Neste ano, as seccionais dos estados e do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estão em disputa para o Conselho Seccional, diretorias das subseções, Conselho Federal, e a Caixa de Assistência dos Advogados.
Em Sergipe, quatro chapas foram inscritas para as eleições da seccional da OAB, conforme prevê o regulamento eleitoral da entidade. Concorrem à presidência da entidade os advogados Eduardo Robert, Danniel Costa (candidato a reeleição) e as advogadas Ana Lúcia e Clara Machado. O pleito está agendado para o próximo dia 19 e definirá os novos dirigentes da OAB para o triênio 2025-2027.
Para entender um pouco mais sobre as eleições na OAB, o site Brasil de Fato conversou como o advogado sergipano Cezar Britto, ex-presidente da OAB/Sergipe, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, entre os anos 2007 a 2010, membro da Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Brasil de Fato – Estamos em um cenário das eleições dos Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil. Como avalia essas eleições, primeiro, em um âmbito nacional? Qual o papel da OAB, principalmente das seccionais na defesa da democracia e das instituições?
Cezar Britto – As eleições da OAB mobilizam não só a advocacia, mas também a sociedade, pela relação estreita que ambas possuem. A Constituição Brasileira, diferente de qualquer outra no mundo, atribui à advocacia e à OAB um papel muito importante. Aliás, somos citados 32 vezes na Constituição, o que nos dá o papel de defender a sociedade. Viemos defender a sociedade em todos os assuntos. Indicamos um quinto dos integrantes do tribunal. Temos voz no controle do Ministério Público e da Magistratura. Estamos presentes em quase todos os conselhos de fiscalização das políticas públicas.
Por isso, uma eleição da OAB mobiliza tanto, atraindo a advocacia, porque a advocacia brasileira, novamente, diferente da advocacia em outros países, tem essa compreensão de seu papel social e político. Nossa lei estabelece que temos duas missões: uma institucional, que é defender a sociedade, os direitos humanos e a ordem jurídica, e outra corporativa. Portanto, são duas questões que se interligam.
A OAB cuida do institucional, da sociedade. A sociedade cuida da OAB e nos concede prerrogativas para melhor defendê-la, como a inviolabilidade dos escritórios, o direito de defesa, o direito de não sermos punidos por nossas opiniões, o direito de petição e de exercer o contraditório.
Por isso, essa é uma eleição que atrai tanto e de forma voluntária. Poucas pessoas sabem que os cargos de conselheiros, presidentes e presidentas não são remunerados; são cargos voluntários. Não há remuneração na OAB, mas esse compromisso com a advocacia brasileira é em relação ao seu dever.
Brasil de Fato – Durante o seu mandato como presidente da OAB, o senhor defendeu a ampliação dos direitos sociais, trabalhistas, além da representação de movimentos sociais. Como observa a evolução dessa pauta dentro da instituição nos últimos anos?
Cezar Britto – Especificamente em relação ao papel da OAB e o que nos reserva a Constituição, nossa função é cuidar dos direitos humanos e sociais. Essa é a função primordial da advocacia brasileira e, por conta dessa presença na sociedade, temos um papel corporativo muito forte. Não há no mundo direitos e prerrogativas como os da advocacia brasileira.
Por exemplo, o direito de falar diretamente com o juiz é algo exclusivo do Brasil. O direito de não haver processos secretos contra a advocacia e a inviolabilidade de nossos escritórios refletem essa relação mútua e forte com a Constituição. Ela diz: “Eu quero uma advocacia vigilante e, ao mesmo tempo, concedo a essa advocacia vigilante poderes para continuar vigilante.” Por isso, a OAB não se submete ao controle do Tribunal de Contas, sendo o único conselho de classe que não se submete a esse controle. Além disso, é o único que exige um exame de ordem para ingresso na advocacia, reforçando sua importância social.
Em meu mandato, agilizamos muitos processos. Criamos a Comissão Nacional de Promoção da Igualdade e fortalecemos a presença das mulheres e dos movimentos sociais dentro da própria Ordem, porque esse é nosso papel. Não estamos inovando, estamos cumprindo a missão absolutamente constitucional.
Isso, porém, não se restringe ao meu mandato. Faz parte da própria história da OAB. Os presidentes que me antecederam e os que me sucederam também cumpriram, cada um a seu tempo, em seu estilo e perfil, essa participação.
Nos últimos tempos, por exemplo, a partir da OAB de Sergipe, começamos a adotar a inclusão racial nos cargos do Conselho. A OAB esteve na tribuna do Supremo Tribunal Federal defendendo as cotas raciais e também a punição dos torturadores.
Acredito que, se tivéssemos punido os torturadores da ditadura militar, talvez a tragédia do dia 8 de janeiro não tivesse ocorrido, porque aqueles que cometem crimes contra a humanidade, quando perdoados, continuam cometendo crimes contra a humanidade.
Assim, a presença da sociedade dentro da OAB é como o próprio respirar da entidade.
Brasil de Fato – A inclusão de grupos minoritários e representantes de movimentos sociais na advocacia é uma pauta crescente. O senhor acredita que as chapas concorrentes na OAB-DF estão comprometidas em garantir representatividade desses grupos, como mulheres, negros e advogados LGBTQIA+ na gestão da seccional?
Cezar Britto – Cada pessoa tem seu próprio estilo e compreensão, mas cuidar dos movimentos sociais, da sociedade e do direito de defesa é inerente à OAB, independentemente de quem está no cargo. A OAB não é uma entidade conservadora ou progressista. O presidente da Ordem não tem opiniões pessoais, mas sim posições institucionais.
Não é raro, por exemplo, haver uma composição mais conservadora em relação ao direito de propriedade, enquanto a OAB defende a reforma agrária. Individualmente, conselheiros podem ser contra as cotas raciais, mas, quando o assunto chega ao pleno, 100% votam a favor das cotas.
A OAB sempre consegue separar as vontades e preconceitos individuais de seus representantes para ter uma visão mais coletiva da sociedade. Acho que as chapas devem promover isso. Equivoca-se quem diz que o institucional está sendo excessivamente cuidado e que não se está fortalecendo o corporativo. Esse é um erro grave, pois nossa força corporativa decorre da nossa força institucional. Muitas vezes, esse tipo de discurso é mais uma tática de campanha, já que vivemos um período de muito marketing nas eleições. Mas, para mim, qualquer chapa ou grupo que queira ser vitorioso deve saber conjugar o institucional com o corporativo, pois é isso que a lei determina.
Brasil de Fato – Neste ano, nas eleições da OAB-DF, temos uma composição de cinco chapas. Na sua avaliação, o que representa, do ponto de político, essa quantidade de chapas inscritas?
Cezar Britto – Esse é um fenômeno que está acontecendo em todo o Brasil. Em várias seccionais, estamos vendo mais chapas do que o comum. Isso reflete a pluralidade de pensamento, que se torna cada vez mais evidente em nossas vidas, além da polarização política, que influencia esse cenário. Às vezes, o clima de briga e ódio separa pessoas que se amavam.
Além disso, temos as divergências políticas normais e, hoje, tem se refletido nessa pluralidade. Somos quase 2 milhões de advogados e advogadas, é natural essa quantidade muito grande tenha grupos que queiram ser representados. Por isso que se tem uma quantidade maior de chapa.
Terceiro, nosso compromisso com a advocacia também é querer ajudar, voluntariamente, a sociedade, e isso é aflorado nesse momento de eleição. A advocacia permite, a Ordem permite, essa importância constitucional e a sua importância institucional corporativa que a pessoa possa contribuir para o mundo ser melhor. Então, esse desejo de contribuir para um mundo melhor também contribui para termos muitas chapas.
Fonte: site Brasil de Fato (Foto: Vinícius Loures/Câmara dos Deputados)