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Elvis Rock Club

Clóvis não disse o motivo que o fez desistir de disputar a pré-candidatura

Por Clóvis Barbosa *

A vida é curta. Bastante breve. De repente, você ultrapas-sa a faixa dos setenta anos de idade. É, o tempo é inexorável. Ele não se detém e, cada segundo a menos, lhe aproxima da partida ter-rena. Nessa idade, um filme passa pela sua cabeça: infância, puberdade, adolescência e cada fase de sua vida começam a desfilar pela sua mente. Os erros e os acertos são avaliados, medidos e dão uma noção de cumprimento ou não de uma vida ética atravessada durante esses longos anos. Essa idade é muito ruim para aqueles que cometeram coisas terríveis durante a vida. Coisas que não tem perdão. Ele sabe que nenhum pecado grave fica impune. Nos momentos finais é o remorso que o atormenta, como a lhe oferecer a oportunidade de meditar sobre tudo o que não conseguiu ser, todos que ele decepcionou e tudo que mudaria se tivesse mais tempo. Mas a vida é uma escola: se você perde tudo e perde a guerra, é um imbecil; mas se perde tudo e ganha a guerra, você se torna um herói. Chaplin, o grande ator que embeveceu a vida de várias gerações, dizia que durante a nossa existência conhecemos pessoas que vêm e que ficam. Outras que vêm e passam. Existem aquelas que vêm, ficam e depois de algum tempo se vão. Mas existem aquelas que vêm e se vão com uma enorme vontade de ficar. Em setenta anos de vida, quantas e quantas pessoas passaram pela nossa existência? Cada uma delas sempre com um objetivo, seja para o mal, seja para o bem. Mas esse caminho não é cruzado ao acaso. Tinha que acontecer para contribuir para o nosso aprendizado. É a combinação desses acontecimentos que nos fazem ser o que somos.

Para muitos é a idade da nostalgia. Não no sentido de profunda tristeza, mas pelas lembranças de momentos inesquecíveis vivenciados ou de pessoas que passaram pela nossa história. Recentemente faleceu um amigo e leitor dos meus ensaios publicados aqui no JC, o poeta Estácio Bahia Guimarães. Alguns meses atrás nos encontramos. Dizia para ele que precisávamos ter uma conversa sobre a cidade de Salvador e a sua vida cultural. Falava também que o havia conhecido lá pela década de 70, quando fui a sua casa na praia de Jauá, na Estrada do Côco, com alguns amigos e parentes de Sergipe. Em rápidas palavras, dissertei sobre o Teatro Vila Velha, o Instituto Goeth, o cinema Santo Antônio e outras coisas mais. Ele ficou curioso e ansioso. – Vamos conversar sim!, respondeu-me. Soube depois que estava em São Paulo, onde foi se submeter a uma cirurgia cardíaca. Infelizmente, o seu falecimento impediu esse nosso encontro. Lamento profundamente não tê-lo conhecido mais amiúde. A sua morte me transportou para o passado. Lembrei-me de uma figura da minha infância: Waldir Serrão, o famoso Big Ben, criador, ao lado de Raul Seixas e outros, do Rock Elvis Club. O que teria sido feito dele? Ligo para o meu irmão que reside em Salvador e procuro saber do seu paradeiro. Ele me responde de inopino: – Tem uns dois anos que ele morreu… Na pior, vivia num asilo! Parei. As lembranças começaram a fluir em minha cabeça como flashes cinematográficos. Ele rapazinho, eu com meus doze a treze anos. Tardes de sábado no Cinema Santo Antônio, eu de prontidão para negociar meus gibis com os seus frequentadores.

Por ali, pelo velho cinema Santo Antônio, na rua São Francisco – iniciada na rua do Tijolo, hoje 28 de setembro, e com fim no Largo do Terreiro, cercanias do Pelourinho – circulava a juventude dourada da Bahia, os ricos e descolados. O cinema exercia um atrativo considerável nas pessoas e, aos sábados, as matinês recebiam um grande público para assistir aos seriados. Um dos meus clientes assíduos era o Big Ben, que gostava das revistas Jim das Selvas e Flash Gordon e, também, dos catecismos, um gibizinho de formato pequeno com desenhos de sexo explícito. Ele andava muito com Raul Seixas, que também passou a frequentar o cinema. Quando chegavam, um perguntava pelo outro: Serrote chegou?, perguntava Raul. – E Raulzito já está aí?, inquiria Serrão. Certa vez, Serrão me convidou para entrar no Elvis Rock Club, que funcionava na avenida Luís Tarquínio, na cidade Baixa, perto do Largo dos Mares. Na época não tinha muita ligação com o que acontecia no mundo da música estrangeira, mas sabia do fenômeno Elvis Presley e do Rock and Roll. Cheguei a ir um dia na sede, um prédio antigo perto da fábrica de cigarros Souza Cruz, mas não me associei. Fui a alguns shows no cinema Roma, entretanto não gostei muito do ritmo no início. Era muita zoadeira e uma loucura os trejeitos da dança. Raul era malucaço, sempre com um cigarro na boca, apesar da tenra idade. Lembro-me de um convite que recebi dele para ver um show de sua banda, “Raulzito e os Panteras”, no cinema Roma. Ele me disse: – Vá que lá vamos sortear várias minissaias para homens. Quem sabe se você não ganha uma. Respondi-lhe: – Tô fora. Pelo que me lembro, Raul era muito brincalhão e amigueiro.

