Por Carlos Hermínio de Aguiar Oliveira*
Historicamente, aprendemos em prosa e em verso que o rio São Francisco,totalmente brasileiro, nasce em território mineiro, na Serra da Canastra, onde está a cachoeira Casca d’Anta, que, de acordo com sites oficiais da Codevasf, Chesf e Cemig,atravessa os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, por 2.700 km, desembocando no Oceano Atlântico.
Em 2001, quando se comemorava os 500 anos do descobrimento da foz do rio São Francisco pelo Florentino Américo Vespúcio, o engenheiro agrônomo da Codevasf, Geraldo Gentil Vieira, falecido recentemente aos 75 anos, idealizou a “Expedição Américo Vespúcio”, que percorreu toda sua extensão durante 35 dias, com o objetivo de realizar o mais amplo diagnóstico itinerante de todo o São Francisco. Essa expedição é considerada a primeira viagem de caráter nitidamente ambiental e cultural a percorrer em barco o rio São Francisco de ponta a ponta, das nascentes à foz.
Geraldo Gentil, tendo nascido e vivido nas ‘barrancas do rio São Francisco’, na cidade de Iguatama, segunda cidade das cabeceiras, em Minas Gerais, queria esclarecer duas dúvidas: qual era a extensão exata do Velho Chico e qual era a sua verdadeira nascente. Gentil Vieira sabia que tal como as pessoas têm a sua estatura, os rios têm suas medidas. Ele não se conformava por que teimavam em encurtá-lo, nem o porquê de ser um número redondo seus 2.700 km. Conhecendo-o desde criança, ele sabia que o rio São Francisco caía no Samburá, seu primeiro grande afluente, e se interrogava curioso: “Como um rio maior pode ser afluente de um menor? Como pode ser mais importante do que seu afluente?”
A Expedição Américo Vespúcio serviu, então, para que Gentil Vieira levantasse as informações prévias da nascente geográfica do rio Samburá, que subsidiou no ano de 2002, a então Diretoria de Planejamento da Codevasf, por meio da Determinação nº 01/2002,a formar uma equipe de técnicos composta pelo próprio Geraldo Gentil, Miguel Farinasso (eng. agrônomo), Leonaldo Silva de Carvalho (agrimensor), Paulo Afonso Silva (eng. civil) e Rosemary José Carlos (geógrafa), para desenvolver um estudo para a “Determinação da extensão do rio São Francisco”.
A realização desse estudo valeu-se de imagens de satélite, cartografia adequada e visita às nascentes, e utilizou poderosas ferramentas de geoprocessamento, atestando a inversão da relação natural rio principal e afluente entre o São Francisco e o Samburá. O estudo foi apresentado no XI Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, em Belo Horizonte, de 05 a 10 de abril de 2003, constando de seus anais nas páginas 393a400, tendo sido apresentado em outros Simpósios Nacionais de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto e, ainda, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados.
Convém rememorar que no século XVII os bandeirantes batizaram o curso principal do São Francisco, fascinados pela majestosa cachoeira Casca d’Anta, apelidada de cachoeira catedral, do alto dos seus 162,828 metros. O estudo coordenado por Geraldo Gentil constatou que o São Francisco nasce a 1.469 metros de altitude, enquanto o Samburá nasce no planalto de Araxá a 1.254,66 metros. O Samburá tem precisamente 147,30 km de extensão até encontrar o São Francisco e este tem 98,12 km até encontrar o Samburá. Desta confluência até a Foz, são 2.716 km. Assim, observou-se uma grande variação numérica nas dimensões do rio São Francisco, pois, pelos dados, a diferença da nascente da Casca d’Anta para a nova nascente do rio Samburá é de 49,18 km.
De acordo com o mapa planialtimétrico, a vazão, a calha e a profundidade do rio Samburá são maiores que o braço do São Francisco, demonstrando que Geraldo Gentil tinha razão: o Samburá é o rio principal. Desta constatação surgiram os novos dados: 2.814,12 km para o trecho tradicional ou histórico do rio São Francisco, com as nascentes na serra da Canastra, e 2.863,30 km para o trecho dito geográfico do Samburá, que tem as nascentes na Serra d’Água, no pequeno município de Medeiros. Uma placa instalada pela Prefeitura de Medeiros, em 8 de setembro de 2007, no exato ponto da nascente exibe os dizeres: “Nascente geográfica do rio São Francisco/Samburá: preservar é saber que haverá futuro para sonhar”.
Atualmente, todos os entes normativos, Ibama, ANA, CBHSF, a Codevasf, a Chesf referem-se às nascentes Histórica (Serra da Canastra, São Roque de Minas) e Geográfica (Serra D’Água, Medeiros), assim como também consta no Atlas das Águas de Minas, no link http://www.atlasdasaguas.ufv.br/alto_sao_francisco/nascentes/nascentes.html, porém, no IBGE permanece o registro apenas da nascente histórica.
Quem quiser conhecer mais sobre a nascente geográfica do rio São Francisco, recomendo o livro “Samburá: a sombra de um rio”, de autoria do fotógrafo e ambientalista Fernando Piancastelli, que traz a foto aérea acima, da confluência do São Francisco com o Rio Samburá, onde, à direita na foto, se visualiza que o volume de água do Samburá é três vezes maior do que o do São Francisco.
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(*) Ex-Superintendente Regional da Codevasf da 4ª SR/Sergipe (1990-2000); atual Conselheiro Representante dos Empregados no Conselho de Administração da Codevasf – Consad; Doutor em Geografia na Universidade Federal de Sergipe – UFS, com estágio em Gestão de Recursos Hídricos, em Toulouse, França; Mestre em Desenvolvimento Rural em Montpellier, França.
5 Comments
Excelente explicação porém o costume terá dificuldade de ser substituído e corrigido tanto que todos aprendemos assim inclusive o autor do texto que tive prazer de ensinar.Alias há outros Herminios.Parabens
Faz muito sentido. Espero q estudiosos corrijam esta história.
Muito pertinente, o estudo e a divulgação do mesmo!
Importante artigo que ,certamente , poderá mudar a história que aprendemos sobre a nascente do Velho Chico.
Parabéns, Dr Carlos Hermínio, por mais este trabalho.
Surpreendente essa constatação da relação existente entre o Rio São Francisco e o Rio Samburá. Jamais saberia dessa relação entre os rios se não tivesse acessado a explanação acima.