Por José Vieira da Cruz *
A obra “Lutas pelo poder” – de José Afonso do Nascimento, professor de direito aposentado da UFS, assíduo colaborador de jornais, sites de notícias e redes sociais – reúne ensaios sobre indivíduos e grupos políticos em Sergipe. Em síntese, nesta obra ele bate à porta da opinião pública aguçando reflexões, debates e leituras sobre o papel da sociedade civil e do Estado que nos é contemporâneo.
Atento as tramas políticas, bem como, ao debate acadêmico acumulado a partir de sua imersão pessoal e profissional no Brasil, França e Estados Unidos, ele expressa uma escrita direta, objetiva e crítica do jurídico ao histórico. Assim, como em outras obras de sua lavra – a exemplo de “Incursões de um intelectual na mídia escrita” (2014) e “Resistência e adesão ao regime militar” (2020) –, este bacharel em Direito pela UFS (1976), mestre em Ciências Jurídicas pela UFSC (1981), titulado em Diplôme D’études Approfondies (DEA) pela Universidade de Montpelier, França, e com experiência profissional na Paul University, Estados Unidos, de modo inquieto e, frequentemente, provocativo tem incitado leitores a baterem à porta do poder – com reflexões desconformes ao estabelecido pelos status quo dos que rondam a academia e as instituições do aparato estatal. Assim, obra e autor, têm em comum o inconformismo, rebeldia e atrevimento crítico.
A obra – estruturada em três partes, 28 ensaios e 157 páginas – esmiuça, nos primeiros 17 textos, trajetórias, cenas e disputas acadêmicas, estudantis, sindicais e políticas contra o golpe e a ditadura. E, a este respeito, confere atenção ao protagonismo de professores e estudantes de direito e de outros cursos da UFS e, ainda, de como eles sofreram com arbítrio autoritário e enveredaram pelo campo da resistência democrática. Dentre eles: Zelita Correia, Silvério Fontes, Osman Hora Fontes, Zé Luiz, Marcelo Déda, entre outros.
Em regra, seus ensaios são concisos, o que facilita a leitura. Estes, por sua vez, seguem como metodologia análises de testemunhos coletados pela Comissão Estadual da Verdade de Sergipe – do qual o autor também foi membro, entrevistas que ele realizou e pesquisas compiladas junto a arquivos, jornais e bibliografia existente.
A segunda parte da obra, composta de 7 ensaios, preserva o estilo estético de uma narrativa que envolve o leitor, mas elege a teoria do Estado e os desafios de sua modernização, em particular, quanto a participação da sociedade civil na luta pelo poder, como objeto de atenção. Esta parte do trabalho é ainda mais provocativa por discutir, sem assombros, como o Estado utiliza a Lei de Segurança Nacional e, sobretudo, como o uso desta legislação em tempo de arbítrio é transpassada de excessos, exceções e violações – a este respeito o autor oferece um ângulo preciso, claro e bastante crítico quanto a este tema. Em outro ensaio, “Uma sociedade civil tutelada”, ele interpela o papel do Ministério Público como defensor dos interesses da sociedade e, ao mesmo tempo, como um dos responsáveis pelo esvaziamento, fragmentação e dispersão da sociedade civil – ângulo de abordagem que poucos ousam enfrentar.
A terceira parte do livro, constituída por 4 ensaios, discute o protagonismo sindical, político e parlamentar da ex-deputada estadual Ana Lúcia Vieira. A respeito, ele a apresenta com suas virtudes, posicionamentos, contradições e lugar de fala. A atenção a referida ativista, assim como ao ativismo de Zelita Correia, já valeram a obra a publicação da resenha “O protagonismo político feminino em livro de Afonso Nascimento”, de autoria da historiadora Célia Cardoso.
Em síntese, a obra, ao estilo dos formadores de opinião independentes, é transpassada de controvérsias, polêmicas e críticas aos acordos, tramas e jogos de poder tanto na universidade como nas esferas de poder estatal – municípios, estados e união – , em particular, quanto ao protagonismo de intelectuais, políticos e ativistas sociais. Sob este ponto de vista, o livro revela como o autor pensa a relação do Estado com a sociedade civil e vice-versa. E, em especial, instiga a necessidade de uma melhor compreensão acerca do conceito de sociedade civil tutelada e de sua fragilidade, riscos e limitações da atual carta constitucional no contexto da Nova República.
Observadas as ressalvas de uma escrita independente, rebelde e sem receios de contestação, é uma leitura agradável que pode ser feita – ensaio a ensaio ou em conjunto – por aqueles que batem ou não às portas do poder.
* É historiador, professor da Universidade Federal de Sergipe e membro do IHGSE.