Por Adiberto de Souza *
A relação da Igreja Católica de Sergipe com a política nem sempre foi pacífica. A imprensa sergipana está cheia de notícias sobre conflitos entre os religiosos, governadores, parlamentares e jornais mantidos pelos partidos políticos. Um bom exemplo é o monsenhor Olímpio Campos. Quando exercia o mandato de senador, o reverendo nascido em Itabaianinha foi assassinado a tiros e facadas no Rio de Janeiro, crime ocorrido no dia 9 de novembro de 1906. Foi um ato de vingança por parte dos filhos do então deputado estadual e intelectual Fausto Cardoso, morto durante a intervenção de tropas federais para reempossar no governo de Sergipe Guilherme de Campos, irmão do monsenhor-político.
O comunismo sempre incomodou a Igreja Católica. De quando em vez, os líderes religiosos deflagram campanha aberta contra quem eles acham que é integrante ou recebe o apoio do partido vermelho. Em 1946, por exemplo, a cúpula católica no estado deflagrou uma guerra contra os candidatos que defendiam temas avançados, como o aborto e o divórcio. Cabia à Liga Eleitoral Católica patrulhar esses políticos, estimulando pregações contra eles nas missas, procissões e até nas casas dos eleitores. Como a UDN, de olho nos votos dos comunistas, decidiu não seguir a orientação da Igreja, esta focou seus ataques contra o candidato a governador Luiz Garcia.
Nos últimos dias da acirrada campanha, uma nota oficial fazendo duras críticas ao candidato da UDN foi distribuída aos padres do estado, com a orientação expressa para ser lida na missa do domingo. Udenista convicto e pastoreando um rebanho, em sua grande maioria, com a mesma coloração partidária, o padre de Laranjeiras, Filadelfo Jônatas de Oliveira, encontrou uma alternativa para não ficar mal com o partido e cumprir a determinação do bispo dom José Tomás Gomes: leu a nota oficial em latim. A inusitada atitude do padre lhe rendeu uma reprimenda superior e teve pouca serventia, pois o candidato apoiado pela Igreja, engenheiro José Rollemberg Leite (PSD), foi eleito governador de Sergipe.
Bispo acusado de comunista
Outro religioso que teve sérios problemas com o mundo político foi o saudoso bispo de Propriá, dom José Brandão de Castro. A atuação dele em favor da reforma agrária e dos direitos humanos merece destaque, principalmente por ter ocorrido durante a ditadura militar. A luta desse reverendo lhe rendeu a alcunha de comunista, propagada principalmente pelos deputados federais baianos Jairo Santo Sé e Stoessel Dourado, dois defensores de grileiros e latifundiários.
O professor doutor Claudefranklin Monteiro Santos e a mestra em História Rosana Oliveira Silva escreveram no artigo “Comunista, não. Graças a Deus” que dom Brandão não saia do sério com a descabida acusação de ser subversivo: “Eu me conservo, plenamente, tranquilo porque diante de Deus e do mundo eu posso declarar que não sou comunista”, dizia o bispo. No mesmo artigo, os dois educadores citam que, entre os políticos que saíram em defesa do religioso, se destacou o ex-deputado federal José Carlos Teixeira: “Uma acusação descabida e irresponsável como essa merece repulsa de todos os sergipanos. Como afirmou o Cardeal Primaz da Bahia, dom Brandão de Castro não é e nem pode ser comunista”, discursou o parlamentar sergipano na Câmara Federal.
Por várias vezes, dom Brandão teve que comparecer à Polícia Federal, em Aracaju, para prestar esclarecimentos sobre reportagens publicadas no jornal A Defesa, criado pela Diocese de Propriá e que incomodava os políticos e os grandes proprietários de terra do Baixo São Francisco. O religioso sempre ouvia dos policiais federais que os militares do Exército estavam “por aqui com este jornaleco vermelho”. Calmo, o bispo escutava as queixas, mas, ao retornar para Propriá, não fazia qualquer reprimenda ao corpo editorial do periódico.
Certo dia, porém, dom Brandão se irritou com o superintendente da Polícia Federal, pois este queria obrigá-lo a nomear um editor para A defesa. A exigência tinha uma explicação absurda: como a PF não queria prender um bispo, para evitar uma grande comoção social, era preciso que se nomeasse um jornalista para ser preso no lugar dele, visando dar uma satisfação aos políticos e latifundiários defensores do regime militar e que estavam incomodados com as críticas do “jornaleco vermelho”. Naturalmente, dom Brandão não atendeu o desejo do mandachuva da PF, e o jornal permaneceu circulando e incomodado por muito tempo.
Tenente briga com padre
Por fim, vamos lembrar uma confusão entre um padre e um militar do Exército, fato que mobilizou a sociedade aracajuana. Em 1952, um baile para arrecadar fundos em favor do Asilo Rio Branco resultou em troca de farpas pela imprensa, empurrões, tapas, xingamento, moção de desagravo na Câmara de Vereadores de Aracaju e requerimento de solidariedade na Assembleia Legislativa. Conta o professor Ariosvaldo Figueiredo, em seu livro A História Política de Sergipe (3º volume, páginas 313 e 314), que a briga entre o de farda e o de batina começou quando o então padre Luciano Cabral Duarte publicou um artigo no jornal A Cruzada, afirmando que a festa filantrópica expusera “mocinhas conhecidas em escassos maiôs de duas peças, dançando músicas provocantes”.
Nem precisa dizer que a crítica do religioso desagradou o tenente do Exército, Cranger Cavalheiro de Oliveira, casado com uma das organizadoras do baile. Primeiro, o militar fustigou o padre pela imprensa: “Os novos tempos já não permitem o uso dessas máscaras de beatitudes e falso pudor”, escreveu. Depois, ao encontrar Luciano Cabral em frente à Assembleia, no centro de Aracaju, Cranger resolveu partir para a ignorância. “O tenente deu uns tapas no padre, além de presenteá-lo com palavrões e alguns empurrões”, escreve Ariosvaldo Figueiredo. Segundo o capitão Sérgio Murilo Reis da Cruz, do serviço secreto do 28º Batalhão de Caçadores, o subtenente Manoel Barreto Filho lhe informou que Granger de Oliveira investiu contra dom Luciano gritando agressivamente: “Padre, você é um viado, um corno e um filho da puta”, blasfemou. Cruzes!
Foi um Deus nos acuda em Aracaju, capital ainda com fisionomia de cidade provinciana. Ariosvaldo Figueiredo narra em seu livro que os católicos gritaram contra a petulância do tenente, a classe dominante também saiu em defesa do sacerdote, a Comissão da Ação Católica mobilizou os fiéis, enquanto calorosos discursos em defesa do padre foram proferidos na Faculdade Católica de Filosofia e no Diretório dos Estudantes. Por sua vez, a imprensa protestou em editoriais contra a agressão a um líder católico. Apesar de todo o barulho, como a festa em favor do Asilo tinha sido organizada por dona Helena, esposa do tenente-coronel Milton Pereira de Azevedo, comandante do 28º BC, os empurrões e blasfêmias proferidas pelo tenente contra o padre Luciano ficaram por isso mesmo. Misericórdia!
* É editor do Portal Destaquenotícias
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Grato pela deferência. Parabéns, pelo artigo.