Por Afonso Nascimento *
O Estado é uma “organização” que existe em toda a parte para manter a sociedade em funcionamento. É por isso que é impossível viver sem Estado. Na ausência de um Estado, os grupos que compõem a sociedade se destruiriam. Para se proteger, o Estado precisa fazer uso de recursos de que dispõe: a violência, a produção de informações sobre os grupos políticos que possam ameaçar a sua persistência no tempo. Existem forças políticas se digladiando dentro do Estado, na sociedade e nas mediações entre essas duas partes. São forças políticas centrífugas e centrípetas. É por causa dessas ameaças que todo o Estado tem um Código Penal e muitas outras leis penais e instituições estatais para garantir a sua continuidade no tempo.
De quais forças políticas partem as ameaças à segurança ou à persistência do Estado? A resposta é simples: das forças políticas de direita e de esquerda que não aceitam o status quo. Ou ainda das forças políticas que se querem “revolucionárias”, mesmo sabendo que, uma vez a revolução acontecida, terão que construir um novo Estado para dar conta da nova ordem social e política. É assim que funciona. Mesmo que o Estado não tenha leis para lidar com ameaças à sua persistência, ele age não importa como para afastar o problema. Se não age assim, os Estados se quebram. As considerações acima estão aqui pensadas dentro da legalidade democrática e não pretendo pregar aqui a idolatria do Estado. A seguir quero tratar das leis de segurança nacional.
As leis de segurança nacional devem ser entendidas como outras tantas para a segurança do Estado dentro e fora de um regime político democrático ou autoritário. As tais leis de segurança nacional (leia-se segurança do Estado, o que dá no mesmo) não precisam estar presentes num Código Penal, mas é mais lógico que lá estejam numa democracia. As ameaças podem vir de dentro do Estado, da sociedade e da parte de outro Estado. Que outras ameaças à segurança do Estado podem ser destacadas? Golpes de Estado, certas crises políticas, movimentos insurrecionais, etc. Alí onde existe instabilidade política, é muito possível que o Estado seja constantemente ameaçado.
As leis de segurança do Estado nos regimes autoritários, chegam a ser um festival de ilegalidades! As leis de segurança nacional no Brasil podem ser classificadas como sendo de antes da Guerra Fria, durante a Guerra Fria e depois da Guerra Fria. A primeira lei de segurança nacional é de 1935, quando houve uma insurreição comunista que ameaçou o Estado.A segunda é de 1953, já em plena Guerra Fria. A primeira LSN do regime militar é de 1967, a mais draconiana, enquanto a segunda é de 78, mais branda. E a última é de 1983, portanto ainda durante a ditadura militar.
Os dezessete (17) Atos Institucionais do regime militar podem e devem entendidos como legislação constitucional e como legislação penal fora do Código Penal. Eles sempre foram mais importantes que as constituições de vigoraram no período, isto é, a de 1946, a de 67 e a 69. Para que foram usados os atos institucionais? Os Atos Institucionais foram, na verdade, o meio de expressão do arbítrío dos militares. Foram a ditadura em ação. Com o primeiro ato, o golpe de estado foi transformado em poder constituinte ou a força bruta legalizada, que destruiu o Estado de Democrático de Direito em 1964. Os demais foram instrumentos legais para fechar e abrir o Congresso, para fazer expurgos políticos na forma de cassação de membros da classe política, para legalizar o autoritarismo, para retirar poderes da justiça brasileira, para tolher a liberdade política, para censurar os meios de comunicações e as universidades, para fazer leis e quebrá-las, para acabar e construir novos sistemas partidários, para estabelecer eleições indiretas, para endurecer e suavizar a repressão política da ditadura, para estabelecer as regras do jogo eleitoral, e mesmo para estabelecer a pena morte.
Onde entra o terrorismo na discussão sobre a segurança nacional? Ele é um problema de segurança nacional, com certeza, e também pode ser de direita ou de esquerda. O terrorismo consiste no uso da violência armada (bombas, armas, etc.), usada contra população civil ou não, com o objetivo de tomar o controle do Estado, para negociar ou trazer pânico ou medo a uma população ou a um grupo específico. Geralmente, os governos adotam a atitude de não barganhar, mas isso nem sempre é possível. No caso brasileiro, embora haja referência ao terrorismo em diversas leis (lei de segurança nacional, constituição, etc.), somente em 2016, uma lei tratou do terrorismo (nº 13.260/2016), com a qual foram tipificados os crimes de terrorismo ( assassinatos com morivação política, explosões de bombas, linchamentos, aparelhamentos, matanças indiscriminadas, sequestros e raptos).
Em 2021, uma legislação sobre a segurança nacional foi aprovada para ser colocada no Código Penal brasileiro, onde tais crimes políticos devem ser inseridos – o mesmo podendo ser dito sobre a lei contra o terrorrismo. Trata-se da lei no. 14.197/21, que aborda os crimes contra o Estado Democrático de Direito, nela estando incluídos os a) os crimes contra a soberania nacional, b) os crimes contra as instituições democráticas, c) os crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral e d) os crimes contra o funcionamento dos serviços essenciais. Alguns crimes contra a segurança continuam sendo discutidos no Congresso, como é o caso das fake news (desinformação), fazendo com que esse quadro somente não possa ser completado com o governo semi-ditatorial vigente no país em 2022. O presidente Jair Bolsonaro tem cometido atos que podem ser enquadrados na atual lei de segurança nacional. Porém, isso é assunto para outro texto.
* É professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe