O que é um ícone, além de uma representação? A política brasileira está abarrotada de ícones. Há aqueles que supõem gozar de alguma notoriedade, quando sequer passarão para a história como notas de pé de página. Há os que passam para a história como bastante citados, e não exatamente por suas qualidades, a exemplo de Carlos Lacerda, Antônio Carlos Magalhães e Fernando Collor. E há os que de fato moldaram na nossa história uma cicatriz indelével, digna de registro.
Getúlio Vargas cometeu muita barbaridade, mas não é lembrado porque contribuiu com o nazi-fascismo ou com a perseguição feroz aos comunistas. Será para sempre cultuado como um ícone da política brasileira porque ousou defender as nossas empresas e os nossos trabalhadores.
Juscelino Kubitschek foi aquele presidente que pretendeu transformar a sociedade brasileira rural e atrasada numa sociedade capitalista, em todos os sentidos – inclusive de proximidade com o pensamento das capitais e de aproximação com o mundo ocidental desenvolvido e adepto do capital.
Fernando Henrique Cardoso não é lembrado porque comprou a própria reeleição, mesmo que para isso tenha vendido a preços muito módicos quase todas as estatais brasileiras. O sociólogo é lembrado como o ministro da economia que conseguiu domar a superinflação e, como presidente, garantir o equilíbrio financeiro nacional.
Lula não está na memória porque abriu demais as portas do governo à promiscuidade da governabilidade. As pessoas hão de sempre lembrar dele como o presidente que ousou fazer um governo focado nos mais pobres, que finalmente receberam atenção e puderam acender socialmente. Milhões saíram da miséria e puderam desfrutar de bens antes só permitidos à classe média ou alta. E isso não se apaga.
Tancredo Neves foi o corolário de esperanças, representante de uma sociedade exausta no sonho por liberdade. Na reconquista da eleição para presidente, mesmo que indiretamente, simbolizou o pacto da sociedade pelo entendimento nacional. Sem violência, sem trapaças e sem revanchismo.
O Brasil anda carente de brilho na política. Esse Congresso Nacional é uma desgraça coletiva movida por interesses impronunciáveis. As bancadas da Bíblia, do boi e da bala ditam a pauta. Dois terços dos deputados aparecem em uma ou mais dessas frentes. Um terço desses, aliás, está ali como representante do povo, defendendo o comércio de armas. E o latifúndio que odeia a produção familiar, o direito dos índios e a preservação das florestas. E, principalmente, os sonhos messiânicos de uma religião deturpada.
O que temos como cabeça pensante, idealizador das nossas políticas, o arremedo de fascistaEduardo Cunha? O que nos resta de reserva moral, um despudorado Renan Calheiros? E o Judiciário, regido pelos humores da política, merece mesmo figurar como o salvador da pátria, como um poder iluminado capaz de corrigir os rumos e dizer qual é o caminho?
O caminho vinha sendo bem percorrido até 2012, quando a economia deu sinal de fraqueza, o governo desafinou no discurso e a direita engrossou o pescoço. A tensa reeleição de Dilma Rousseff em 2014 ficou obnubilada pelo escândalo dos desvios de dinheiro na maior empresa, símbolo da nacionalidade, e pelo não cumprimento ainda no calor da campanha dos compromissos assumidos nas urnas.
Na aridez da desesperança, incredulidade e incertezas vicejam crias malignas. Nesse terreno, a semente que parece boa e saudável pode definhar e desidratar, gerando uma planta árida e espinhenta. Um neto do político que um dia representou a esperança, e que parecia carregar a herança naturalmente saudável do fruto da democracia, revela-se diante da possibilidade de crescer além de suas possibilidades.
Aécio Neves pode ser jovem, bonito e rico, mas jamais será o herdeiro do político que foi seu avô. Não que Tancredo fosse um anjo de candura – afinal, nesse mundo essas criaturas não sobrevivem. Mas porque é inábil, rancoroso, trapaceiro e revanchista.
Quem é político reconhece-se vencedor e perdedor. A regra primária da democracia é: quando a maioria quer, a minoria deve respeitar a vontade expressa. Aécio tornou-se pequeno quando desrespeitou o básico da democracia. Antes de ser um político que representa a maioria, é um engodo alimentado pelo poder daqueles que defendem velhos projetos muito pessoais. Com sua cara de indignação burlesca, Aécio é uma farsa.