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Crime e castigo

Por Antonio Samarone *

Se for condenar todos os que recentemente desejaram uma ditadura, ou ainda desejam, abram-se os cárceres. Por outro lado, perdoar, deixar prá lá, fingir que não ver, ou prender apenas os que fizeram o quebra-quebra em Brasília, a arraia-miúda, seria um mau exemplo.

Qual o caminho?

Prender os chefes, os fascistas, os mandachuvas, os líderes? Quem iria classificá-los?

Quem em Sergipe, mereceria o castigo? Por vocação, somos pequenos. Tem alguém em Sergipe na fila de indiciados pelo golpe?

Não se sabe!

Os cabeças políticos, por aqui, buscam apenas sinecuras. Foi assim em 1964. Os beneficiados nunca correram riscos, com um pé atrás. Foi sempre assim.

Muitos defendem a lógica do castigo, do realismo político, do cumprimento da lei. Outros, pelo perdão, movidos pela herança portuguesa do sentimentalismo, do faz de conta, da conveniência.

Não é simples!

Ontem, numa roda, deparei-me com um desses signatários locais do golpe, que pregou, estimulou e financiou. Um potentado cercado de bajuladores. Um mecenas de Província. Esse, certamente, não será punido.

O que me surpreendeu: eu não tive um sentimento hostil, mesmo reconhecendo a sua alma fascista.

Encontrei um homem em destroços, machucado pela idade. Trêmulo, passo miúdo, leve demência, voz mansa, como se pedisse desculpas aos conterrâneos. Caminhava protegido por um cajado cravejado de pedras preciosas.

Uma postura de arrependimento oportunista, envolto numa dualidade: “não houve outro jeito, qualquer um de vocês, em meu lugar, tendo as mesmas chances, faria o mesmo”, ou quem sabe, “desculpe-me, não faria novamente”.

Fiquei em dúvidas.

Lembrei-me de um texto da literatura subversiva, lido na militância estudantil, na década de 1970:

Quando George Orwell lutou na Guerra Civil Espanhola, viu certa vez um homem fugindo desesperadamente, seminu, segurando as calças com uma mão. Ele escreveu: “Abstive-me de atirar nele. Não atirei em parte devido aquele detalhe das calças. Eu tinha ido atirar em fascistas; mas um homem segurando as calças não é um fascista, ele é visivelmente um semelhante, um homem igual a mim”.

O protagonista dessa história, podre de uma riqueza politicamente facilitada, fascista, estava ali em decomposição. Derrotado pela natureza e pela condição humana.

Não tive vontade de jogar pedras. Como Orwell, fui tomado pelo perdão, pela compaixão.

Sentimento, que ele certamente não teria pelos adversários, caso o golpe tivesse dado certo.

* É médico sanitarista.

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