Por Gilfrancisco*
Em novembro deste ano, comemora-se o centenário de nascimento do nosso maior historiador, Cid José Teixeira Cavalcante (1925-2025). Esse historiador pop que “transformou o contar fatos da capital baiana e da baianidade em arte”, há muito merece uma biografia. Devido à idade avançada e naturalmente os problemas de saúde, aos poucos Cid foi se afastando da vida pública e em julho de 2014 foi hospitalizado na Unidade de Terapia Intensiva Cardiológica do Hospital Aliança, em Salvador. Anos depois uma nova internação na UTI. Cid Teixeira não resistiu e nos deixou aos 97 anos, no dia 21 de dezembro de 2021, em sua residência, no bairro da Pituba, em Salvador. Viúvo, deixou um filho, Afonso, e três netos.
Era comum telefonar para ele quando ia à Salvador, para almoçarmos em sua residência, ter notícias sobre as novas pesquisas, oferecer-lhe as novas publicação do Estado de Sergipe, livros, revistas e boletins, por fim atualizarmos conversas antigas, interrompidas por alguma circunstâncias no percurso das nossas vidas desde 1996, quando assumir chefia e coordenação do Departamento do curso de Letras da Universidade Tiradentes. O professor Cid Teixeira era uma figura impressionante. Fala forte, voz rouca feita trovão e um coração gigante, pronto para ser explorado. Nos meus tempos de Bahia, estávamos sempre presentes nas sessões ou lançamentos do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia de Letras da Bahia, mas minha saída para Sergipe interrompeu nosso contato quase que diariamente. Ele estava sempre me cobrando à publicação de dois livros que há muito vinha pesquisando, um sobre Godofredo Filho e o outro sobre Arthur de Salles, ambos publicados em Sergipe pela Faculdade Atlântico: Godofredo Filho & o Modernismo na Bahia (2005) e O poeta Arthur de Salles em Sergipe (2006). O Mestre vivia sempre me orientando, dando dicas sobre minhas pesquisas. No final dos anos noventa (1998), época em que eu estava matriculado no Mestrado do curso de Letras da UFBA, pesquisava sobre o poeta e jornalista Pinheiro Viegas (1865-1937) e a formação da Academia dos Rebeldes. Levei a ele alguns textos escritos por Viegas, deixando fascinado por sua verve e após lê-los comentou em seguida, que nunca tinha lido nada de Viegas, apenas alguns comentários de que foi um jornalista militante, além de grande epigramista nos anos vinte na Bahia. Os originais desse trabalho O Espírito Revel de Pinheiro Viegas foram entregues para publicação a poeta e diretora da Fundação Casa de Jorge Amado, Myriam Fraga (1937-2016) em 2010, juntamente com doze pequenos volumes biográficos sobre cada um dos membros da Academia dos Rebeldes.
Nos anos oitenta frequentei sua biblioteca instalada num dos apartamentos do edifício residencial, Afonso Leite Oliva, no bairro do Itaigara, onde acomodava aproximadamente vinte mil livros, distribuídos em três quartos, uma ampla sala e dependências: dicionários, história do Brasil, história geral, teoria da história, periódicos e história da Bahia. Entrevistado pelo jornalista e professor da UFBA Gustavo Falcon em 1990, explica as razões da existência da sua biblioteca, não como culto ao livro, mas como ferramenta de trabalha: “não tenho a paixão de primeira edição, da edição comemorativa, tenho a paixão do texto integral, do conteúdo do livro”. Lembra Cid, que quando menino, sem condições de comprar os livros que desejava e necessitava ler, frequentou assiduamente a biblioteca do professor Frederico Edelweiss (1892-1976), que juntou o mais rico e completo acervo particular da Bahia.
