Por Antônio Samarone *
A historiadora Thetis Nunes, atribuía o desenvolvimento de Itabaiana, a partir de meados do século XX, as duas mudanças estruturais: chegada de BR – 235 e a inauguração do Ginásio Murilo Braga.
A importância de um curso ginasial, em 1950, já foi comentada. Em pouco tempo, Itabaiana lotaria as Universidades, em especial a UFS. Uma geração talentosa, estudiosa, bem formada, emergiu do Murilo Braga.
O primeiro exame de admissão em Itabaiana, ocorreu em 11 de março de 1950. A primeira turma iniciou com 40 alunos. Em dezembro de 1953, somente 20, concluíram o ginasial. O Paraninfo foi o Governador José Rollemberg Leite, em gratidão.
Em 1953, Itabaiana assistiu a uma festa nova: jovens desfilando nas ruas festejando, com direito a baile de formatura. Os meninos itabaianenses das classes populares, os filhos do povo poderiam avançar nos estudos. Não seriam mais obrigados a responder, quando perguntado sobre a escolaridade: “primário completo!”
Entretanto, entre o ginásio e a universidade existia o antigo 2º grau, o chamado científico. O Murilo Braga só ofereceu o “cientifico” em 1969. O Decreto-Lei 16, de 15 de maio de 1969, criou o curso científico, o Ginásio Murilo Braga se transformou em Colégio.
A primeira turma de cientifico em Itabaiana teve 51 alunos. Em 1971, somente 17 alunos concluíram o curso. Eu fui da 4ª turma. A divulgação dos resultados dos aprovados no vestibular da UFS, tornou-se uma festa em Itabaiana. A cidade era tomada por jovens de cabeças raspadas, com bonés de cores diferentes. Os futuros médicos, usavam bonés verdes.
Cantávamos o samba de Martinho da Vila: “felicidade, passei no vestibular…” O futuro estava encaminhado.
Essa festa teve um padrinho. O cientifico chegou pelo trabalho abnegado do filho de Zé da Manteiga. Nunca divulgou, fez tudo discretamente. De quem estamos falando?
José Augusto Machado (71 anos), natural de Itabaiana. Filho de José de Oliveira Machado (Zé da Manteiga) e dona Maria Maurícia Machado. Quatro irmãos: José Arnaldo (Manteiguinha), Maria do Carmo, Vera e Aparecida.
José Augusto fez o primário no Grupo Escolar Guilhermino Bezerra. Foi aluno de Maria Pereira, Helena de Branquinha, Helena Priscina, Maria do Carmo de Pedrinho e Lenita Porto.
Entrou no Ginásio Murilo Braga em 1959, após um rigoroso exame de admissão (um vestibular precoce), e concluiu em 1962.
José Augusto, como todo menino da época, Jogou bola, brincou de castanha e pião. Pegou passarinho no visgo e no alçapão. Se danou de bicicleta, pelos povoados. Tomou banhos em rios, lagoas e açudes.
Em 1963, veio para Aracaju, cursar o científico no Colégio Estadual de Sergipe, no velho Atheneu, obrigatório para quem queria continuar os estudos.
Naquele tempo, terminado o ginásio no interior de Sergipe, os meninos que podiam vinham fazer o científico em Aracaju, os que não podiam, paravam os estudos, e iam procurar do que viver.
José Augusto passou no vestibular da conceituada Escola de Química de Sergipe, sem frequentar cursos de pré-vestibular. Concluiu o Curso de Química em 13 de dezembro de 1969.
Em 1970, José Augusto já era professor no Instituto de Química da UFS.
José Augusto se casou em 1972, com Iracema Barreto Machado. É pai de três filhos: Breno, Diogo e Dênio.
Ainda estudante, José Augusto Machado se envolveu na luta para levar o curso científico para Itabaiana quase sozinho. Depois de muito vai e vem, conseguiu que a Secretária de Educação instalassem em 1969, o curso científico no Colégio Murilo Braga.
Para sanear a falta de professores, José Augusto se dispôs a lecionar três disciplinas (matemática, física e química). E o curso se viabilizou.
O científico em Itabaiana foi a salvação para muitos meninos pobres que queriam continuar os estudos e as famílias não tinham condições de sustentá-los em Aracaju. Ressaltando, que esse benefício alcançou gente de todo o agreste e de parte do sertão.
Eu fui aluno da quarta turma, em 1970.
Itabaiana anoitecia com caravanas de alunos vindos de tudo o que era lugar. Vindos de ônibus, kombi, pau-de-arara, caminhoneta, de burro, bicicleta e a pé. Chegava gente de todos cantos: Carira, Frei Paulo, Ribeirópolis, Campo do Brito, Malhador, Moita Bonita, Macambira, vinha gente até de Jeremoabo e Chorrochó.
Esse povo todo, muitos só se formaram pela chagada do científico em Itabaiana, numa escola pública. Passamos a ter esperança em melhorar de vida através da escola. Era a cidadania conquista pela escola pública.
E essa luta para levar o científico para Itabaiana, pouca gente sabe, foi travada por José Augusto Machado, um anônimo estudante de química. Sem pretensões, sem interesses pessoais, apenas para beneficiar um magote de jovens pobres, condenados a encerrar os estudos no ginásio.
Antes que apareçam padrinhos, quem levou o curso científico para Itabaiana não foi político, secretário, diretor, padre ou juiz, foi um competente e discreto estudante de química da UFS.
O professor José Augusto Machado foi vítima da Covid-19. Faleceu em 14 de março de 2021.
José Augusto Machado, muito obrigado.
* É médico e está secretário da Cultura de Itabaiana.