Em comemoração ao aniversário de Aracaju, o governo de Sergipe inaugura neste sábado, o Largo da Gente Sergipana. Projetado pelo arquiteto e urbanista Ézio Déda, o Largo se traduz em um movimento de valorização da cultura popular do estado. No espaço, localizado em frente ao Museu da Gente Sergipana – além do píer, de uma área de convivência e de um atracadouro -, estarão expostas oito esculturas de representações folclóricas sergipanas: Lambe Sujo e Caboclinhos, Chegança, Cacumbi, Taieira, Bacamarteiro, Reisado, São Gonçalo e Parafuso.
O projeto é uma realização do governo de Sergipe, por meio da Secretaria de Estado da Infraestrutura e do Desenvolvimento Urbano (Seinfra), da Companhia Estadual de Habitação e Obras Públicas (Cehop), do Instituto Banese e da Secretaria de Estado da Cultura (Secult). No total, estão sendo investidos R$ 6.425.530,80, sendo a parte do governo na obra R$2,2 milhões, e o valor restante referente aos recursos de patrocínio do Banese, que possui linhas próprias para esse tipo de investimento e não podem ser utilizadas em outras finalidades de governo.
“Eu acho que essa vai ser a obra que irá marcar muito a nossa cidade. É o mais belo presente de Aracaju no seu aniversário. Vai ser a marca de Aracaju, para o Brasil e para o mundo. Vai projetar muito a nossa cultura popular, oferecer a oportunidade para se discutir a origem e a nossa raiz popular, nas suas diversas manifestações. Quem ama Aracaju quer vê-la cada vez mais bela. O Largo homenageia e celebra a origem e a raiz da nossa cultura popular. Estou extremamente feliz pela beleza da obra, pelo trabalho de Ézio, do Banese e o trabalho de Tati Moreno. No passado, fez-se uma obra para receber o imperador. No presente, nos entregamos um monumento à cultura para homenagear o povo em suas diversas manifestações”, disse o governador Jackson Barreto em uma das suas visitas à obra.
Representações culturais
A obra, além de se tornar um novo cartão-postal da capital, contribui para o reconhecimento e exaltação da cultura popular em Sergipe. Cada peça representa um movimento artístico presente no estado e que ultrapassa gerações. Para a historiadora e educadora Josevanda Franco, o Largo da Gente Sergipana se configura em um investimento não apenas cultural, mas de cunho educacional.
“Do ponto de vista da preservação da memória cultural, o Largo tem um valor inestimável. Na realidade, a cultura popular tende a ficar concentrada mais no âmbito das comunidades onde elas existem e dificilmente a gente tem oportunidade de trazer esses elementos para o grande público. O Museu da Gente Sergipana está colocando fora – para que todos tenham acesso, dentro de um espaço urbano, de possibilidades de visitação e apreciação -, esse grupo de manifestações, danças e folguedos como os mais representativos do estado. É fundamental que a população tenha acesso a esse tipo de informação. O investimento na Cultura significa investir em Educação. E quando a gente investe em Educação a gente cria possibilidades de gerações que consigam compreender melhor o valor desse arcabouço histórico que acaba se manifestando através da cultura popular”.
As esculturas que representam o folclore sergipano e que estarão em destaque no Largo da Gente Sergipana, são de autoria do artista plástico Tati Moreno. O projeto foi inspirado nas esculturas dos Orixás, localizadas no Dique do Tororó, em Salvador, e que recebem a assinatura do mesmo artista. Confeccionadas em fibra de vidro e resina de poliéster, cada uma das esculturas tem 7m de altura e para a instalação foram utilizadas vigas metálicas, o que dá a impressão de que as peças flutuam acima do espelho d’água. Além delas, o Barco de Fogo também será destaque no projeto do Largo da Gente. A educadora e pesquisadora de Cultura Popular Aglaé D’Ávila Fontes e a historiadora e educadora Josevanda Mendonça Franco realizaram um estudo aprofundado sobre as expressões artísticas em evidência no projeto, e a partir dele foi possível descrever um pouco sobre cada manifestação.
