Por Lucindo José Quintans Júnior*
O que você faz quando o líder da maior potência mundial resolve brincar de roleta-russa com a ciência? Pois foi exatamente isso que Donald Trump fez ao assumir a presidência dos Estados Unidos em janeiro de 2025. No primeiro dia, já saiu atirando: retirou o país da Organização Mundial de Saúde (OMS), paralisou comunicações de agências de saúde como a FDA (US Food and Drug Administration) e o CDC (Centers for Disease Control), e praticamente declarou guerra ao método científico. Tudo isso enquanto o mundo observava perplexo e a ciência, assustada, tentava entender o que fazer diante do caos.
“Mas isso é problema deles, não do Brasil”, diria o otimista. Será? Para um país como o nosso, onde a ciência já vive com limitações históricas (que se tornaram desesperadoras nos governos Temer e Bolsonaro), qualquer terremoto nos EUA pode provocar um tsunami por aqui. A decisão de Trump de sufocar as agências científicas impacta diretamente a colaboração internacional, essencial para a ciência brasileira. Boa parte do que produzimos depende de parcerias com instituições de ponta ao redor do mundo, muitas delas americanas. Cortar essa ponte é como desmontar o andaime enquanto o prédio ainda está sendo construído.
Não obstante, basta lembrar que Trump foi muito além no passado. Durante a pandemia de Covid-19, relatos apontaram interferências diretas nas publicações científicas do CDC para alinhá-las ao discurso político do governo. A Ciência foi censurada sem nenhum constrangimento. Dados manipulados para que tratamentos ineficazes pudessem ser defendidos e que houvesse um olhar preconceituoso e desarrazoado sobre as vacinas. Então, se o começo do atual governo dele não soar um alarme, José, é porque você está dormindo profundamente.
O Brasil, por sua vez, não pode permanecer inerte, voltando os olhos para o norte enquanto a nossa própria casa segue apoiada em alicerces frágeis. É imperativo consolidar a ciência como uma política de Estado, e não um capricho de governos temporários. Esse deve ser um dos grandes legados do atual governo: um trabalho diligente em conjunto com as sociedades científicas e o Congresso Nacional para garantir que os desmontes do passado não possam mais se repetir, pegando a sociedade de surpresa e sem tempo para o bom combate. A ciência brasileira já foi atacada e enfraquecida por sucessivas canetadas, especialmente nos governos que sucederam o lamentável episódio do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, marcando uma era de desinvestimentos e desmonte estrutural que ainda ecoa em nossas instituições. O momento exige vigilância e ação coordenada para que não retrocedamos mais uma vez.
Apesar dos avanços recentes no financiamento – como a recuperação do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) no Governo Lula, com aplicações mais estratégicas e dignas de nota –, ainda enfrentamos uma burocracia paralisante, um abismo preocupante entre a academia e a indústria, desigualdades regionais gritantes (especialmente de financiamento) e uma desconexão alarmante entre a sociedade e a ciência. Porque sejamos sinceros, José: se até parte da academia não acredita na relevância do conhecimento, quem vai?
Além disso, precisamos ampliar nossos horizontes e olhar para além dos Estados Unidos. Países da Europa, assim como países ou regiões emergentes e/ou já bem desenvolvidas, como China, Japão, Austrália e África do Sul, têm demonstrado um apetite voraz por cooperação científica e inovação. E há ainda outros países frequentemente negligenciados no radar brasileiro, mas com potencial significativo para colaborações estratégicas e mutuamente vantajosas. Talvez seja o momento de priorizar parcerias mais horizontais, na América do Sul por exemplo, que se baseiem no intercâmbio real de conhecimento e no respeito mútuo, em vez de continuarmos a aceitar migalhas de uma ciência imperialista que insiste em manter o Brasil em uma posição de subserviência. É preciso romper com esse modelo hierárquico, em que somos apenas receptores passivos de tecnologias e ideias alheias. A soberania da ciência brasileira depende de uma postura proativa, de projetos que nos coloquem como protagonistas globais e, acima de tudo, de um esforço genuíno para construir uma ciência colaborativa, inclusiva e independente. A ciência brasileira agradece, e o futuro, certamente, também.
E, enquanto isso, Trump segue sua saga, desmontando pontes e levantando muros. Mas não é hora de desespero, José. É hora de resiliência. Porque, como já dizia Drummond, você pode até se sentir perdido, mas o caminho está sempre à espera de quem decide caminhar.
*Prof. Lucindo José Quintans Júnior. Farmacêutico, professor titular no Departamento de Fisiologia e atual Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: lucindo@academico.ufs.br
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As universidades brasileiras devem aproveitar a boa-vontade que existe nos países do BRICS. O novo mandatário ianque saberá conduzir os EUA para o final do seu status de maior país bélico do mundo, alimentando o ódio interno a ponto de implodir numa guerra civil. Nenhum império vive para sempre.