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A primeira aula

Por Antonio Samarone *

Naquele tempo a escola só aceitava alunos aos sete anos. Ninguém acreditava que antes, se aprendesse alguma coisa. Não era fácil ser criança.

Mamãe me ensinou a ler fora da escola. Eu aprendi a ler antes do abc. Não sabia soletrar, lia a palavra inteira, sem saber direito o som nem das letras nem dos fonemas. Não existiam nem “eme” nem “ene”, era “mê” e “nê”. Eu lia de carreirinha e cantando, no ritmo do cordel. Não sei como.

Os ingleses foram alfabetizados no século XVII para ler a bíblia, Eu, para ler os livros de cordel do meu avô.

A minha primeira professora foi Lourdes de Chico Patativa. A escola era um puxadinho da casa dela.

A lembrança da primeira aula ficou restrita ao cheiro da banana. Eu explico: Na mochila, mamãe colocou um caderno melhoramento, aquele com o mapa do Brasil na capa. Um lápis preto, uma borracha raspadeira, um copo que abria e fechava e uma banana madura, para a merenda.

Mamãe determinou: não coma a banana antes do recreio. Quando botei o pé fora do batente de casa, só pensava em comer a merenda. Passei a aula com essa obsessão. Lembro-me o cheiro dessa banana até hoje.

A Escola do Padre funcionava naquele sobrado ao lado da Igreja (Clique na foto para ampliar)

Não existia a merenda escolar coletiva. Quem não levasse, ficava ximando. Só quando entrei na Escola do Padre, conheci essa dádiva divina. O Padre Everaldo mandava servir um caneco de leite com chocolate, que eu não conhecia. Eu adorava repetir.
Os meninos ricos não gostavam, o caldeirão ficava quase cheio.

Eu gostava até do cheiro xaroposo do leite com chocolate.

Toddy era um privilégio, uma iguaria. Provei pela primeira vez Toddy com biscoito Cream Cracker aos 13 anos, na casa de Zé Silveira. Achei um luxo. Eu só conhecia as bolachas fofas de Zé Gordinho e os tradicionais bolachões de canela, de Frei Paulo.

O meu ensino primário foi tenebroso. Zanzei de escola em escola, passei pelo Grupo Guilhermino Bezerra, pelas escolas de Helena de Branquinha e de Jozeíta do Beco Novo, até chegar à Escola do Padre.

O educandário da igreja era pago, para os meninos ricos. Meu pai era sócio do Círculo Operário, uma organização católica de combate ao comunismo. Por conta disso, os filhos dos circulistas, estudavam de graça.

De graça (virgula), prestávamos alguns serviços a escola, como contrapartida. Mas eu não tenho nada a reclamar, foi lá que aprendi o que se aprende na escola, para passar no exame de admissão e entrar no ginásio.

A escola do Padre era uma festa. Além da merenda, o pátio do colégio era cheio de brinquedos, tinha um campinho de areia e as salas de aula ficavam num sobrado. Eu achava as janelas altas e perigosas. Cair dali era morte certa.

Até um dia em que um colega, Antonio Viera Primo, fez um desafio: “eu vou pular da janela do sobrado.” Pulou e não teve nada.

Virou brincadeira: pular das janelas do sobrado. Eu, mofino, nunca tive coragem.

As inspeções higiênicas é outra lembrança da escola primária. As professoras queriam ver se as unhas, as orelhas, os pés, os sovacos e as virilhas dos alunos estavam limpos. Se encontrassem uma lêndea, o menino estava no inferno.

Os meninos com o pescoço lodento não iam para o recreio.

Ser piolhento era uma humilhação. Mamãe era vaidosa, não queria passar essa vergonha. Me dava banho de cuia e bucha de cerca diariamente. Fiquei traumatizado: odeio água fria nas costas.

Naquele tempo as professoras batiam. E batiam muito! A palmatória era destacada no “bureau” das mestras. Eu nunca apanhei. Mamãe nunca autorizou. Mesmo nas sabatinas, eu pouco apanhava.

Outra moda era acompanhar enterro de anjo. A mortalidade infantil era alarmante. Era comum as mães pedirem a professora, para deixar os alunos acompanharem o sepultamento dos filhos. Fui a muitos. Era uma folga.

* É médico sanitarista

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