Professores do Departamento de Física da Universidade Federal de Sergipe participam de uma pesquisa global que confirma como a velocidade de ação das autoridades é fundamental no combate ao novo coronavírus e pode ser determinante no número de mortes provocados pela pandemia.
Liderado pelo físico Giovani Vasconcelos, do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os estudos são assinados por Gerson Duarte-Filho e Francisco Almeida (UFS), Antônio Macêdo e Raydonal Ospina (UFPE), Inês Souza (3Hippos Consultoria de Dados), além de Christian Holm, da Universidade de Stuttgart (Alemanha), e foram publicados na nota técnica Combate ao Coronavírus, no site medRvix e na biblioteca eletrônica Scielo.
A pesquisa ganhou notoriedade no país após a publicação de ampla reportagem da BBC News Brasil. A reportagem intitulada “Coronavírus: inércia política aumenta número de mortes, indica estudo” é assinada de Toyohashi, no Japão, pela jornalista Juliana Sayuri, que afirma: “Agir rapidamente é um fator crucial para impedir mortes na pandemia de covid-19”.
A pedido da BBC News Brasil, os autores aplicaram o modelo matemático para analisar casos na Ásia, na Europa e nas Américas — entre eles, China (primeiro epicentro de covid-19), Coreia do Sul, Japão, Alemanha, Reino Unido, Suécia, Suíça, Brasil e Estados Unidos (atual epicentro).
A partir de análise de dados estatísticos sobre as mortes confirmadas, os estudos comprovaram que as intervenções drásticas (como a imposição de isolamento rigoroso) até 25 dias depois da primeira morte confirmada foram capazes de impedir até 80% de novas mortes em um país. Se a decisão demora 35 dias, a eficiência cai para 50%.
Já com intervenções brandas (como o isolamento apenas de casos suspeitos) até 35 dias, a probabilidade de prevenir novas mortes é de apenas 10%. Em outras palavras, quanto mais um governo demora para agir, maior é o número de óbitos, diz a reportagem.
Impacto da omissão
Os autores traçaram um modelo matemático para medir o impacto da omissão (falta de intervenções e políticas públicas) na escala de mortes. “Governos devem agir logo, pois a ‘janela’ de oportunidade para conter o avanço do vírus é muito estreita. Não dá para esperar”, diz o professor Giovani Vasconcelos.
Inspirada na “fórmula de Richards” (equação elaborada pelo cientista britânico F.J. Richards em 1959), a proposta para analisar as curvas de fatalidade de covid-19 considera duas variáveis principais: primeiro, a taxa de crescimento exponencial que é identificada no início do surto (a escalada acelerada de mortes ao longo do tempo); segundo, a tendência de controle do vírus, que indica a desaceleração do contágio, rumo à estabilização e ausência de novas mortes (o “platô”).
Os autores escolheram analisar números de mortes monitorados pela Universidade Johns Hopkins por considerá-los mais confiáveis – e não o número de casos confirmados, pois há muitos casos assintomáticos e as políticas para realizar testes variam muito de país para país (alguns só pedem exames para casos graves, por exemplo).
Os cientistas foram observando como o número de mortes é diferente antes e depois de intervenções feitas pelos governos. “O que os dados mostram é que a inércia, a estratégia de ‘não fazer nada’ ou fazer o mínimo e esperar o vírus passar, tem um custo humano muito alto”, diz Vasconcelos.
O fator tempo
“Intervenções não farmacológicas contribuem para controlar a escalada de mortes, mas descobrimos que um fator é fundamental: o tempo. Isto é, a eficácia depende do momento em que as ações foram adotadas. Países que demoraram para intervir agora estão precisando correr atrás do prejuízo. Países que adotaram medidas drásticas logo no início estão tendo melhores resultados.”
O atraso nas ações pode se dar tanto por falta de informações precisas sobre o novo coronavírus quanto por impasses políticos na tomada de decisões e escolha de estratégias para conter a pandemia.
Atual epicentro da pandemia, os Estados Unidos também se destacam pela demora para agir e os dados indicam um crescimento exponencial no número de mortes. Entretanto, pondera o físico, é possível notar diferenças dentro do próprio país ao comparar estados como Califórnia e Nova York.
Ambos tinham número similar de casos confirmados no início, mas os índices de mortes mudaram bruscamente: o governo californiano determinou medidas rigorosas de distanciamento social imediatamente, em 16 de março; o governo nova-iorquino agiu quatro dias depois, em 20 de março. Hoje (5 de maio), a Califórnia contabiliza 2.172 mortes; Nova York, 18.909. “Isso mostra que a ‘janela’ de tempo para agir é muito estreita. Atrasar dias pode derrubar a eficiência drasticamente”, diz.
Países latino-americanos como México e Peru também estão com índices altos de mortes (respectivamente 2.154 e 1.286, segundo dados de 3 de maio), enquanto Argentina (246 mortes) e Costa Rica (6 mortes) têm tido mais sucesso no controle do vírus.
O Brasil, por sua vez, está patinando. A curva de fatalidade é ascendente, mas indica um crescimento subexponencial, isto é, mais lento.
“Esta é a boa notícia: as mortes estão evoluindo em ritmo matematicamente mais lento se comparado aos Estados Unidos, o que quer dizer que medidas de mitigação, como o isolamento, estão funcionando. A má notícia é que não há tendência decrescente, a curva ainda aponta para o alto.”
Sergipe e o Nordeste
O modelo de pesquisa está sendo aplicado ao Nordeste e ao caso de Sergipe, especificamente, segundo o professor Francisco Almeida, do Departamento de Física da UFS, adiantando que dados desses estudos locais já deverão ser apresentados nos próximos dias.
Os pesquisadores estão preocupados com as medidas de relaxamento do isolamento social. “Acredito que o relaxamento no Nordeste pode gerar um forte impacto. Relaxar, mesmo que por curto espaço de tempo, pode provocar um estrago lá na frente”, afirma Francisco Almeida.
Ele lembra que o tempo é um fator fundamental observado na pesquisa e que não pode ser desconsiderado pelos governantes. “A janela temporal é muito estreita. Se demora a intervir a eficiência será bem menor”, adverte.
Marcos Cardoso, com informações da BBC News Brasil