Por Adiberto de Souza *
Era fim da tarde do dia 14 de julho de 1984, um sábado chuvoso. A equipe de da TV Atalaia, canal 8, concluiu a penúltima reportagem da pauta e se deslocou para a derradeira tarefa do dia: fazer uma passagem rápida sobre o delicado estado de saúde do ex-governador de Sergipe, o cacique udenista Leandro Maciel, com quase 88 anos. Essa era uma praxe da emissora desde que o velho líder ficou prostrado em seu sítio, localizado na esquina da rua Dom Bosco com a avenida Desembargador Maynard, bem em frente ao Hospital Cirurgia, área nobre de Aracaju.
A movimentação anormal na casa chamou a atenção do repórter, que logo foi informado sobre a morte do caudilho, por décadas o manda chuva da política de Sergipe. A mesma equipe da TV foi escalada para cobrir o sepultamento, marcado para a manhã do domingo, na Igreja Senhora Sant’Ana, no povoado Massacará, município de Carmópolis, a cerca de 60 quilômetros de Aracaju.
Antes do cortejo dominical, porém, ocorreram vários desdobramentos. Perto da meia-noite, o caixão chegou para o velório no Palácio Olímpio Campos, no centro da capital e sede do governo de Sergipe. Àquela altura, muitos amigos e correligionários já aguardavam a chegada do corpo de Leandro Maciel, que foi quase tudo em Sergipe: deputado federal por três mandatos, governador e senador em duas legislaturas. Também se candidatou a vice-presidente na chapa de Jânio Quadros, porém renunciou no meio da campanha, sendo substituído por Milton Campos.
Queda de militares
Por determinação do coronel Miguel Santana, secretário-chefe do Gabinete Militar, oito policiais se postaram em posição de sentido, quatro de cada lado do caixão. Não passaram 20 minutos, e um grande barulho assustou quem estava na parte externa do Palácio: foi um dos militares que desmaiou e, ao cair, derrubou o pesado fuzil, daqueles antigos, uma mistura de ferro e madeira. Felizmente, a arma não disparou. Minutos depois, outro PM também caiu e em seguida um terceiro.
As quedas de militares só foram resolvidas após um oficial do Exército ter sugerido que os policiais em torno do caixão ficassem em posição de descansar, mais relaxados, para facilitar a circulação do sangue, principalmente nas pernas. Foi o santo remédio para acabar com os barulhentos e assustadores desmaios dos fardados.
As conversas políticas ajudaram a noite do velório a passar mais rápido. Na madrugada, quando o movimento de pessoas reduziu significativamente, velhos pessedistas apareceram no Palácio para se despedir do líder udenista, que em vida tinha sido um ferrenho adversário. Entre um cafezinho ou um cigarro, eles lembraram grandes disputas, vitórias e derrotas eleitorais.
Uma das ferrenhas disputadas políticas lembradas naquela madrugada pelos “coronéis” aconteceu em 1962, quando o ex-udenista Seixas Dória se filiou ao PR e se juntou ao PSD, PRT, PTR, PSB e PDC para derrotar o ex-governador Leandro e seu slogan “Ninguém se perde na volta”. Maciel se perdeu! Segundo escreve o professor e escritor Ibarê Dantas em seu livro Leandro Maynard Maciel na política do Século XX, aquela “campanha foi longa, marcada de paixões e de radicalismos”.
Manhã de domingo, o cortejo fúnebre partiu para Carmópolis, onde seriam prestadas as últimas homenagens a Leandro Maciel. Uma chuva fina molhava o imenso canavial no entorno da mal cuidada Igreja Senhora Sant’Ana, aberta exclusivamente para o sepultamento. Coube ao senador Passos Porto, um udenista de carteirinha, fazer um emocionado discurso, lembrando a carreira vitoriosa do velho líder político. Em seguida, e diante da impaciência das autoridades, principalmente por causa da insistente chuva, foram prestadas as honras militares, com salva de tiros.
Discurso quilométrico
Mesmo sem a palavra ter sido franqueada, o juiz de Direito aposentado Djalma Ferreira de Oliveira, popularmente conhecido como “Djalma Borboleta”, se aproximou do caixão e começou a sua despedida do líder político. Para desespero dos presentes, já impacientes com a chuvinha fina, o discurso de “Borboleta” não era um improviso, como o de Passos Porto, mas laudas e laudas, caprichosamente escritas à mão. Para se proteger da chuva, as pessoas foram entrando, aos poucos, na Igreja escura, úmida e habitada por morcegos, em seus voos rasantes. Do lado de fora, ficaram apenas o eloquente orador e o caixão, já bem molhados.
Cerca de meia hora depois, ouviu-se: “Descanse em paz, meu velho amigo”. Foi a esperada senha para o corpo ser trazido à sepultura. Verificou-se, então, que a cova, aberta às pressas, era alguns centímetros menor que o caixão, sendo preciso o coveiro entrar para ampliar o cumprimento e facilitar a decida do ataúde. Essa tarefa demandou mais alguns minutos, que pareciam intermináveis, principalmente devido à insalubridade do ambiente no interior do abafado templo religioso.
Finalmente, feito o sepultamento e já durante as despedidas na parte externa da secular igreja, não faltou quem dissesse que a chuva fina, o prolongado discurso do udenista “Djalma Borboleta” e a ampliação da cova pareciam sinais de que Leandro Maciel queria ficar mais tempo ao lado dos velhos amigos, dos correligionários e da cansada equipe de reportagem da TV Atalaia. Ufa!
* É editor do Portal Destaquenotícias