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Aracaju, nascida e criada no mangue

Por Ricardo Nunes*

Neste mês de março, Aracaju comemora seus 170 anos. Muitas celebrações culturais, esportivas e políticas são realizadas para homenagear a cidade. Tais celebrações são merecidas, pois Aracaju é uma sobrevivente dos desafios enfrentados por ter sido construída em meio a manguezais, charcos, pântanos e dunas. Uma extravagância urbanística injustificada, porém decidida por personagens históricos que pensaram apenas em seus interesses políticos e econômicos.

Em 1855, São Cristóvão, com seus já 265 anos, era a bela capital de Sergipe, com suas suntuosas igrejas, palácios, casarões e o primoroso Pátio e Convento de São Francisco, hoje patrimônio da humanidade. A cidade possuía um forte caráter simbólico na história do Estado. No entanto, foi preterida por uma insignificante vila às margens do rio Sergipe, a Vila de Santo Antônio do Aracaju, para substituí-la como capital do Estado. Mas como se justifica tal desatinada decisão? Abaixo da colina do Santo Antônio, ao longo do rio, reinavam pântanos, manguezais, charcos sem limites e dunas brancas, mais para o interior – o pior e mais insensato território para se erguer uma cidade.

O Bairro Treze de Julho em 1969

A leitura dos trabalhos de historiadores cuidadosos, acompanhada de uma reflexão crítica sobre essa história, nos leva a entender os interesses econômicos e de poder do pequeno grupo que articulou a transferência da capital.

O porto de Sergipe ficava em São Cristóvão, escoando a produção de açúcar de todo o Vale do Vaza Barris. Acontece que o senhor João Gomes de Melo, o Barão de Maruim – então senador do Império – o maior latifundiário do estado, possuía seus oito engenhos no Vale do Cotinguiba, que desaguava no Sergipe, o rio de Aracaju. O barão não precisava de uma cidade, mas apenas de um porto para embarcar mais facilmente sua produção açucareira e, assim, obter maiores lucros. Porém, para ter um porto em Aracaju, seria necessário transferir a Mesa de Rendas do Estado, a Intendência de Polícia e outras instituições para sua proximidade. O que pensou o barão, que, juntamente com seus parceiros, também era dono das terras onde se ergueria a capital?
— Vamos transferir tudo para cá. Governo, assembleia, porto, diocese, tudo. Vamos fazer a nova capital.

Com sua influência política junto ao imperador Pedro II, o barão conseguiu nomear o moço Inácio Joaquim Barbosa, um carioca de 32 anos que sequer conhecia Sergipe, para ser presidente da província, com a finalidade única de transferir a capital de São Cristóvão para a Vila de Santo Antônio do Aracaju. E assim, no dia 17 de março de 1855, reunido intimamente com o barão em sua casa, no engenho Unha de Gato, na cidade de Maruim, o presidente – que deveria despachar no Palácio de Governo – sem consulta pública e sem justificativas oficiais, assinou a criação da cidade de Aracaju e a transferência da capital, por meio de um decreto com apenas dois artigos.

Em novembro deste mesmo ano, 1855, Inácio Barbosa morre de malária, aos 34 anos, picado pelos mosquitos da cidade que havia criado para o barão.

Com seu plano consumado, o Barão de Maruim derrubou o poder de seus adversários políticos em São Cristóvão e derrotou seus concorrentes, produtores de açúcar do Vale do Vaza Barris, que não possuíam musculatura política para enfrentar o barão no Passo Imperial, no Rio de Janeiro. E, com a morte de Inácio Barbosa, o barão torna-se presidente da província do Sergipe, nomeado pelo imperador. Entenderam?

Nesse contexto, surge um personagem muito importante que a história não confere a devida relevância: João Naponuceno Barros, um político sãocristovense, conhecido como João Bebe-Água, que teve toda razão ao liderar o movimento que reuniu mais de quatrocentos militantes em diversas manifestações contra a forçada mudança da capital. Ele sabia que a mudança da capital era um ato político de interesse pessoal, e que não se justificava pela sanha capitalista do barão. João era presidente da Câmara de Vereadores, muito presente entre as camadas populares, porém era mulato e pobre. Morreu no ostracismo, sendo considerado louco de forma injusta e cruel pela elite política e econômica de Aracaju, claro!

Como podemos ver, não há nada de romântico nessa história, ao contrário do que pretendem alguns comentaristas contemporâneos ao falarem do nascimento de Aracaju. Precisamos, ao consultar a história, fazer um breve esforço crítico para entendê-la como ela realmente aconteceu, pois é comum no Brasil contarem apenas o que interessa aos vencedores.

* É arquiteto e urbanista, especialista em Planejamento Urbano pela Universidade Católica de Campinas e mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal de Sergipe.

 

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1 Comment

  1. José Vieira da Cruz disse:

    Uma narrativa provocativa, crítica e interessante sobre Aracaju, vale a leitura.

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