Uma família foi retirada de um voo da GOL em Aracaju devido a uma doença de pele rara não contagiosa em uma menina de dois anos. A criança estava indo para São Paulo com os pais e com o avô para buscar atendimento médico. O caso aconteceu na madrugada de domingo (26). Conforme o pai da menina, Marcus Vinicius Alexandre Silva, 28 anos, a família já estava acomodada dentro da aeronave quando foi abordada por um tripulante. O relato é de Hygino Vasconcellos, em colaboração para o UOL em Porto Alegre.
“Ele passou por nós, olhou para minha filha, baixou a cabeça e perguntou baixo: ‘é catapora?’ Minha esposa disse que não. Daí ele disse: ‘parece que é contagiosa’. Minha esposa voltou a negar. Em seguida, ele saiu”, diz Silva. Segundo o relato, outro comissário de bordo se aproximou, perguntou quantas malas havia no bagageiro e, após a resposta, distanciou-se da família. “Eles voltaram e pediram para a gente se retirar do avião e conversar lá embaixo. Disseram que era uma doença contagiosa e estavam seguindo determinação da Anvisa.”
A menina tem ictiose, uma doença genética caracterizada pelo intenso ressecamento e descamação da pele. Durante a discussão no voo, os pais chegaram a apresentar um laudo que atestava a doença, mas sem sucesso.
A enfermeira Maria Helena Mandelbaum estava no mesmo voo e tentou ajudar a família. “Eu expliquei aos comissários que a doença não é contagiosa. Mostrei fotos do Google e argumentei de toda forma possível que a ictiose não é contagiosa.” Um outro passageiro, com sotaque americano, reclamou da situação e disse que a família estava atrasando o voo. O comandante foi chamado, olhou para criança e disse que a família tinha que desembarcar.
Maria Helena questionou qual norma estava sendo seguida. “Ele disse que era proibido transporte de pessoas com doença contagiosa. Eu reafirmei o que já tinha dito e até me propus a fazer uma declaração de que a ictiose não é contagiosa. A família é muito humilde, não poderia perder a viagem e a consulta. Ele disse que não poderia aceitar pois ‘a senhora não é médica, é só uma enfermeira.'”
“A gente se sentiu um lixo”, diz pai da menina
Segundo o pai da criança, a situação ficou tensa e a menina começou a chorar. “Um funcionário disse ‘ou vocês saem por bem ou por mal. Se não saírem vamos chamar a Polícia Federal’. Nisso a gente saiu. Pensa na vergonha que a gente passou na frente de 200 pessoas que estavam no voo. A gente se sentiu um lixo”, afirma Silva. No guichê de atendimento, funcionários da Gol exigiram a apresentação de laudo atestando que a doença não era contagiosa para entrar no próximo voo. A família saiu às pressas em direção ao Hospital de Urgências de Sergipe (HUSE), onde conseguiram a declaração.
De volta ao aeroporto, encontraram o guichê da empresa vazio, mas acabaram conseguindo embarcar no voo das 11h20 — sete horas após o voo inicial. A família mora em Girau do Ponciano (AL) e foi para Aracaju, a 155 km, apenas para pegar o voo, já que era direto para São Paulo. A família decidiu fazer a viagem após as manchas se espalharem pelo corpo e atingirem o rosto da menina, o que causou preocupação e os forçou a procurar atendimento especializado. Os primeiros sintomas da doença começaram a se manifestar com 15 dias de vida da menina, apenas na boca.
Ao chegar a São Paulo, a família conseguiu atendimento no hospital da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde a menina ficou internada de segunda-feira (27) para terça-feira (28). Eles devem permanecer até começo de fevereiro no estado, para aguardar o resultado de mais uma biopsia na menina.
O advogado da família Gilson José da Silva afirmou que, neste momento, a preocupação é com a saúde da menina. Entretanto, a defesa deve ingressar com uma ação por danos morais contra a GOL.
Outro lado
Em nota, a GOL informou que a família foi retirada do voo por não apresentar atestado médico informando sobre a doença como é recomendado pela Anac. A companhia disse que ofereceu o suporte necessário, como transporte de ida e volta até um hospital local para obter o atestado com o diagnóstico da doença. “A GOL reforça que todo passageiro com doença infectocontagiosa ou genética deve apresentar um atestado médico que especifique a ausência de risco para contágio, como é recomendado pelos órgãos regulatórios. Tal procedimento visa garantir a segurança e saúde de todos os viajantes”, explicou a nota.
A Anvisa informou, por meio da assessoria de imprensa, que não possui regulamentos que estabeleçam esse tipo de restrição quanto à viagem de portadores de doenças. “Já as companhias aéreas podem, a seu critério, impedir embarques ou mesmo que passageiros continuem nos voos”, explicou o órgão.
Também por nota, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que resolução 280/2013 prevê que é “facultado ao operador aéreo exigir formulário de informações médicas (MEDIF) ou outro documento médico com informações sobre as condições de saúde do passageiro que apresentar, dentre outras especificações, condições que possam resultar em risco para si ou aos demais passageiros ou que necessite de atenção médica extraordinária no caso de realização de viagem aérea”. Ou seja, é a empresa área que decide se vai exigir ou não documento médico e suas especificações.
A resolução estipula que o passageiro deve encaminhar laudo médico com antecedência mínima de 48 horas do horário previsto de partida do voo, que passará também pelo serviço de equipe médica da empresa. “É importante ressaltar que o comandante, conforme o Art. 168 do CBAer, é autoridade máxima dentro da aeronave e lhe é concedida a prerrogativa de desembarcar qualquer pessoa – desde que comprometa a boa ordem e a disciplina – que ponha em risco a segurança da aeronave ou das pessoas e bens a bordo, bem como tomar as medidas necessárias à proteção da aeronave e das pessoas ou bens transportados, além de adiar ou suspender a partida da aeronave quando julgar indispensável à segurança do voo”, diz o comunicado da Anac.
(Fonte UOL)