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Ah, meu chuchuzinho!

Por Lelê Teles *

Em Aracaju a gente come charque, em Recife é o shark que come a gente”. Mestre Cafuna

Com mil diabos!, o maldito algoritmo, que reflete meu comportamento internético, não para de me mandar mensagens enigmáticas.

Além dos reels de tiktokers de bikini hipercavados, fazendo a dancinha da xereca, agora passaram a estourar pop ups no meu écran com fotos de chuchus.

Assim, no plural, chuchus.

Cozidos, crus, em picles, o diabo.

Ao mesmo tempo, explodem referências a um certo Geraldo Alckmin, tido como um cadáver político desde o fragoroso fracasso nas eleições presidenciais de dezoito.

The Alckmin is dead, mancheteavam, à época, triunfantes canhotos fatalistas, urubuzando a carniça.

Foi aí que me dei conta de que o morto-vivo de Pindamonhangaba atendia pela alcunha de picolé de chuchu.

“Captei”, gritei comigo mesmo, interpretando a pose performática de Rolando Lero.

Voltei à manchete do dia: “Lula convida Alckmin para ser seu vice”.

Saltei para o Twitter.

Qual não foi a minha surpresa, a grita era geral na minha bolha.

É que a esquerda namastê, a esquerda cirandeira, os esquedormachos, ciristas ex-querdistas, pretistas engajados e esquerdistas de aifone (grupo do qual faço parte), batem boca, butecamente, discutindo politicologia.

Claro que eu não daria ouvidos a esses maquiavéis de araque.

Peguei o celular e mandei um áudio para o oráculo da floresta, o sapientíssimo Cacique Papaku: “salve, grande cacique, aquele que não tiver pelado que atire a primeira flecha”.

Fiz a saudação habitual dos papaku, plagiada pelo cabeludo da Galileia numa paráfrase anti machista.

E contei, tagarela que sou, as últimas notícias do mundo civilizado ao polímata que veste uma tanga de penachos.

“Agora eu entendi, agora eu saquei, agora tudo faz sentido”, disse-me o sábio seminu, imitando um meme.

No áudio enviado pelo selvagem, dava pra ouvir o grasnar de araras ao fundo, e o inconfundível picar de um pica-pau em um pé de pequi.

Papaku, mordendo uma goiaba madura, perguntou-me se os mesmos que gritam agora contra Alckmin gritaram outrora contra o outro vice de Lula, o rico empresário José de Alencar, filiado ao mesmo PL que hoje abraça Bolsonaro.

Eu disse que não, que na verdade estão com medo do Chuchu porque, ao contrário de Alencar, este é político e pode dar uma rasteira em Lula, como Temer fez com Dilma.

“Lula não é Dilma”, cortou-me o selvagem, “e pra dar uma rasteira no Lula, meu camarada, o cabra tem que ser capoeirista da escola de mestre Bimba”.

Pedi que ele terminasse seu lanche e me explicasse o que significa, de facto, essa aliança Lulalckmin.

Papaku leu toda a obra Mitológicas do antropólogo Claude Lévi-Strauss, e usou o tomo O Cru e O Cozido para explicar-me o que ninguém parece querer compreender.

Depois de muito mastigar ele me disse que, entre outras coisas, o cru e o cozido representam uma passagem da natureza para a cultura, lembrando também que o elemento de uma cultura só pode ser interpretado quando contrastado com elementos de uma outra cultura.

E usou uma metáfora gastronômica na sua análise.

Disse que o Chuchu é tido como insípido por aqueles que nada sabem sobre sabor.

“Entre o povo papaku, o chuchu não é um alimento, é um complemento alimentar”, explicou-me.

E disse que, em seu estado de natureza, cru, o chuchu não tem gosto nem de chuchu.

Porém, uma vez transformado, ensopado, guisado ou vaporizado, o chuchu pode ser delicioso como salada, suflês, refogados e cai bem até mesmo em bolos e tortas.

“Com Lula, por exemplo, fica maravilhoso”, disse o gastrônomo da floresta.

“Por que o Psol foi um dos primeiros a gritar contra o Chuchu?”, perguntou-me, respondendo em seguida: “porque o chuchu, rico em flavonoides, combate os radicais livres”.

Saquei tudo.

É preciso a formação de uma Federação de Partidos, como o Petê vem sabiamente construindo, para fazer o confronto, no Congresso Nacional, da civilização contra a barbárie.

E precisamos de todos os democratas juntos.

Ora, não se pode fazer omeletes de chuchu sem quebrar ovos.

Alckmin não está com Lula para lhe dar votos, porque todos sabemos que votos o narigudo tem pouco.

Alckmin partiu do seu partido depois que este se partiu a partir das fuleiragens golpistas de aécio (grafemos sempre em minúsculas).

Se Alckmin não morreu abraçado a aécio, claro que ele é um democrata.

Alckmin é o produto de uma relação tokenista, a gente pega uns caras do lado de lá e trás pra cá, assim eles passam a nos enxergar como estando do lado deles, e é aí que entra a rasteira.

Na hora de encarar um Congresso formado por empresários, fazendeiros, empresários da fé e rentistas, quem não cair na lábia do Barba vai acabar lambendo um picolé de chuchu.

Conclusão, o Psol nasce pra todos, mas não dura mais que um dia, como diria Gregório de Matos, o Boca do Inferno.

O Petê não nasceu ontem e é uma estrela que brilha tanto de noite quanto de dia.

Vai ter que engolir esse chuchuzinho, sim.

E se fizer birra a mamãe faz aviãozinho pra enfiá-lo goela abaixo.

Palavra da salvação.

* É jornalista, publicitário e roteirista.

 

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