Por Antônio Samarone *
onta-se que Santo Antonio para fugir das tentações, enclausurou-se por 20 anos. Os devotos arrombaram a porta. Encontraram o Santo do mesmo jeito: não estava flácido pela falta de exercícios, nem desencarnado pelos jejuns. A solidão voluntária afastou os demônios.
A solidão pode ser boa, má ou mais ou menos.
A solidão involuntária dos velhos é o último refúgio, antes da morte. Nascemos só! Sentimos sozinhos, o sopro do mundo na nuca. Morremos só! Não temos companhia no suspiro final. E, vivemos só, mesmo quando acompanhados.
Nada disso consola Romeu.
Chegamos de uma expedição ao Vale do Cariri. Fomos em busca da proteção do Padim Ciço. Romeu, o mais velho, sentiu o peso. Quando tentava falar na roda de amigos, onde todos falam ao mesmo tempo, onde se procura uma brecha para contar as mesmas coisas, as mesmas novidades, as mesmas chacotas, os olhares nunca se dirigiam a ele.
Romeu aumentava o volume da voz, gritava, gesticulava sem sucesso. O direito a palavra em grupos, mesmo de amigos, obedece a uma hierarquia.
Romeu concluiu: “não tenho mais nada a dizer pessoalmente a ninguém.”
Romeu se considera um retumbante fracasso, foi derrotado em quase todas as ambições. Não percebeu que as derrotas são partes da condição humana. A vaidade é necessária, para amenizar as derrotas. A vaidade é uma ilusão que fortalece a autoestima.
O grupo cobrava de Romeu, com insistência, que ele cuidasse do seu corpo. Nada de doces e gorduras! Que ele procurasse os médicos, os exames e os remédios. Enfim, uma vida saudável.
Isso o aborrecia!
A crise de Romeu é existencial. É a falta de sentido das coisas. Colocar a glicemia e colesterol nos parâmetros da ciência (entre aspas) médica, não resolve a sua angústia.
Romeu se refastelou com a galinha de capoeira que comemos, lambeu os dedos sujos de graxa, daquela gordura amarela das galinhas antigas. Não dispensou as cocadas de raiz de imbuzeiro.
“Vá a merda as dietas, os conselhos e os cuidados”, pensou Romeu consigo mesmo. “Nenhum cuidado afasta as demências! Não existem evidências, só suposições.”
Romeu retornou da viagem convencido que a vida virtual das redes sociais não é essa desgraça toda, como os intelectuais acreditam. O problema não está na virtualidade. “Aqui eu falo, sem precisar disputar. Me comunico, logo existo. Deixamos de ser somente corpo e alma, somos uma tríade, incorporamos o celular. Um prótese indispensável” – disse Romeu.
Ou alguém acha que seria mais feliz sem ele?
“A minha solidão é interativa”, Romeu chegou a dizer essa asneira.
Os antigos Eremitas se isolavam em busca de Deus. Os novos, em busca de uma janela para exibir-se, de um palco para o seu narcisismo. As redes sociais são espelhos.
“Diante do seu teclado, o indivíduo é o mestre do mundo.” – G. Minois. Aqui se mente, conta-se vantagens, expõe-se uma felicidade quase permanente. No teclado se faz revoluções, guerras, luta política e, sobretudo, manifesta-se um ódio guardado.
A realidade perdeu a graça. Aliás, o que é mesmo essa realidade?
Os filósofos desconfiam da solidão, de Aristóteles às luzes. E daí? O que eles sabem do sofrimento angustiante de cada um? A pós-modernidade apresentou uma falsa saída, a vida virtual. Isso só agrava a solidão, dizem eles.
Romeu discorda literalmente dessa tese. Acha que vida virtual se impôs e alivia a solidão. Não existem outros caminhos.
Eu, na dúvida, fico com Romeu.
* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.