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É guerra. E daí?

* Marcos Cardoso

Sergipe é o estado onde mais se mata e Aracaju é a capital mais violenta do Brasil. Proporcionalmente, mas quem diria? É o que diz o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que chegou à triste constatação de que no menor estado do país de cada grupo de 100 mil habitantes 64 foram assassinados em 2016. Na pequena capital dos sergipanos o número foi ainda mais assustador: 66,7 por 100 mil.

O analista apressado pode defender que estado e capital sergipanos não são em números absolutos os mais violentos, porque na maioria das unidades federadas e das capitais se matou mais do que por aqui. Mesmo assim é alarmante nossa estatística levantada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em Sergipe, no ano passado, aconteceram 1.456 crimes letais intencionais, somando-se homicídios dolosos (1.306), latrocínios (49), mortes decorrentes de intervenção policial (94) e mortes de policiais (sete, todos fora de serviço). É estatística de guerra.

Em Aracaju, aconteceram no ano passado 428 crimes letais intencionais: 414 homicídios dolosos e 14 latrocínios. E os números assustam mais porque não param de crescer. Na outrora pacata capital sergipana matou-se quase 19% mais de um ano para o outro. No início do milênio, a taxa de homicídios na cidade correspondia a um terço do que é hoje. No ano 2000, houve 155 assassinatos em Aracaju.

A verdade é que não estamos sós nesta guerra. O Brasil registrou 61.619 mortes violentas intencionais em 2016, o maior número de homicídios da história — ainda assim a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes ficou em 29,9 no país, bem inferior ao índice de Sergipe.

O gigante tropical abençoado por Deus e bonito por natureza sofreu mais mortes violentas de 2011 a 2015 do que a Síria, país oficialmente em guerra, em igual período. Foram 278.839 ocorrências, frente a 256.124 mortes violentas naquele país árabe da Ásia Ocidental, de acordo com o Observatório de Direitos Humanos da Síria.

É provável que esse governo que está aí não consiga fazer nada contra isso, mas o Brasil precisa admitir que está em guerra e é imperioso combatê-la em todas as frentes. Na média, as vítimas dessa guerra são homens jovens pobres e negros, portanto, é imprescindível que o país volte a investir na redução das desigualdades sociais e, prioritariamente, na educação básica de qualidade.

Se o pleno emprego garante o pão em casa e maior respeitabilidade perante uma elite injusta, a porta da escola é uma saída para os males dessa sociedade corrupta e hipócrita.

É preciso destravar o Plano Nacional de Segurança Pública e integrar as forças armadas e policiais. A Polícia Federal, que hoje parece estar mais preocupada com ações pirotécnicas, precisa dar atenção não somente aos bandidos de colarinho branco. A PF e o Exército, que quase sempre é uma peça de artilharia decorativa, e até a Polícia Rodoviária Federal têm que atuar na vigilância da longa fronteira brasileira, por onde entra toda a cocaína e o grosso do armamento que cai fácil nas mãos da bandidagem.

Até o início dos anos 2000, quando o PCC e o Comando Vermelho não tinham espalhado seus tentáculos pelo país, a periferia e as cidades do interior do Nordeste desconheciam o que era cocaína e craque. Hoje são uma praga que chegam com facilidade a todos os rincões. Qualquer cidadão interessado em conhecer a periferia de Aracaju vai constatar com facilidade que o sonho de consumo dos jovens é cheirar pó e até já desdenham da idílica maconha.

Com armas e drogas à disposição, os garotos estão se matando, assustando até a velha bandidagem que no passado tinha um objetivo para praticar a gatunagem. Hoje, esses meninos são zumbis armados que não têm nada na cabeça além do delírio do poder efêmero. A vida não vale mais nada.

E, focando na batalha interna, em Sergipe está faltando polícia nas ruas. Nesse estado, o índice de resolução dos crimes é satisfatório e sete de cada 10 homicídios são solucionados, mas falta ostensividade. É preciso evitar que os crimes aconteçam e para isso a solução é passar para o cidadão a sensação plena de segurança, com homens nas ruas, principalmente nos locais onde os marginais mais atuam.

Tem que se retirar as películas das viaturas e voltar a espalhar as duplas “Cosme e Damião”, para que as pessoas percebam a presença dos policiais militares e possam dialogar com eles. O cidadão quer ver o homem e a mulher fardados que lhe dão proteção.

E a solução para esse descalabro passa também pela recuperação da confiança nas instituições. O brasileiro sabe que é fácil desobedecer às leis do país, pelo menos é o que responderam 81% dos entrevistados em uma pesquisa da FGV. Mas quando precisaram da polícia, 62% declararam-se insatisfeitos com o serviço prestado. E somente 24% dos entrevistados confiam no Judiciário e apenas 28% confiam no Ministério Público. Uma lástima.

Um dado alentador do recém divulgado Anuário Brasileiro de Segurança Pública é que os estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Goiás, Mato Grosso e São Paulo, além do Distrito Federal, reduziram sensivelmente o número de mortes violentas em 2016 na comparação com o ano anterior. Uma demonstração de que é possível reverter uma guerra que parecia perdida.

*  Marcos Cardoso é jornalista, autor de “Sempre aos Domingos: Antologia de textos jornalísticos”.

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