Nos últimos dias o sergipano ficou atento ao número de homicídios verificados no Estado. Certamente, este fato nos chama à responsabilidade de discutir de forma honesta e sincera a problemática da violência. Independente de questões outras, que podem ser oportunamente trazidas a lume.
Lamentavelmente, temos no país uma realidade distorcida na qual esse tipo de problema é submetido a diagnósticos questionáveis e, por isso mesmo, tratado com o “remédio” inadequado.
Já falei sobre o bacharelismo pátrio, que põe (grosso modo) a Lei antes da realidade, como se ela, ao invés de surgir após a constatação de uma situação (ou problema), surgisse antes e, por isso mesmo, sozinha, fosse capaz de alterar a realidade – e não o contrário.
Pois bem, também existem visões atravessadas nos debates sobre segurança pública.
A violência física – se não mais relevante, certamente algo bastante aparente na segurança pública – é diuturnamente tratado como questão polícia, apenas. Mais exatamente de polícia militar (como se o ciclo policial não fosse um só).
Afinal, a violência não surge ou resulta das ações de segurança pública, ao menos não em regra. Ela é fruto de outros fatores, em sua maioria desligados dela e maiores que sua área de atuação – ou extremamente complexos para serem vistos somente por um viés. Não sejamos maniqueístas, existe um impacto resultante das ações policiais, mas este não opera na origem dela.
Vejamos um assunto em evidência: o tráfico de drogas.
Sem usar números, para que não seja enfadonho, não parece ser totalmente equivocado, bem como não totalmente acertado, alegar que parte dessas mortes mais recentes esteja relacionada ao tráfico de drogas (dívidas, traições e brigas por espaços, etc).
Partindo disso, alguns aspectos que necessitam ser considerados:
1 – podemos dizer que a criminalidade está relacionada a fatores relacionados à educação, emprego e renda, à saúde pública e à previdência social, gerando um custo financeiro e de vidas enorme, pois o estabelecimento e manutenção do tráfico exigem uma estrutura violenta da qual oportunamente estimulam o roubo, o furto e o assassínio, dentre outras práticas criminosas;
2 – que a carência de políticas públicas em todas as esferas, acentuando as desigualdades sociais, bem como o consumismo estimulado maciçamente via meios de comunicação, contribuem para a formação de “mão de obra” abundante para exercer as funções do tráfico;
Sem nenhuma ilusão de estar esgotando outros aspectos importantes, resta claro que o problema do tráfico de drogas tem origem complexa e crer que a ação policial militar (ou de polícia) – unicamente – seja capaz de resolve-lo, como se cristalizou na “idéia” de parcela do brasileiro médio, é escolher o caminho da ilusão.
Tal qual pensamos, erroneamente, que “tolerância zero” consiste em “não alisar com a vagabundagem”, como muito se houve, vez que o cerne do programa é combater o crime e não o criminoso em si, tendemos a pensar que o combate ao traficante varejista é a forma mais efetiva de atuar se existem “exércitos de “soldados” do tráfico, disponíveis para atuar no varejo das (e nas) periferias.
A importância de focar o crime ao invés do criminoso pode ser bem delineada nos delitos de “som alto”.
Tomemos como exemplo os “som de mala”. Desse tipo de “brincadeira”, podem surgir brigas relacionadas aos ânimos exaltados pelo consumo de bebidas (crime de vias de fato/desordem/homicídio), é possível que haja consumo de drogas em outro momento (tráfico de drogas) e, por fim, ao final de tudo termos um ou mais motoristas pondo vidas em risco quando de retorno às suas causas, sob efeito de drogas (crimes de transito, inclusive homicídio).
De posse de tais informações, já temos condições de refazer seu dimensionamento e, facilmente, verificar que algo de ordem tão complexa não pode ser visto como solucionável pela polícia militar (ou pela polícia), apenas.
Só para exemplificar como muitas vezes deixamos de encarar o problema em sua complexidade, gostamos de reclamar que a políca prende pouco, pois mais deveriam ser presos, ao mesmo tempo que, na oportunidade seguinte, dizemos de peito estufado e em alto e bom tom, que os nossos presídios não reeducam e funcionam como universidades do crime.