Lambe-Sujos e Caboclinhos
A festa que acontece sempre mês de outubro data de antes mesmo da abolição da escravatura e é muito comum nos municípios de Laranjeiras e Itaporanga D’Ajuda. Nela se apresentam dois grupos, que através de uma dramaturgia forte retratam o combate entre negros e índios. O folguedo começa com a luta dos índios para resgatar sua princesa que foi roubada pelos negros. Além dos combates, o canto e a dança enriquecem a dramaturgia, que tem seus personagens definidos. De um lado estão os Lambe-Sujos – que recebem esse nome por pintar o corpo com carvão pisado e cabaú -, que têm como personagens o Rei Africano, a Princesa, os Embaixadores, a Mãe Suzana, o Pai Juá, o Feitor, os Tocadores e os brincantes, que vestidos com calções e gorros vermelhos têm nas mãos uma foice.
Do outro lado, os caboclinhos, constituídos pelos índios, com o corpo pintado com roxo-terra, se vestem com saiotes de penas coloridas e cocar. Complementam a caracterização o arco e a flecha. Entre os personagens se distinguem o Chefe, a Princesa, os Embaixadores, Tocadores e Brincantes. Com grande beleza estética, o folguedo ganha ritmo através do batuque que marca o passo dos cantos e das danças.
Reisado
Inspirado no costume de louvar o nascimento de Jesus com cantos e danças, a manifestação teve origem em Portugal e chegou ao Brasil através da colonização. Por lá, a festa começava no Natal e se encerrava na festa de Santos Reis. Conhecida por Reseiras, aqui no Brasil a festa passou a se chamar de Reisado e tem o Nordeste como território de referência. Os cantos e danças são bem presentes na folia, na qual participam elementos humanos, fantásticos e animais. Entre esses elementos se destacam a Borboleta, o Guriatá, o Bambu, a Cigana e a Camponesa, além dos elementos fantásticos que são Boi e o Jaraguá. Todos eles são conduzidos pelo Mateus ou Caboclo, que divide com a Dona Deusa, o desenvolvimento do folguedo. Além deles, os tocadores animam com as músicas que são extraídas dos instrumentos como sanfona, bumbo, pandeiro, triângulo e, em casos especiais, acompanhados de um cavaquinho.
São Gonçalo
O louvor ao santo é bem difundido em Portugal e no Brasil está presente em diversas regiões. Aqui em Sergipe, existem grupos do folguedo nos municípios de Itaporanga D’Ajuda, Laranjeiras, Pinhão, Poço Verde, Riachão do Dantas, São Cristóvão e Simão Dias. Trata-se de uma dança ritual, com registros na Bahia datados de 1718, destinada inicialmente para pagamentos de promessas feita a São Gonçalo. Mas além da devoção, existem algumas lendas envolvendo a história do santo, sendo uma delas a de que antes de se tornar frade franciscano, ele foi marinheiro e resgatava mulheres do pecado.
Desta forma, o folguedo tem como chefe do grupo o Patrão, vestido como marinheiro. Na cidade de Laranjeiras, a imagem do santo é carregada dentro de um barquinho pela única mulher do grupo, a Mariposa. Os brincantes são exclusivamente homens e usam sobre a calça, saias coloridas e longas, blusas rendadas e xale enfeitado com fitas de várias cores. Na cabeça, um lenço branco adornado com fita vermelha. Pulseiras, colares e brincos finalizam o figurino, remetendo um aspecto feminino ao grupo, relembrando as mulheres salvas pelo santo. Mesmo se tratando de uma devoção a um santo português, o folguedo apresenta no louvor a forte presença africana, observada na música, na dança – embaladas por instrumentos de corda e percussão – e em palavras do dialeto africano inseridas nas letras.
Taieira
Inicialmente chamada de Talheira, a festa já acontecia na Vila de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro, na Bahia, em festejos importantes como nas comemorações pela celebração do casamento de Dona Maria I com Dom Pedro III, de Portugal e Algarves, realizado em junho de 1760. A festa recebe forte influência africana, ligada ao culto nagô e se apresenta como louvor aos santos protetores dos negros, Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito. Trata-se de uma dança-cortejo de intenção religiosa e acontece nas festas de seus santos de devoção, no Natal, Ano Novo e dia de Santos Reis. Nesta festa, a rainha das Taieiras é laureada, com a coroa de Nossa Senhora do Rosário, pousada sobre sua cabeça, pelo Padre, durante a missa.