Seu nome é Cid José Teixeira Cavalcante, natural da Ilha de Maré (BA) é o primeiro dos cinco filhos de Cidália e José Teixeira, nasceu em 11 de novembro de 1925 e faleceu a 21 de dezembro de 2021. Fez os estudos na Escola Visconde São Lourenço e secundário no antigo Ginásio da Bahia (1936-1943) e o curso superior na Faculdade de Direito da Bahia (1944-1948). Advogado de formação, entretanto jamais advogou e professor por profissão. Desde muito jovem dedicou-se ao estudo de história, como funcionário do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, época em que se inicia no magistério secundário e em 1946 fora admitido como auxiliar de ensino, da Escola de Belas Ates da UFBA, na cadeira de História da Arte. Em seguida ingressa na carreira docente na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, vindo a integrar, posteriormente, o Departamento de História, até se aposentar, em 1989.
Na Bahia exerceu várias funções públicas foi redator, editorialista e editor de vários jornais, Cid Teixeira foi o responsável pela implantação do Serviço de Radio Educação através do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – IRDEB, onde conheci o saudoso jornalista Cleomar Brandi (1946-2011) que se transferiu para Aracaju no ano de 1985, para integrar a primeira equipe de jornalistas da TV Aperipê. Sendo um órgão do governo do Estado da Bahia ligado à Secretaria de Educação da Bahia o Irdeb além dos cursos para exame de Madureza Ginasial e do Supletivo, que foi a principal razão da existência do órgão, foi ministrado pelo rádio um curso de especialização, destinado a professores primários, patrocinado pela Secretaria de Educação e Cultura. Intensificamos nossa amizade no início dos anos setenta, por intermédio da pedagoga do Irdeb Cleusa Pelegrino, já falecida, mas na época companheira de meu cunhado, Pedro Felix Capinan (1938-2023). Na residência do casal, a presença do professor Cid Teixeira era frequente, e esta ligação era antiga, desde os tempos de companheirismo de caçadas em Pedras, (Entre Rios) nas terras do patriarca Osmundo Capinan (1900-1993).
Cresci ouvindo seu programa na Rádio Cruzeiro da Bahia (1967), “Pergunte ao José”, onde respondia as cartas dos ouvintes sobre variados temas. Fui com meu pai, Odilon Francisco dos Santos, funcionário da Reitoria da UFBA várias vezes visitá-lo na sede da emissora, que estava localizada na Ladeira da Praça, num pequeno edifício de dois andares, onde funcionava na parte térrea a Rádio Brasil, uma agência de publicidade e propaganda. Na época nós morávamos na Praça dos Veteranos no casarão de número 77, onde funcionava no térreo a Farmácia Americana, em frente ao Quartel Corpo de Bombeiros. Esse programa lançado em 1967 se tornou num dos ícones do rádio baiano e permaneceu por muitos anos em audiência.
Na qualidade de jornalista e pesquisador aprendi muito com Cid desde os tempos em que era o responsável pelo Departamento de Pesquisas da Tribuna da Bahia. Fiquei muito lisonjeado quando ele escreveu algumas palavras para meu livrinho Manifestações Literárias no Brasil-Colônia. Era uma coleção criada por mim, Jorge Portugal e Orlando Pinho, intitulada Cadernos: Primeira Pedra nº2, lançado em fevereiro de 1992, uma publicação do Colégio Einstein.
Gilfrancisco não ficou na torre de marfim da pesquisa pela pesquisa, somente para ser lida e comentada por outros pesquisadores. Este livro é a prova da possibilidade de um trabalho de garimpagem literária vir a ser, ao mesmo tempo, e com grandes préstimos, um trabalho didático de efeito multiplicador. A preocupação com a literatura baiana que é a tônica do trabalho do autor, sobretudo na busca de “inéditos e dispersos” capazes de fazer revistas velhas opiniões, aqui parece em nova fase: a aplicação viva e presente, perante classes escolares de jovens, dos melhores valores e da melhor pesquisa sobre as suas obras.
Tales de Azevedo (1904-1995) em prefácio a um dos seus livros Bahia em Tempo de Província (1986), coleção de artigos publicados na imprensa baiana (Jornal da Bahia e Tribuna da Bahia), entre os anos de 1973/1978, toca em questões importantes para os pesquisadores, ao afirmar que não existe no campo das ciências sociais terreno que seja mais fácil penetrar e improvisar. E segue desfiando o coro dos contentes, enumerando autores que entram no rol dos historiadores à custa de achados casuais ou de palpites arbitrários sobre um documento ou papel que parece, ou seja, de importância para a história.