Entenderam a contradição?
Precisa-se prender, claro que sim, mas de nada adianta prender e manter encarcerado se as prisões não cumprirem papel ressocializador. Ao mesmo tempo, a ressocialização é um processo intenso e constante, que não se conclui com a saída do interno do presídio. Também não adianta prender se, como disse, os fatores que estimulam o crime continuam em plena atividade.
Obviamente, necessitamos de estratégias de curto médio e longo prazo. Mas principalmente as de médio e longo, que são as de efeitos mais duradouros – e que fazem a mais substancial diferença – para tanto, é necessário o correto diagnóstico (essencial ao planejamento de estratégias) e uma abordagem multidisciplinar (integração não apenas de polícias), bem como uma ação conjunta e permanente.
Um exemplo ação conjunta – neste caso, já na própria prática – é a implementação das reconhecidas inovações da Lei 9.099, por ocasião da copa do mundo, quando houve Juizados Especiais Cíveis e Criminais em funcionamento nos aeroportos e nas arenas das cidades sede, permitindo (no caso) que as ocorrências policiais (especificamente as relacionadas ao estatuto do torcedor e criança e adolescente) fossem resolvidas na própria arena, durante o espetáculo, inclusive no âmbito da justiça, com audiência de transação penal realizada no local.
Esse tipo de iniciativa, somente é possível ocorrer mediante a somação de esforços das polícias, do ministério público e do Judiciário, além dos demais órgãos de fiscalização afins. http://www.conjur.com.br/2014-jun-03/judiciario-novos-juizados-especiais-cidades-sede-copa-mundo.
Outro link:http://g1.globo.com/brasil/noticia/2014/06/torcedores-terao-juizados-especiais-dentro-e-fora-dos-estadios-na-copa.html
É importante frisar que em alguns (não muitos) aeroportos já funcionavam juizados especiais permanentemente, em configuração muito próxima às acima citadas.
Estratégias existem, e elas não surgem sem a discussão prévia. Alternativas existem e já temos maturidade suficiente, enquanto sociedade, para percebemos a necessidade de abordagens mais completas (ou mesmo complexas). O estabelecimento de políticas (públicas ou privadas) eficazes, efetivas e eficientes exigem isso. Não necessitamos mais de diagnósticos falaciosos. O caminho não é fácil. A única coisa que as técnicas administrativas não conseguem enfrentar é a ingerência política, pois informal e deveras poderosa, tudo ao mesmo tempo.
PS 1 – As Blitzkriegs, técnica devastadora de guerra usada pelo Exército Hitlerista, que lhes asseguraram vitórias achapantes, iam muito além de “barreiras em rodovias”, como acostumamo-nos por aqui. Na verdade, podemos dizer que eram esforços somados de diversos matizes, especificamente, técnicas de intervenção que somavam em um ataque surpresa e intenso, 3 forças principais: Infantaria (“homens a pé”), Artilharia Blindada (“tanques de guerra”) e Aviação; Dessa conjunção de fatores, (criada pelo General Von Manstein e aperfeiçoada pelo General Guderian), o Exército Alemão assombrou durante a primeira parte da Segunda Guerra. Creio que, guardadas todas as proporções possíveis, úteis e necessárias, não é errado supor que a atuação policial, a cada dia que passa exige ser praticada em conjunto com os organismos oficiais que atuam em confluência com temas pertinentes à violência e sua prevenção.
PS 2 – Longe de querer resumir aqui o bacharelismo, fenômeno amplo, apenas foi utilizada uma visão muito específica.
PS 3 – Longe de preconceitos, é sabido que o tráfico não ocorre apenas em comunidades pobres, mas, dentro do contexto (no qual se observam muitas mortes em comunidades carentes) foi necessário tratar do problema por este viés. Mas, ainda assim, esse próprio PS já nos mostra a tal complexidade.
PS 4 – temos uma população carcerária – estimativa de 2014 – em torno de 600 mil detentos. Entre 1995 e 2010, a população carcerária aumentou em 135%, um dos maiores, senão o maior do mundo. Possivelmente somos um dos países recordistas em homicídios do mundo. O índice de resolução nos casos de homicídios está entre 5 e 8% no país.