Como poucas pessoas, Clarice Lispector fez das palavras seu modo de existir. Com sensibilidade ímpar, conseguiu expressar a vida interior das pessoas, destrinchar a realidade de maneira complexa e intrigante, em seus pormenores. No dia em que completaria 100 anos, quinta-feira (10) passada, sua obra está mais viva do que nunca.
Não é para menos. Quando publicou o primeiro livro, “Perto do Coração Selvagem” (1943), saída do curso de Direito, provocou um rebuliço na literatura brasileira, na época dominada por romances regionalistas de cunho realista. “Ela chega com uma coisa totalmente diferente, reflexiva”, diz Pedro Vasquez, editor da obra de Clarice. “Aquilo que estava passando na cabeça do personagem era mais importante do que o que estava se passando no mundo externo.”
Estilo inédito
Não demorou para cair no gosto. Seu estilo de escrita, marcado por fluxos de consciência, metáforas e momentos epifânicos, que tornam o ordinário extraordinário, era inédito por aqui. Sem seguir correntes ou movimentos, ela era capaz de virar do avesso a existência dos personagens em profundidade.
“São pessoas comuns, porém que têm experiências incomuns”, afirma. “Ela demonstra que mesmo um ser humano aparentemente sem grande interesses, atrativos, pode ter o vislumbre de algo mais importante do que a realidade visível”, diz Pedro Vasquez. Clarice também fez das palavras sobrevivência, já que sempre se considerou uma escritora amadora. De profissão, foi jornalista e colunista, assim como escreveu crônicas, algumas que borravam a barreira com a ficção. Traduziu contos, artigos, romances e peças, do francês e do inglês.
Seu legado é inestimável, influenciando gerações não só no país. Tornou-se a escritora brasileira mais traduzida no mundo – suas obras inspiraram músicas, filmes, e ecoam cada vez mais com o passar do tempo. “Existe uma verdade ali, que é diferente para cada leitor, mas que fala com o coração das pessoas. Isso faz com que a obra permaneça.”
Ucrânia
Chaya quem?
Filha de Mania e Pinkas, Chaya Pinkhasovna Lispector nasceu em 1920, na cidade de Chechelnyk, na Ucrânia, mas chegou ao Brasil dois anos depois. De origem judaica, sua família emigrou para o país por conta de perseguição religiosa. Aqui, adotou o nome Clarice. Passou a infância no Recife e, aos 14 anos, se mudou para o Rio de Janeiro, onde morreu na véspera de seu aniversário de 56 anos, no dia 9 de dezembro de 1977, por conta de um câncer no ovário.
Não te amo mais
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci! E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais…
Nota do refletir: Agora, leia o poema de trás pra frente
Fonte e foto: Metro Jornal