Cid Teixeira, mestre da historiográfica baiana é um investigador que segue trilhas e rotas próprias nos arquivos, nas bibliotecas, na coleta pessoal de testemunhas, de lembranças ou recordação. Fui seu aluno em vários cursos, alguns como: Revisão de História da Bahia; Cultura Baiana; A Bahia de Outrora – Século XIX – A mulher baiana. Com suas lições aprendi a entender melhor sobre as questões da baianidade. Confesso que ele me descobriu, abriu caminhos, estimulou a prosseguir nas pesquisas acadêmicas, disse-me que era preciso deixar o tempo de nascer, crescer e florescer vir naturalmente.
No dia 22 de novembro de 2005, O Conselho de Cultura do Estado da Bahia, comemorou com destaque, a passagem dos 80 anos do renomado historiador. Nesta data, as homenagens ao professor Cid Teixeira foram prestadas pela professora e presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Consuelo Pondé de Sena (1934-2014) e os Conselheiros Luiz Henrique Dias Tavares e Waldir Freitas Oliveira, que falaram sobre A vida, a obra e a época de Cid Teixeira. Ao final da sessão, após sua oração de agradecimento foi entregue ao Prof. Cid Teixeira pela Presidente do Conselho Estadual de Cultura, Eulâmpia Reiber, uma placa de prata com dizeres alusivos à data que se comemorava e aos valiosos serviços que vem ele prestando à Bahia, como professor, jornalista e historiador.
Para mim o professor Cid Teixeira sempre estará ligado à historiografia baiana, um dos três maiores investigadores da Bahia, ao lado de Luiz Henrique Dias Tavares e Tales de Azevedo. Apesar de possuir uma curta e consistente obra publicada, além de mais de uma centena de artigos esparsos em jornais e revistas especializadas: História da Armação; A brinca na heráldica portuguesa; O morgado em Portugal e no Brasil; As grandes doações imobiliárias na cidade do Salvador; Nordeste histórico e monumental (em colaboração com Clarival do Prado Valadares; Histórias minhas e alheias; História da energia elétrica da Bahia). Apesar de tardiamente, quero registrar o carinho e o amor que sempre tive pelo mestre com algumas palavras, porque sobre sua obra já se escreveu tudo ou quase tudo. Desejo, para não me alongar mais, que os jovens acadêmicos se espelhem na obra daquele que bem preservou a memória cultural da velha e tristonha Bahia, porque historicamente todos nós baianos somos-lhe devedores.
Nota de Pesar da UFBA
Cid José Teixeira Cavalcante tinha 97 anos e era um dos mais conhecidos historiadores baianos, famoso pela memória prodigiosa, especialmente acerca da história da Bahia e da cidade de Salvador. Começou a lecionar na UFBA em 1946, ainda como auxiliar de ensino da Escola de Belas Arte, na cadeira de história da arte. Em 1948, formou-se em Direito pela UFBA, ingressando logo em seguida na carreira docente na Faculdade de Filosofia, vindo a integrar posteriormente, o Departamento de História, até se aposentar, em 1989.
Cid atuou no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e foi diretor da Fundação Gregório de Mattos. Autor de livros e artigos sobre história da Bahia, notabilizou-se também por sua atuação em jornais – especialmente na Tribuna da Bahia, onde foi editor-chefe – e canais de televisão e de rádio – tendo liderado a implantação do Serviço de Rádio Educação do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia. Ocupava a cadeira 19 da Academia de Letras da Bahia desde 1993 e recebeu importantes homenagens, como a medalha Tomé de Souza da Câmara Municipal de Salvador, em 1992, e a comenda Dois de Julho, da Assembleia Legislativa da Bahia, em 2013.
*É jornalista, professor universitário e escritor, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, da Associação Sergipana de Imprensa, do Grupo Plena/CNPq/UFS e do GPCIR/CNPq/UFS. Doutor Honoris Causa, título concedido pela Universidade Federal de Sergipe.