Por Luiz Eduardo Costa *
Aquela vontade de buscar e abrir a alegada “ Caixa Preta” que existiria na Prefeitura de Aracaju tornou-se a marca registrada no discurso de Emília Correia.
Essa obsessão pelo metafórico objeto, revela uma personalidade detetivesca, ou meramente populista, antecipando a imagem de um possível mandato, que viria a ser uma sucessão de tumultos. Não cabe a gestores públicos nos cargos transitórios de Presidente da República, Governadores ou Prefeitos, assumirem as funções de Policiais, Promotores, Magistrados ou integrantes de Controladorias externas. O bom senso, ou as normas que regem as atividades especificas de cada tipo de gestão, deixam claros os caminhos a seguir, quando existirem desvios ou crimes cometidos contra os cofres públicos, e quais são os agentes detentores das prerrogativas legais para a investigação, inquéritos e processos .
O resto é populismo barato, mirando o eleitor menos esclarecido, que se deixa contaminar pelo alarde e exibicionismo. Há os que vencem eleições, e, empossados, querem continuar sob a luz dos holofotes , trocando a responsabilidade de governar pela ânsia de aparecer.
Em Sergipe, nos distantes anos cinquenta, ocorreu um desses episódios de populismo e vingança política, que se tornou emblemático, até mesmo porque, o autor de uma anunciada façanha moralizante, logo reconheceu o próprio erro. E preferiu trocar o vedetismo pela sobriedade, dedicando-se a executar projetos essenciais, dando continuidade até a obras iniciadas pelo seu antecessor, um adversário que imaginou ,de início, poder desmoralizá-lo.
Ao assumir o governo em 1954 o engenheiro Leandro Maciel derrotava o pecuarista Arnaldo Garcez, isso em meio a um acirramento de paixões partidárias, que descambavam frequentemente para a violência.
O rádio era a grande novidade da época , com o poder de espalhar mensagens aos quatro cantos do acanhado território sergipano. A Rádio Liberdade, recentemente inaugurada, e que influíra muito na eleição d,,e Leandro, foi convocada, juntamente com a oficial Rádio Difusora, para transmitirem, ao vivo, as chamadas Mesas Redondas. O governador assumia o papel de Inquisidor. Diante dele , do outro lado da mesa , sentavam os servidores públicos escolhidos para prestarem conta do que acontecera no governo de Arnaldo. Era uma busca espetaculosa da “Caixa Preta”, o assunto único e gerador de polemicas, que agitou e tomou conta de todas as conversas , na madorrenta sociedade sergipana, desacostumada com as sensações fortes e coletivas.
Muitos servidores diante do cenho carrancudo de Leandro Maciel e dos seus assessores “ sedentos de sangue”, chegavam a chorar, um deles cometeu suicídio.
Chegou a vez do Diretor do Tesouro Estadual, algo equivalente à Secretaria da Fazenda, que estava no cargo desde quando Maynard Gomes tornou-se interventor, em 1930. Chamava-se Sálvio Oliveira. Vinha a ser primo carnal do capitão- dentista do Exército Brasileiro, Jose Teófilo de Santana, Juca, um herói de guerra nos campos da Itália, avô paterno do agora candidato a Prefeito de Aracaju, Luiz Roberto.
Sálvio, então Venerável da Loja Maçônica Cotinguiba, tinha como maior ,ou único patrimônio, a sua inteireza moral.
Chegou, sobraçando um pacote de documentos, sentou-se à frente do governador , e começou a responder, calmo, manso, a todas as perguntas. Os locutores famosos Silva Lima e Santos Mendonça, baixaram o tom de voz sensacionalista que adotavam nas transmissões. Se fez silêncio a um sinal do governador Leandro Maciel, que interrompeu o depoente, e tomou a palavra: “ Senhor Sálvio Oliveira, o senhor não precisa continuar. O senhor já disse tudo o que eu queria saber, e aqui e agora, publicamente, eu lhe faço o convite para permanecer no cargo. O senhor honra qualquer cargo que venha a ocupar, e eu preciso de gente honrada “.
No dia seguinte, Leandro encerrou a busca à “ Caixa Preta”, pôs fim à experiencia populista, ou caça aos escândalos, que aliás não existiam ,e fez um governo de muitas realizações, embora sem conter a violência politica por todo o estado.
Não se imagine uma comparação da politica de ontem com a política de hoje.
Os tempos mudaram, o conceito de honra anda sumido, a moralidade pública virou picolé de chocolate dos “ moralisteiros “. Na arena formada por esses trinta e tantos partidos, alguns deles comandados por incorrigíveis “ usuários” dos cofres públicos, ansiosos, disputando parcelas do gordo Fundo Partidário e sonhando com todas as demais “ verbas”. Nesse cenário, onde a compra e venda de votos a tudo contamina, nenhum dos seus personagens poderá ser considerado isento de erros, ou, até mesmo de tropelias.
Não se imagine, todavia, que soluções miraculosas possam existir, como por exemplo o fim da política encarcerada nos porões de uma ditadura, ou muito menos que a salvação estaria em personagens tão conhecidos , os “moralisteiros” de ocasião. Aqueles, por exemplo, que se dizem caçadores de “ Caixas Pretas”.
Se Emília , a vereadora de tantos mandatos, como as pesquisas indicam, for eleita Prefeita de Aracaju, e der inicio à caçada da “ Caixa Preta”, teria ao seu lado a espingarda certeira de Edvan Amorim?
Este, seria o primeiro tumulto. Mas, outros poderiam ir surgindo. Sendo acirrada opositora do Governo Federal, do Governo do Estado, Emília engavetaria suas ojerizas pessoais e manteria um civilizado diálogo com esses atores, indispensáveis para a plena execução das políticas públicas em Aracaju? Ou seria refém de um deputado federal, Rodrigo Valadares, fanático adepto do quando pior melhor, desde que lhe dê transito livre entre os extremados?
E assim, galopando pelos extremos, ele consegue eleger com grande votação uma vereadora que nem fala. Mas a deficiência não está nas cordas vocais.
Os graves problemas de Aracaju, estão a exigir bom senso, pluralidade de ideias, que se podem encontrar tanto na Direita, como na Esquerda, ou no Centro. E é preciso haver plena cooperação entre os diversos agentes do poder.
Ou seja, em nome da boa e eficaz governabilidade, é urgente livrar Aracaju da polarização ideológica. Sobretudo, não se pode perder tempo em discussões estéreis, ou remexendo tudo para achar uma “ Caixa Preta”.
* É jornalista.
2 Comments
Quero parabenizar o Prof.Luiz Eduardo Costa pelo Seu relato histórico e, sobretudo, pela Sua inteligência na exposição dos fatos.
Extraordinário comentário de Luiz Eduardo Costa. Exemplo de conhecimento da história e profundo conhecedor dos fatos que nem o tempo consegue apagar.