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estátua e tabu

Por lelê teles *

sim, a referência é ao livro de freud, de 1913, totem e tabu. mas eu poderia citar os etnólogos frazer, malinowiski, boas ou mesmo o durkheim, que fizeram um trabalho nesse campo bem mais interessante que o charuteiro de viena.

digo isso porque me lembro de ter lido um artigo de ricardo latcham, onde ele mostra que freud vacilou um pouco na sua interpretação sobre os tótens. e concordo com o etnólogo chileno.

o fato é que a antropologia cultural nos descreve que um totem, mito fundador e símbolo de coesão em diversas culturas, não pode ser morto nem comido. há esse tabu.

embora isso não tenha impedido os espanhóis comedores de ouro de botarem abaixo os chemamulls e os kemu-kemus mapuches e mandá-los à fogueira.

preferiam erguer, à sua vez, estátuas de seus ídolos horrendos e desumanos. percebem a simbologia?

por falar em totens, malinowski fez um estudo aprofundado e comparativo entre 62 tribos e ele nos conta, do alto desse conhecimento analítico, que só na europa esse fenômeno de culto totêmico não se realiza.

discordo de bronislaw, que muito admiro. as estátuas, de certa forma, têm desempenhado esse papel. tanto na metrópole, quanto nas colônias. borba gato, por exemplo, é a representação do clã dos paes leme.

leio que o jornalista laurentino gomes disse ser contra a derrubada da estátua do bandeirante bandeiroso porque ela, a estátua, nos ajuda a compreender a história. ora, ora, ora – mas que conversa mole.

eu, pessoalmente, nunca precisei ver a estátua do velho borba pra saber que ele foi um grandissíssimo canalha. olhar para a efígie daquele ladrão só serviria para me dar engulhos.

pra você ter uma ideia, eu nem preciso ver uma foto ou uma estátua de laurentino gomes para saber que se trata de um macho branco. elementar.

talvez gomes não perceba, antiempático, que a efígie daquele sujeito é uma afronta ao povo negro, em particular, e às pessoas razoáveis, de um modo geral.

sou a favor de que gato seja morto a pauladas ou a golpes de marreta. e digo mais: a bíblia nos conta que deus puniu a mulher do patriarca ló, transformando-a numa estátua de si mesma.

ao contrário de laurentino gomes, deus, que sabe de tudo, já havia sacado o poder simbólico que esse elemento exerce, não foi à toa que ele mandou derreter aquele bezerro de ouro.

quando os barbudos mercenários do daesh implodiram a estátua gigante do buda, eles sabiam que estavam a atacar não uma figura de pedra, mas tudo aquilo que ela significa e dignifica.

e buda representa a bondade, a tolerância, o ascetismo e a amor ao próximo, nada mais distante do que pregam aqueles camaradas pagos pelos falcões estadunidenses.

é bom que os comedores de alho cru não se esqueçam que, no afã de apagarem a negritude da civilização mais avançada que já existiu, a egípcia, os europoides trataram de arrancar os narizes negróides das estátuas africanas.

quando mussolini foi deposto, a moçada tratou logo de esmagar a estátua dele. não ficou um grão de granito pra contar a história. uma pulga me coça a orelha: o que diria o nosso bondoso laurentino?

e foi nessa de arrancar e mandar às favas a representação escultural de genocidas, que o povo colocou abaixo as estátuas de saddam, de stalin, do diabo.

e tem mais, seu laurentino, a história nunca precisou de uma estátua de hitler para que conheçamos e condenemos seus horrores.

o mais curioso é que os belgas, por gerações, passaram noites e dias pela estátua altiva do carniceiro leopoldo sem nunca cuspirem nela. parece-me que até os pombos belgas se recusavam a cagar na cabeça do ídolo.

até que, finalmente, se deram conta de que aquela imagem falava mais sobre os belgas do que sobre aquele desgraçado. dito isto, digo mais, está aberta a temporada de caça: abaixo todos os bezerros de ouro! palavra da salvação.

* Formado pela Universidade de Brasília, Lelê Teles é jornalista, roteirista e publicitário. É roteirista do programa Estação Periferia (TV Brasil) e da série De Quebrada em Quebrada (Prodav 09). Sua novela, Lagoas, foi premiada na Primeira Bienal de Cultura da UNE. Discípulo do Mestre Cafuna, prega o cafunismo, que é um lenitivo para a midiotia e cura para os midiotas.

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