Um número considerável dos mortos nos naufrágios de navios mercantes torpedeados pelo por um submarino alemão estão sepultados no Cemitério dos Naufrágos, em Aracaju. Este talvez seja o único campo santo quase que exclusivo para vítimas da 2ª Guerra Mundial. O estudo “Cemitério dos Náufragos: uma Proposta de Arqueologia Histórica em Sergipe” assinado pela doutora Janaína Cardoso de Mello * e pelo mestre em História Rafael Santa Rosa Cerqueira” ** traz informações preciosas sobre esta trágica história ocorrida na costa de Sergipe. Também “busca salvaguardar este espaço e analisar sua importância social para as comunidades circunvizinhas”.
Veja, abaixo, parte do estudo arqueológico do Cemitério dos Naufrágos:
Nas primeiras horas da manhã de 16 de agosto de 1942, a população sergipana foi surpreendida com os primeiros corpos das vítimas e com os destroços que chegavam ao litoral da capital. Muitos se perguntavam o que havia acontecido, e espantaram-se com a notícia de que os navios da Marinha Mercante Brasileira — BaependiIII, AraraquaraIV e Aníbal BenévoloV— foram covardemente atacados por um submarino alemão.
Ataque durou 12 horas
O submarino alemão U-507, comandado pelo Capitão-de-Corveta Harro Schacht, em doze horas marcaria tragicamente a história do Brasil, em especial a história de Sergipe, ao vitimar de forma abrupta aproximadamente 551 pessoas, entre homens, mulheres, crianças e tripulantes dos navios que navegavam tranquilamente pelas águas que banham as praias sergipanas.
Segundo Roberto SanderVI: “Em Aracaju, o clima era de consternação. Podia-se sentir no ar o peso do drama dos náufragos. As ruas se enchiam de pessoas buscando explicações para o terrível acontecimento”.
Com tamanho susto, o povo aracajuano, prostrado, se tornou inerte diante da ameaça marítima. Populares buscaram sobreviventes no litoral; entre os corpos, poderia haver conhecidos ou parentes. A locomoção até as praias aonde chegavam corpos, destroços e sobreviventes era por 8 km de estradas não pavimentadas, de difícil acesso.
Corpos na praia
O jornal Folha da Manhã de 19 de agosto de 1942, trouxe em uma de suas matérias a seguinte informação:
Cadáveres – Pairam sobre as praias de Sergipe vários cadáveres das vítimas inditosas dosnavios torpedeados. Até agora foram recolhidos 14 cadáveres, sendo 13 de adultos e 1 de uma criança. Estes cadáveres depois de passarem pelo serviço de identificação foram sepultados.
Decerto alguns corpos estavam conservados ao ponto de conseguirem ser identificados, e assim enterrados em cemitérios como os da Cruz Vermelha. Já outros, deteriorados pelo mar ou mutilados pelas explosões, tiveram seus restos destinados ao então supostamente criado “Cemitério dos Náufragos”. Isso aconteceu não só pela impossibilidade de reconhecimento desses corpos, como também pela grande quantidade de sepulturas que precisariam ser abertas em outros cemitérios, como Cruz Vermelha e Santa Izabel.
Enterro cristão
Muitos cadáveres que não conseguiram ser identificados encontravam-se nas proximidades das praias. Era preciso que de lá fossem retirados e que lhes fosse dado um enterro cristão.
Assim criou-se um cemitério, posteriormente chamado Cemitério dos Náufragos, que, no ano de 1973, através do Decreto nº 2.571 de 20 de maio, foi considerado patrimônio histórico de Sergipe. É importante lembrar que tal Decreto foi assinado durante a construção da Rodovia dos Náufragos, que ligaria a capital às praias do litoral sul da cidade; com isso, houve o deslocamento do Cemitério da sua localização antiga para a atual.
Muitos moradores, no entanto, acreditam que este Cemitério existia muito antes dos torpedeamentos ocorridos em 1942. Para Dona Izaulina:“Já tinha há mais de 100 anos. Meus pais sempre moraram aqui e contavam que seus avós foram enterrados no Campinhos”VIII. Já o presidente da Adcar (Associação Desportiva Cultural e Ambiental do Robalo) afirma que: “Tudo bem que ele serviu para enterrar os corpos dos náufragos dos navios bombardeados na 2ª guerra mundial, reconhecemos isso, mas o Cemitério dos ManguinhosIX existe há mais de 200 anos e será assim que vamos chamá-lo”.
Quando o cemitério foi criado?
Surgem então alguns questionamentos: Quando realmente foi criado este cemitério? Quantos anos ele tem de fundação: 83, 100 ou 200? Com a construção da Rodovia, o Cemitério foi descaracterizado? Será ele o primeiro cemitério da capital sergipana? As respostas poderão ser obtidas a partir de um estudo arqueológico adequado ao local, respeitando as lápides, as normas da Emsurb (Empresa Municipal de Serviços Urbanos) e a memória dos moradores.
Através do Decreto Estadual nº 2.571, de 20 de maio de 1973, o Cemitério dos Náufragos, localizado na Rodovia dos Náufragos em Aracaju – SE, foi tombado como monumento histórico.
* Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); professora adjunta do Núcleo de Museologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia (Proarq – UFS); líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Memória e Patrimônio Sergipano (Gemps) / CNPq.
** Mestrando em História da Universidade Federal de Alagoas (UFAL); servidor do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, lotado no Memorial do Poder Judiciário; membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Memória e Patrimônio Sergipano (Gemps/CNPq).
Foto: Portal F5News