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Lineu Lins de Carvalho, a sagrada e estética lente nossa

Por Ivan Bezerra de Sant’Anna (*)

Existem pessoas que escrevem obituários, outras especializadas em “elogiários”, muitos deles trajando as vestes da objetividade histórica, ostentando pomposas titulações.

Não pertenço a nenhuma dessas categorias, reservando-me ao direto de opinar com certo grau de racionalidade, no entanto, premido pela subjetividade emocional. Assim, escrevo algumas linhas precárias, triste pela afastamento de Lineu Lins de Carvalho.

Lineu Lins era uma pessoa ímpar! Pomposo, vaidoso, magnânimo, bem humorado, de uma fina inteligência que só pessoas muito talentosas possuem.

Devido às ideias políticas que professava e sua conhecida agressividade no mercado fotográfico, algumas pessoas não apreciavam sua arrogância competitiva, sentimentos daqueles que se sentiam prejudicados pelo sucesso dele.

Aliás, justíssimo sucesso, e não estou a falar do Lineu das fotos sociais, mas do Lineu das fotografias industriais e publicitárias, principalmente do Lineu dos olhos estéticos, das suas fotografias artísticas, ainda não devidamente apreciadas como merecem.

O conheci Lineu Lins através do amigo Marquinhos, fotógrafo muito talentoso que fazia alguns trabalhos para ele.

A partir dali, mesmo com pensamentos políticos colidentes – e acho que também por causa disso -, comecei a ter a sua prazerosa amizade.

Tivemos a oportunidade de fazer uns poucos filmes juntos, na época da produtora Univídeo, experiência inesquecível. Me divertia muito com a sua pomposidade.

Certa vez, como era um grande apreciador de música erudita, ele me falou que tinha um amplificador Maratz, equipamento capaz de traduzir com muita fidelidade a sonoridade de uma Fuga de Bach.

Então lhe falei que tinha visto um na loja, informação que prontamente rebateu: “O meu é edição especial e limitada. Não vende em lojas!”. Assim era e fora Lineu.

Quando vejo atualmente amizades se desfazendo por ódios ideológicos, sou forçado a lembrar do velho Lina que sempre me brindava em qualquer lugar que eu estivesse, com um imenso vozeirão, exclamando: “Comunista!”, para logo após, de braços abertos, me ofertar um abraço, seguido por uma boa conversa.

Esse chamado, “Comunista!”, infelizmente, não ouço há muito tempo, devido à doença que lhe privou de muitas coisas de que gostava.

Entretanto, na minha imaginação vai sempre ecoar a amistosa palavra comunista, que ao contrário dos dias atuais, era um convite fraterno à amizade e o diálogo.

Apesar de ter inúmeros e excelentes equipamentos fotográficos, Lineu, em parte, era como Henri Cartier-Bresson e sua velha Leika com uma única lente de 50mm.

“O importante em uma fotografia estética é ter olho”, professava com entusiasmo o amigo Lineu. E isso ele tinha. E muito! Olhos caçadores da beleza. Olhos mirantes do incomum. Olhos que paralisavam o momento e o jogava para a verticalidade do eterno.

Fazer uma foto é paralisar o momento com as suas circunstâncias, remetendo-a à nostalgia do “que foi com certeza”, dizia Roland Barthes.

É investir emocionalmente na mirada, e quase sempre, da foto acabada, sai ferozmente o punctum, algo que está lá como uma dialética paralisada, mas que sai para ferir e aguçar o pensar.

É, amigo Lineu: a vida em seu término fez sua última fotografia. Creio ser uma bela fotografia. Ela vai traduzir o que foi, o que sempre será ou o que virá a ser? Lamento não saber dizer.

Só tenho a certeza de que, onde estiver, trilhando por novos caminhos, vai estar de olhos bem aberto. Olhos de um grande fotógrafo que sempre foi.

* É advogado, músico que um dia tocou nos Nômades e The Top’s e analista de filosofia terapêutica.

(Publicado originalmente no Portal  JLPolítica)

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