Quando o peru morria de véspera era melhor do que o de hoje? Os puristas acreditam que sim, os gastrônomos também: a ave que era apanhada no quintal tinha muito mais sabor do que as que são vendidas em qualquer gôndola de mercearia. Dava muito mais trabalho, levava tempo para ser preparado até chegar a ser temperado, mas o sabor, ah! o sabor… Não há nada que se compare. Além do peru morto e congelado que se compra atualmente, o progresso e o pouco tempo para gastar na cozinha inventaram outra moda: o bicho está temperado, prontinho, basta ser levado ao forno e aguardar os cumprimentos. Sei lá… dificilmente o paladar educado, com papilas que ainda conseguem diferenciar a gastronomia da “fabriconomia”, vai aprovar a novidade.
O cinema americano de certa forma contribuiu para a popularização do peru de fim de ano. Só que, lá, a tradição coloca o bichinho no forno no Thanksgiving day, que é o Dia de Ação de Graças das famílias, com mais valor sentimental do que o Natal. Ele chegou à mesa americana sem tanta honra: foi um alimento muito usado pelos índios, que o herdaram de astecas e maias e, depois, mataram a fome dos colonizadores. Só ganhou ares de festa natalina em Plymouth, Massachusetts, já em 1621.
A introdução e fixação do peru como prato principal na Europa e nas Américas, incluindo o Brasil, na comemoração do nascimento de Cristo, transformou o ritual do jantar de Natal em ceia. A abundância, e mesmo a extravagância, caracterizam a essência do momento da ceia, pois esse ritual passou a ser entendido como expressão simbólica do sucesso frente à vida cotidiana ao longo do ano. No Brasil, dependendo das disposições financeiras das famílias, essa ceia, além do peru assado, pode comportar diversos outros pratos, além de frutas, panetone, castanhas, nozes, bolos. No sentido da ceia como festa, o prato principal deve ser o assado, pois, segundo o filósofo Levi-Strauss, de acordo com as nossas convenções, sempre que o menu inclui um prato de carne assada ser-lhe-á conferido um lugar de honra no centro da refeição. Portanto, num momento de demonstração de abundância, e mesmo de desperdício, o assado recebe um status superior em relação ao cozido.
É por isso mesmo que em ceias formais, o chefe da família é convocado para trinchar o peru assado e esse cerimonial é mantido até os dias apressados de hoje.
Nobre prato
Nos cardápios da corte brasileira, que eram colecionados por Dom Pedro II e lindamente reproduzidos no livro Os banquetes do imperador, reproduzidos por Francisco Lellis e André Boccato, os dindons truffés e a la brésilienne são presenças marcantes, em diferentes tipos de reuniões da corte. Na pesquisa que os autores chegaram para montar o livro, eles contam que a qualidade da carne da perua era considerada melhor e mais delicada. Outros preferiam do macho, por ter mais gordura. Eles contam também que o preço da ave, em 1886, girava em torno de oito a dez mil reis, valor muito alto para a´época e poucos podiam comprá-la.
Texto de Anna Marina publicado originalmente no jornal Estado de Minas.