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Língua falou….

Por Tereza Cristina Cerqueira da Graça *

Jovem, estudante universitária, militante política, metida a intelectual, pobre e de periferia, eu detestava o colunismo social. Aliás, eu não detestava; eu odiava! Por estar casada com um jornalista, de periódicos de reconhecido prestígio no Estado, tive o nascimento dos meus dois primeiros filhos registrado em colunas sociais. Foram notinhas curtas, sem fotos. Certamente, uma deferência ao colega de trabalho. Odiei!!! Mas, quando a língua fala…

No final dos anos 1990, no mestrado, inventei investigar a vida dos estudantes ginasianos na Aracaju dos anos 1950. Então, se pretendia conhecer o trânsito daqueles adolescentes entre a casa, a escola e a cidade, entrevistas, livros, artigos acadêmicos não bastavam. Editoriais, artigos, e reportagens dos jornais também não bastavam. Onde fui parar?! Nas colunas sociais. Pois é. Quando a língua fala…

E nem precisou o orientador exigente me mandar assuntar nas colunas sociais. Logo constatei que não tinha outra forma de saber o que fazia parte daquela juventude, de famílias de bens, quando não estava na escola. As respostas estavam lá: os primeiros colocados no exame de admissão do Atheneu Sergipense, a elegância da farda das meninas da Nossa Senhora de Lourdes, os avant premiers dos cinemas, os bailes dos clubes sociais, os passeios para ver vitrines da João Pessoa, os flertes na Retreta da Olímpio Campos. Ai, a língua falava… célere e animada, contando os achados aos colegas e ao professor!

Quase três décadas depois, vem o professor, jornalista e intelectual reconhecido e ‘acreditado’ (como ele gosta de dizer), lançar um livro tratando do tema do colunismo social. A imagem do rapazinho ‘bom de Português’ se apresentando ao consagrado editor da Gazeta de Sergipe (p.16) se compôs na minha mente. Cheguei a ver o jovem jornalista provisionado, num canto da redação, torcendo o bico para a grande fofoca que iria á público no dia seguinte.(Aliás, ele não torce o bico, ele o estica!) Uma parte do capítulo “A Coluna Social, Campo Especializado do Jornalismo” me trouxe saudades, notadamente a referência a Erasmo de Roterdam. Lembrei do seu De Civilitate Morum Puerilium que, junto ao Processo Civilizador, de Norbert Elias, e às exigências acadêmicas do professor-orientador, rendeu um texto de quase 80 páginas que nunca publiquei.

Confesso que não apreciei muito o item sobre a ética no colunismo social. Parece que o professor se embebedou do colunismo social seiscentista de Erasmo, exagerando no “deve ser”, “deve ter”, “deve fazer”. O mesmo digo em relação à “Coluna Social no Jornalismo Brasileiro”, onde é Ancelmo Góis quem fala. (p.52-59). Claro que a autoridade do interlocutor é inquestionável, mas não vi meu professor ali. Outra coisa que me causou estranheza foram as evidências da suposta sobrevivência da coluna social impressa em tempos de internet: enquanto o jornal ‘O Dia’ caiu de 1 milhão de exemplares/dia para 20 mil (p.47), o depoimento do jornalista Baronto sobre o gosto da esposa pelo jornal de papel representa o “grande contingente da população” que dará longevidade ao impresso (p.49). Entendo: adoro o papel e, no meu analfabetismo digital, fico apavorada em pensar no futuro pesquisador do cotidiano perdido em tantos terabytes de sites, blogs, facebooks, instagrans e o que mais vier!

No “Negócio da Coluna Social” e “Os Fantasmas da Coluna Social”aparecem os problemas da posição política e interesses econômicos dos proprietários dos jornais, assim como as diferentes posturas dos jornalistas e colunistas sociais. Estão no mundo real! Diria o professor. Então, entre eles há os comprometidos com a verdade e a preservação da imagem alheia, os frutiqueiros e maledicentes, os plagiadores, os ‘lambepés’ de ricos e poderosos, os jabazeiros. Como há em todo lugar, cargo ou profissão. Lembro agora do médico que mandou copiar sua mão em silicone para o colega bater o ponto digital, e do outro que acumulava 24 empregos. Lembro também da professora que pagava uma universitária para dar suas aulas, do professor processado por aliciamento de menores, e do político que fica rico com o dinheiro público, compra votos e nomeia ou negocia cargos para familiares.

A “Coluna Social em Sergipe” traz um breve apanhado histórico dos periódicos e dos primeiros colunistas e fotógrafos. Só agora prestei atenção nos fotógrafos. E me dou conta do quanto foram prejudicados pelas tecnologias da época. Pense em fotos reproduzidas numa máquina xerox de péssima qualidade! Era assim que elas apareciam nos periódicos de antanho. Estou muito contrariada por não ter visto Bonequinha nas minhas pesquisas sobre os anos 1950, embora tenha tido um encontro surpreendente: Wellington Elias descrevendo os trajes do high society sergipano na inauguração do Cine Pálace, em 1956. Jamais imaginei o meu ídolo do Esporte na TV falando do conjuntinho alinhado da Madame X! Choquei! Disse e mostrei a todo mundo!

Somente, no último trabalho que publiquei, Malinos, Zuadentos, Andejos e Sibites: o Aribé nos anos 70 e 80 (2021) foi que dei de cara com o que meu professor chama de “dessacralização da elite”. Foi nas colunas sociais que encontrei a Miss Agamenon Magalhães, o Clube Flamengo Circulista, o Black Samba, a Cantina do Bizu, o Brunos (antigo Meu Refúgio), a Embaixada dos Estados Unidos da Avenida Maranhão. Confesso que fiquei feliz em ver vizinhos e amigos do Siqueira Campos nas páginas dos jornais. E mais feliz ainda por ter citações/referências desse tipo no meu livro!

Um pouco da trajetória de vida e de trabalho de colunistas sociais encerra o livro de Jorge. Muita gente que conheci fazendo outro tipo de jornalismo ou em outras profissões, me surpreendeu. Mas, dois deles me chamaram mais a atenção. O colega militante sindical Abrahão Crispim, fundador e colunista social do Serrano. Abrahão falando sobre o Miss Itabaiana. Logo o MISS! Não! Aí, tive que tomar o chá de camomila da Thaís! O outro é o Luxo Aju, o novo formato da coluna social do século XXI, com mais de 40 mil seguidores. Corri para o Instagram do Flávio Gonçalves e apertei o botão do “seguindo”.

Ler seu livro, Jorge Carvalho do Nascimento, foi um deleite. A contribuição que você presta à história do jornalismo sergipano é inestimável, especialmente por dar voz a um tipo de jornalista marginalizado pela intelectualidade. Se posso me incluir nesse seleto grupo de leitores-pesquisadores-escritores, intelectuais portanto, paguei minha língua lá nos anos 1990. Desde então, aprendi a prestar atenção nas colunas sociais sempre que preciso contextualizar uma época.

Bem que mamãe dizia: Língua falou, … pagou!

* É Professora aposentada. Doutora em Educação pela PUCRS/UNIT.

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