza *
Eu faço parte dos primeiros moradores do Conjunto Augusto Franco, inaugurado em 1982, localizado na zona sul de Aracaju e o maior núcleo residencial de Sergipe. Inscrito na Cohab de última hora, fui contemplado com uma casa de dois quartos na 4ª etapa, numa rua atrás da igreja católica, que foi construída bem depois. O conjunto demorou a ser totalmente ocupado, pois, além de sua dimensão e da distância do centro da capital, era cheio de perrengues. Eu mesmo levei um tempão para aprender a dirigir sem atolar o fusquinha nas ruas e avenidas de areia fofa. Também perdi a conta de quantas vezes fui chamado em casa para ajudar a desatolar carros de quem se aventurava pelo conjunto, principalmente à noite.
Foi por causa do Conjunto Augusto Franco que o prefeito Heráclito Rollemberg abriu a avenida que levava o seu nome (hoje é José Carlos Silva), saindo da Avenida Contorno até emendar com a pista que dá acesso ao Aeroporto de Aracaju. Mas, diferente do que é hoje – asfaltada e iluminada – a “Heráclito Rollemberg” era uma pista de barro, tinha um pontilhão fuleiro sobre o rio Poxim e cruzava manguezais e sítios de mangabeiras. Sem contar a escuridão, que assustava quem se arriscava a trafegar por ali depois do pôr do sol. Ressalte-se que não havia o conjunto Orlando Dantas, somente inaugurado em 1987. Povoação mesmo, só até o bairro São Conrado. Depois era aventura no escuro até chegar no “Augusto Franco”.
Com pouco menos de 30 anos de idade e trabalhando como redator do Jornal da Cidade e da Rádio Cultura, transformei a nova morada em meu refúgio. Aproveitei a grana recebida como indenização por tempo de serviço do falido Diário de Aracaju e comprei uma geladeira, um fogão, uma cama, um rádio de pilha e uma televisão em preto e branco de segunda mão e fui morar no “Augusto Franco”. O televisor Philco me foi vendido pelo jornalista Luciano Correia, que acabará de comprar um novinho e em cores. Passava o dia no centro de Aracaju, almoçava, de quando em vez, na casa de mamãe e papai e, à noite, depois da esbórnia, ia para o lar, doce lar. Mandei construir um muro alto em torno da casa e dormia com as portas e janelas abertas. Uma senhora tranquilidade!
A loura do Augusto Franco
Foi nessa época que “apareceu no pedaço” a Loura do Augusto Franco. Quem a viu contava, assustado, se tratar de uma mulher jovem, bonita por demais, que trajava um vestido branco e pedia carona. E não eram poucos os motoristas, principalmente de táxi, que narravam em pânico a tétrica experiência. Diziam que bastava diminuir a velocidade para a Loura aparecer sentada no banco traseiro do carro, que ficava tomado pelo cheiro de cravos de defunto. Esse era o relato mais comum das “vítimas” da misteriosa figura, prestado ao escrivão da pouco movimentada delegacia de polícia do Conjunto Augusto Franco. Muitos maridos safados se escudaram na Loura para justificar as fugidas conjugais.
Quem melhor descreveu a Loura do Augusto Franco foi meu saudoso amigo, poeta e jornalista Amaral Cavalcante: “Ela era bela e peituda, vestia um longo branco em tafetá e sedosos bicos, aqui e acolá manchado pelo barro visguento do Cemitério dos Cambuís. Dos precipícios decotes, subia do entre-peitos um olor de virgindade aflita, a quentura tardia dos prazeres soterrados a esfumaçar-se em fios, como o derradeiro estertor de uma fogueira extinta. Lá vinha ela, os pezinhos levitando na pista de barro, mãos diáfanas onde singravam veias azuis desbotadas, segurando um buquê já meio murcho e com um lenço branco imaculado e fino. Meia-noite e tanto a Loura pedia carona no mais escuro trecho da avenida”. Misericórdia!
As queixas diárias prestadas à Polícia contra a bela e assustadora Loura chegavam à redação do Jornal da Cidade pelas mãos do meu amigo jornalista Edjenal Tavares, o repórter de polícia mais bem informado de Aracaju. Tranquilo, ele abria a caderneta com os apontamentos coletados nas delegacias e me contava a novidade: “A Loura do Augusto Franco atacou novamente. O taxista disse que ela ficou na frente do carro, ele passou por cima e, quando parou para socorrê-la, não tinha nada na pista. O homem tá com ar de doido”, narrava Edjenal, na maior seriedade. E eu, com uma nova manchete escandalosa de polícia nas mãos, incensava e endeusava a mulher misteriosa, personagem principal de mais uma lenda urbana.
Durante um bom tempo, a Loura do Augusto Franco ocupou generosos espaços nos jornais e virou manchetes espalhafatosas nas emissoras de rádio. Para aparecer na mídia, alguns policiais davam entrevistas prometendo fazer um cerco para prender a misteriosa mulher. Muita gente telefonava para as emissoras de rádio aconselhando as pessoas a evitarem trafegar à noite pela Avenida Heráclito Rollemberg, um dos dois acessos ao Conjunto Augusto Franco. Criado em Carira acompanhando os Penitentes, grupo religioso que na Quaresma visita cemitérios e capelinhas de beira de estrada, eu nunca tive mede de “assombração”. Quem sabe, foi por isso que jamais me deparei com a bela Loura em meu rotineiro trajeto noturno entre o centro de Aracaju e a minha tranquila casa no Conjunto Augusto Franco. Bons tempos aqueles!
* É editor do Portal Destaquenotícias