por Antonio Samarone *
Em 1497, a frota de Vasco da Gama zarpou para a Índia, em busca de especiarias. A frota voltou carregada de Pimenta do Reino, cravo, canela, gengibre, gergelim e noz moscada.
O amendoim (mandu’wi, mendubi) e a mandioca são nativos do Brasil. Os ingredientes estavam prontos. Itabaiana misturou e inventou a “espeça”, para os mais sofisticados, a “espécie”.
O uso do amendoim no Brasil foi descrito em 1587, por Gabriel Soares de Souza. Uma curiosidade: só as mulheres plantavam e colhiam os amendoins.
Gente, “espeça” não é paçoca. Essa última é mineira. A “espeça” é uma cocada de amendoim e especiarias, inventada em Itabaiana. Sei que vão dizer: “em minha terra também tem “espeça”. Entendo! Ou levaram a receita do Agreste ou é outro doce parecido.
Em São Cristóvão, as freiras portuguesas inventaram a queijada. Itabaiana criou a “espeça”. São tipos especiais de cocadas.
Os doces típicos de Itabaiana são a “espeça” e o “tijolo” (uma cocada a base de raiz de umbuzeiros). Ouvi dizer que o tijolo vinha de Jeremoabo. Em Itabaiana não existem umbuzeiros.
O tijolo foi extinto e a “espeça” falsificada. Ainda existem, mas com outro sabor, outro aroma e outro gosto. Não é a “espeça” de minha memória.
A “espeça” foi o primeiro doce que eu pedi a mamãe. A “espeça” da bodega do Seu Floriano, na esquina das ruas de Macambira e da Pedreira.
Seu Floriano era um velho de bigode branco e uma cigarro Astória no canto da boca. Nunca se sabia se o cigarro estava aceso ou apagado. Ele era o distribuidor do melhor charuto da cidade.
Depois de 50 anos, retornei a Itabaiana para trabalhar com a Cultura. Passei a procurar se ainda existia “espeça”, com o sabor de minha infância.
A doceria é cultura!
Eu saí procurando a “Espeça” com a receita original! Como saberei se são as verdadeiras? Simples, o paladar é eterno, nem o Alzheimer apaga. Lembro-me perfeitamente do cheiro e do gosto.
Finalmente, encontrei. Um amigo das Flechas me informou: “mamãe faz espeça das antigas.” Só usa amendoim dos pequenos, esmaga no pilão e acresce as especiarias. Não usa farinha.”
Resolvido: fiz a encomenda! Ontem fui buscá-las. A senhora não é doceira, não faz para vender. Fez por consideração. Ela não quis ser fotografada, muito menos filmada. Foi taxativa: “não gosto desses chamegos de redes sociais.”
O seu desejo será respeitado. Nada de fotos, nem de nome e endereço.
Quando abri o pacote de “espeça”, o cheiro antigo estimulou a minha salivação. Quando experimentei, caiu uma lágrima de alegria. Era aquele o sabor guardado em minha memória.
Sair espalhando a novidade. Distribuindo o doce e pedindo a opinião. E aí, o que acharam? Para minha surpresa, a imensa maioria não gostou. Desconheciam aquele sabor.
Disseram: “não tem gosto de “espeça”, deve ser outra coisa.”
Eles gostam das “espeças” atuais, esfarelentas, entupidas de farinha. Constatei que o sabor tem história, se transforma.
Gente, perdi!
O meu desejo de recuperar os doces antigos de Itabaiana não encontrou aliados. Virou uma esquisitice de velho, com um castigo adicional: a diabetes não permite que eu mate à vontade e coma sozinho a bacia de “espeça”.
Importante: eu copiei a receita.
* É médico sanitarista e está secretário da Cultura de Itabaiana.