Era também avançado além da conta para a época. Um dia nos encontramos no cinema Liceu. Ele estava com Serrão e outro garoto, e ao me ver disse: – Já assisti três sessões desse filme. Estou zonzo! Era uma fita com Elvis Presley. Encontrava-me sempre com eles no Instituto Goethe, no Teatro Vila Velha e em algumas festas de largo. Também em programas de auditório da Rádio Excelsior, à época vizinha ao Liceu, próximo à Praça da Sé, e Rádio Sociedade, na Rua Carlos Gomes. Eu sempre andava sozinho e chegava nos locais como um anônimo. Fiz poucas amizades nessa época. Em 1962, quem estava em Salvador era Anselmo Duarte, filmando “O Pagador de Promessas” na Igreja do Carmo, Pelourinho. Toda tarde eu saía do ICEIA, no Barbalho, onde estudava, e seguia pelo Santo Antônio para o set das filmagens. Ficava ali admirando os atores (Glória Menezes, Leonardo Vilar, Geraldo Del Rey, Dionízio Azevedo e outros), os câmeras, os gritos do diretor e toda aquela parafernália de luzes. O cinema povoou meus sonhos e me ajudou a caminhar sempre para frente, apesar das dificuldades enfrentadas. Depois, todos nós tomamos o nosso rumo. Eu vim para Aracaju, Serrão ficou em Salvador, transformando-se num autêntico agitador cultural, e Raul se tornou um ídolo nacional. Na década de 70, Serrão tinha um programa de televisão na TV Itapoan, O Som do Big Ben, que era um sucesso. Raul todos sabem do brilhantismo de sua carreira, mas a vida atribulada, a diabete, a droga, levaram-no à morte com pouco mais de 40 anos. Serrão, o querido Serrote, foi tudo na vida cultural baiana, um pioneiro, uma referência na área da comunicação. Morreu pobre, abandonado e depressivo num Asilo de Brotas.

Tudo isso e a velha Bahia dos anos 55 a 67 do século passado era o que eu ia conversar com o Estácio Bahia Guimarães. Não sei se ele vivenciou os mesmos lugares, as mesmas pessoas! Não sei! Perdemos a oportunidade de passar uma tarde vivendo das lembranças, das nossas traquinices e, sobretudo, dos nossos sonhos. Ele tinha uma grande característica, o seu sorriso, cheio de sinceridade. Comentava comigo os meus artigos, criticava, elogiava e pedia para escrever textos menores. Era um leitor fidedigno, como tenho outros, como o casal João Barreto e professora Olga. Mas é isso. Gostemos ou não os imprevistos acontecem. Sabemos que a família e seus amigos estão com o coração sangrando, mas resta o consolo de que a saudade nos lembrará sempre dos momentos inesquecíveis vividos com ele. Então, e o velho Cinema Santo Antônio?! Sempre que ia a Salvador fazia-lhe uma visita. Depois deixei. Uma certa nostalgia invadia a alma. Eram pedaços da minha infância que via ali no chão. Eram lembranças de mim mesmo. Todos esses cenários estão incrustados num tempo que não volta mais. Para Pablo Neruda, saudade é amar um passado que ainda não passou, é recusar um presente que nos machuca, é não ver o futuro que nos convida. Mas saudade é, também, lembranças de um tempo que nos deixou marcas indeléveis, seja de um amor, de uma pessoa que já morreu, de um amigo querido, de lugares que vivenciamos, enfim, pode encerrar qualquer forma de sentimento emocional. Saudade é para ser sentida, curtida em toda a sua amplitude. Saudade é vida. É viver. Já se disse que saudade é o preço que se paga por viver momentos inesquecíveis. Mas são também pedaços de nós espalhados pelo tempo.

– Escrito em 09/05/ 2020
* É advogado

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1 Comments

  1. Vera Vilar disse:

    Dr Clóvis, gostei muito do seu texto e das reflexões que ele nos traz sobre a nossa vida. Parabéns.

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