Por Marcelo Rocha *
Para o bem ou para o mal, pelo menos nos últimos 10 anos o assunto “inteligência” adquiriu um protagonismo enorme no debate criminal brasileiro. Como disse, para o bem, vez que há um mister à atividade no sentido de sua relevância junto à administração pública. Para o mal, vez que às vezes há pouca objetividade, ou melhor, precisão nesse sentido, inclusive colocando-o como uma espécie de Santo Graal, o que termina por deturpá-lo, pois não há nada de mágico ou sincrético, pelo contrário, trata-se de técnica, eminentemente.
Uma simples pesquisa no Google usando o termo “Inteligência Policial” resulta em, pelo menos, 2.070.000 resultados, o que demonstra sua magnitude, principalmente se considerarmos que dentro da função Inteligência, não existe somente a Policial, mas a de Estado, a Militar, dentre outras.
Não é possível questionar sua pertinência, afinal seu surgimento tal qual conhecemos, dá-se no complexo contexto das guerras do século XX. Naquele momento, o importante era saber que
As informações constituíram, no passado, fator-chave para a vitória, na guerra. Nas condições atuais, entretanto, as Informações Estratégicas, tal como hoje se organizam, são chamadas a uma parte no esforço de evitar guerras. Com as responsabilidades de liderança que recaíram acrescidas sobre os Estados Unidos no mundo de após-guerra, os aspectos preventivos das Informações Estratégicas ganharam importância ainda maior. Como disse Kent muito bem, “Informações Estratégicas são os conhecimentos sobre os quais se devem apoiar as relações exteriores de nosso país, na paz e na guerra.”(PLATT)
Esquecendo questões de conflitos bélicos, Washington Platt – uma das referencias essenciais dos estudos sobre o tema destaca, citando, inclusive outro autor referência – Sherman Kent – a relevância do que era chamado de “Informações Estratégicas”. Não à toa, ele expõe que tais informações (informações de Inteligência, nos dias de hoje), eram capazes de ajudar a vencer guerras, mas que também tornaram capazes de evitá-las, algo que racionalmente é mais importante que vencê-las.
Vidas são salvas.
Daqui já podemos começar a notar do que se trata basicamente tal função: assessorar.
Vejamos a função da única instituição pública existente no país, que tem como atividade fim, a produção do que chamamos de conhecimentos de Inteligência, a ABIN: “é um órgão da Presidência da República dedicado à produção de conhecimentos para subsidiar as decisões do Presidente da República e de seus ministros.”
Subsidiar é auxiliar. Não se trata de determinar, exigir ou mandar. Para entendermos melhor qual a relevância desse subsídio, as falas de Kent e Platt, anteriores, nos dão as pistas iniciais.
Nesse ponto, façamos uma distinção preliminar, uma vez que no excerto de Platt, ao tratar de guerra, certamente a memória afetiva de muitos buscou Hollywood e seus filmes de espionagem. Assim sendo, vamos deletar a espionagem da mente, pois essa – tal qual Hollywood nos ensina sem percebermos – está relacionada à operações ilegais que envolvem furto/roubo de informações e/ou mesmo execuções. Basta lembrarmos do famoso agente 007.
Inteligência não é roubo, nem furto. Seu processo de assessoramento tem como base a oferta de um produto, chamado Conhecimento de Inteligência. É Platt quem nos lembra que somente se produz informações estratégicas à partir de técnica, não de achismos, assim, “Seguimos, assim, método já utilizado com bons resultados na ciência militar e em algumas ciências sociais correlatas”.(PLATT)
Se a atividade de Inteligência não rouba nem furta elementos para produzir seus produtos, é a capacidade analítica de seus ativos, o diferencial e definidor da qualidade daquilo que será fornecido ao tomador de decisão. É a capacidade de estimar cenários mais próximos da realidade, o diferencial da assessoria oferecida por uma agencia de Inteligência. Estimar é diferente extrair, estimar é atividade basicamente intelectual, através da qual o analista integra tudo o que está disponível, com outros elementos não percebidos diretamente e daí, consegue fazer projeções ou mesmo concluir. Por outro lado, para se conseguir coisas à base da violência, a demanda muscular sobrepuja a intelectual.
Vejamos o seguinte: a tensão na Eurásia está escalando e, em um visão comum, está bem longe de nós, felizmente. Eis uma visão convencional
Só que há um problema, aquela região movimenta boa parte do petróleo do mundo e esse movimento ocorre por via naval. Boa parte do que é comercializado ali, passa pelo estreito de Ormuz.
Caso o referido estreito seja fechado – e não precisa que algum país o domine, para ele ser fechado, basta que se torne inseguro para a navegação – o que acontecerá com o preço do petróleo? E se o preço do barril dobrar, qual o impacto nas economias nacionais? Eis a visão com a qual a Inteligência deve se preocupar – nesse caso, com as respostas.
Agora vamos tratar do que vem a ser a função Assessoria.
As atividades de uma organização/instituição podem ser categorizadas como: atividades fim, meio e assessoria. São chamadas de atividades fim, aquelas funções que relacionam-se diretamente com o bem ou serviço que ela realiza, efetivamente sua atividade principal. Uma fábrica de sapatos produz sapatos. As atividades meio são as funções que não tem correlação direta com a produção final da atividade principal, mas ajudam no todo e são essenciais ao funcionamento da organização. Nesse contexto, pensemos nos setores de recursos humanos ou de tecnologia na mesma fábrica de sapatos do exemplo anterior. Nesse setores não se costura nenhuma peça de couro ou se prega um solado, mas sem eles a empresa não resistiria por muito tempo.
Assessoria é uma espécie muito específica. Não se trata de função diretamente ligada à produção principal da organização, nem aos demais serviços essenciais. Além do mais, não cabe à assessoria nenhuma espécie de decisão sobre as rotinas fins e meios da instituição, não possuindo por isso, nenhuma ascendência funcional sobre nenhum setor, pois trata-se de um setor que poderíamos dizer, a grosso modo, ser de aconselhamento.
Enfim, um órgão consultivo, em contraste com os demais setores da instituição, sejam fins ou meios, que são deliberativos/decisórios e participantes do fluxo de funcionamento da organização. Como vimos, sem o seu setor de recursos humanos, uma fábrica de sapatos não funciona, mas sem uma assessoria de imprensa – independente de outras perdas – sim. A assessoria de imprensa não influencia nas funções fins e meio da organização, mas são capazes de fornecer um diferencial competitivo através da comunicação social.
A partir daqui, podemos concluir que nos demais segmentos públicos a Inteligência é assessoria, não sendo, por isso, possível que o seu produto final se confunda com o da atividade fim.
No mais, sobre toda a mística envolvida na visão que se põe sobre a atividade e mesmo diante do que já tratamos aqui, vemos que o excesso de publicidade mais atrapalha do que ajuda. Ao mesmo, também fujamos da ideia que Hollywood nos incutiu, afinal, hoje no Brasil, alguns segmentos de Inteligência do Estado já publicizaram suas doutrinas, bem como as literaturas base como o próprio Platt e Kent, continuam disponíveis.
Ainda mais! Muitas outras obras sobre Inteligência com enfoque nas demandas estatais continuam sendo lançados. Mais ainda, o setor privado desenvolve não somente litaratura de Inteligência aplicada à competitividade mercadológica, mas também desenvolve ferramentas que, muitas vezes, são adotadas pelo setor público. Ou seja, há o que se resguardar e que necessita sim de tal resguardo. Mas sem paranoias!
* com a colaboração do SubTen CBMSE Oswaldo Gomes e do Sgt PMSE Erick Silva
Se a atividade de Inteligência não rouba nem furta elementos para produzir seus produtos, é a capacidade analítica de seus ativos, o diferencial e definidor da qualidade daquilo que será fornecido ao tomador de decisão. É a capacidade de estimar cenários mais próximos da realidade, o diferencial da assessoria oferecida por uma agencia de Inteligência. Estimar é diferente extrair, estimar é atividade basicamente intelectual, através da qual o analista integra tudo o que está disponível, com outros elementos não percebidos diretamente e daí, consegue fazer projeções ou mesmo concluir. Por outro lado, para se conseguir coisas à base da violência, a demanda muscular sobrepuja a intelectual.
Vejamos o seguinte: a tensão na Eurásia está escalando e, em um visão comum, está bem longe de nós, felizmente. Eis uma visão convencional
Só que há um problema, aquela região movimenta boa parte do petróleo do mundo e esse movimento ocorre por via naval. Boa parte do que é comercializado ali, passa pelo estreito de Ormuz.
Caso o referido estreito seja fechado – e não precisa que algum país o domine, para ele ser fechado, basta que se torne inseguro para a navegação – o que acontecerá com o preço do petróleo? E se o preço do barril dobrar, qual o impacto nas economias nacionais? Eis a visão com a qual a Inteligência deve se preocupar – nesse caso, com as respostas.
Agora vamos tratar do que vem a ser a função Assessoria.
As atividades de uma organização/instituição podem ser categorizadas como: atividades fim, meio e assessoria. São chamadas de atividades fim, aquelas funções que relacionam-se diretamente com o bem ou serviço que ela realiza, efetivamente sua atividade principal. Uma fábrica de sapatos produz sapatos. As atividades meio são as funções que não tem correlação direta com a produção final da atividade principal, mas ajudam no todo e são essenciais ao funcionamento da organização. Nesse contexto, pensemos nos setores de recursos humanos ou de tecnologia na mesma fábrica de sapatos do exemplo anterior. Nesse setores não se costura nenhuma peça de couro ou se prega um solado, mas sem eles a empresa não resistiria por muito tempo.
Assessoria é uma espécie muito específica. Não se trata de função diretamente ligada à produção principal da organização, nem aos demais serviços essenciais. Além do mais, não cabe à assessoria nenhuma espécie de decisão sobre as rotinas fins e meios da instituição, não possuindo por isso, nenhuma ascendência funcional sobre nenhum setor, pois trata-se de um setor que poderíamos dizer, a grosso modo, ser de aconselhamento.
Enfim, um órgão consultivo, em contraste com os demais setores da instituição, sejam fins ou meios, que são deliberativos/decisórios e participantes do fluxo de funcionamento da organização. Como vimos, sem o seu setor de recursos humanos, uma fábrica de sapatos não funciona, mas sem uma assessoria de imprensa – independente de outras perdas – sim. A assessoria de imprensa não influencia nas funções fins e meio da organização, mas são capazes de fornecer um diferencial competitivo através da comunicação social.
A partir daqui, podemos concluir que nos demais segmentos públicos a Inteligência é assessoria, não sendo, por isso, possível que o seu produto final se confunda com o da atividade fim.
No mais, sobre toda a mística envolvida na visão que se põe sobre a atividade e mesmo diante do que já tratamos aqui, vemos que o excesso de publicidade mais atrapalha do que ajuda. Ao mesmo, também fujamos da ideia que Hollywood nos incutiu, afinal, hoje no Brasil, alguns segmentos de Inteligência do Estado já publicizaram suas doutrinas, bem como as literaturas base como o próprio Platt e Kent, continuam disponíveis.
Ainda mais! Muitas outras obras sobre Inteligência com enfoque nas demandas estatais continuam sendo lançados. Mais ainda, o setor privado desenvolve não somente litaratura de Inteligência aplicada à competitividade mercadológica, mas também desenvolve ferramentas que, muitas vezes, são adotadas pelo setor público. Ou seja, há o que se resguardar e que necessita sim de tal resguardo. Mas sem paranoias!
(Com a colaboração do sub-Tenente CBMSE Oswaldo Gomes e do sargento PMSE Erick Silva)
* É tenente coronel, membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do Cangaço. email eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br