A caracterização do grupo se dá nos trajes vermelho e branco, adornados com laços de fitas coloridos, chapéus brancos igualmente enfeitados com fitas e flores vermelhas, e nas mãos as varetas, feitas de madeira, forradas com papel colorido e flores, ou ainda pequenas cestas enfeitadas com fitas e flores. Os personagens que se destacam no folguedo são o Ministro, o Rei, a Rainha, as Guias, as Lacraias, os Capacetes e o Figural ou Patrão. São destacados os grupos dos municípios de Japaratuba, Lagarto e Laranjeiras.
Cacumbi
Acredita-se que a folia seja resultado da evolução e junção de elementos de outras danças e folguedos. Pode ser encontrada em vários municípios brasileiros, com várias identificações a depender da região. Originalmente o Cacumbi remete a uma luta entre um rei negro e um chefe caboclo, sempre vencido pelo rei. Também em homenagem aos padroeiros dos negros São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, o grupo é composto apenas por homens, que obedecem ao som marcante e ao apito que coordena os passos, vestidos com calça branca e camisa amarela. Os personagens são o Mestre, o Contra-Mestre e os dançadores e cantadores. É possível reconhecê-los pelos chapéus enfeitados com fitas e espelhos. Costumam se apresentar nas procissões de Bom Jesus dos Navegantes e no dia dos Santos Reis. Existem grupos nos municípios de Itaporanga D’Ajuda, Japaratuba, Lagarto, Laranjeiras, Maruim e Riachuelo.
Bacamarteiros
O termo bacamarteiro ou bacamartista trata-se de uma denominação militar do integrante da infantaria do Exército Imperial Brasileiro, destacado na Guerra do Paraguai, referindo-se ao soldado que manuseava o bacamarte, uma arma de fogo de cano curto e largo, carregada com pólvora seca e com um poder de fogo mortal. Com o fim da guerra e o passar do tempo, o bacamarte se tornou um instrumento de defesa pessoal e das propriedades, principalmente no nordeste brasileiro. Já no período junino ele é utilizado como um desafio à valentia. Formado por homens e mulheres, o grupo é formado pelos Atiradores, o Mestre do Apito, as mulheres cantantes e dançantes do Samba de Coco, o Tirador de Versos ou Coqueiro e os Tocadores, que se ocupam dos pandeiros, ganzás, reco-recos, onças ou ronqueiras. Os grupos estão presentes nos municípios de Capela, Carmópolis e General Maynard.
Parafuso
Grupo folclórico do município de Lagarto, o Parafuso tem inspiração no tempo da escravidão, quando os negros fugitivos roubavam as anáguas das sinhás que estavam no quaradouro. Cobrindo todo o corpo com as peças, os negros saíam em noite de lua cheia pulando e dançando em busca de liberdade. Desta forma, criou-se a superstição e nenhum senhor saia à noite de casa com medo da assombração. Com a libertação dos negros, eles continuaram a tradição. As anáguas brancas que formavam um contraste com sua pele negra chamaram a atenção do vigário de Lagarto, o padre José Saraiva Salomão, que comparou o movimento dos brincantes ao de um parafuso, observando o rodopiar no sentido anti-horário, parecendo, assim, torcer e distorcer. O grupo é exclusivamente composto por homens, que representam os negros escravos, e seguem trajando as anáguas, cantando e dançando pela cidade ao som do triângulo e tambores.
Chegança
A dança se baseia na luta entre cristãos e mouros, com origem nas antigas tradições ibéricas e inspirado em romances que narravam aventuras marítimas de embarcações como a nau Catarineta. No Brasil, recebe vários nomes diferentes a depender da região. Entre os personagens destacam-se no grupo dos cristãos o Piloto, o General, o Almirante, o Vice-almirante, o Mestre, o Contramestre, o Capitão-tenente, os Gajeiros, os Calafatinhos, o Padre e os Marinheiros. Já os mouros são representados pelo Rei, os Embaixadores, as princesas Floripes, Angélica e Dama de Ouro. Os cantos também compõem a apresentação acompanhada por pandeiros, caixas e apitos, além do trincar das espadas.
Texto e foto; Ascom/Governo