“Bar, estranho bar!” pode bem dizer qualquer pessoa ao chegar ao Bar do Manequito, na orla da Atalaia, quase vizinho ao Tropeiro. Nada de estranho. Antes assim, conservando sua estrutura antiga, com esteiras nas paredes e lugar de fazer xixi no mato. Um bar não muito arrumado.Tem pouca gente, mas uma gente especial: os jovens de ideias altas, poetas, músicos, jornalistas, encontro da marginália poética da cidade.
Quem quer gente demais? Tragam o cardápio! Temos batidas de frutos naturais: maracujá, limão, mangaba, jenipapo, umbu, tamarindo, alecrim, cajá e outras”.
Ao pedir a especialidade da casa, descobre-se que o lugar é muito agradável. Lá, a presença de um simpático senhor, conhecido por todos como Manequito, coloca um certo encanto no ambiente. Lá, misturam-se as frutas com ótimos resultados, anestesiando as gengivas!
Noite de festa
Naquela noite, o bar estava em festa. Seus frequentadores faziam uma homenagem ao seu proprietário. Uma panela de caruru por conta dos promotores e as batidas na conta de cada um.
Um momento especial, merecedor do devido registro. Afinal, são poucos os indivíduos especiais que projetam a noite. Manequito é um deles. Uma pessoa simples: tirador de coco, pescador, dono de bar desde o tempo em que chegou bem próximo na beira do mar e instalou seu barzinho para vender “casca de pau” para os companheiros de pescaria. Ele conta que, no princípio, eram três bares na praia de Atalaia. Não tinha cais nem asfalto, só areia e muita conversa de pescador.
Manequito prestou serviço no tempo da Segunda Guerra. Trabalhador de descascar três mil por dia. Um pescador antigo, bem querido pelos colegas. Um homem que tem um pé… enorme! Mais coisas? Fundador e primeiro presidente da Associação de Barraqueiros da Atalaia.
Concurso internacional
“O Rei das Batidas” conquistou troféu em concurso internacional. Mas mora no próprio bar, sempre de olho no seu patrimônio, os tentadores litros das suas famosas batidas!
Na família, faz tudo para as duas filhas de criação. Vive uma vida tranquila, cuida direitinho das meninas e ainda sobra tempo para curtir o amor. Fala bem disso, dá provas na frente da câmara fotográfica. Se comove ao falar da sua Maria dos Prazeres. Vive uma fase de forte paixão com todo o vigor de um casal em plena lua-de-mel.
A grande riqueza do Manequito, que moldura o quadro de sua vida, é a sua convivência na noite com a juventude. É o seu carisma. Isso qualquer pessoa pode ir, numa noite de sexta ou sábado, comprovar.
Jovens sem dinheiro
“O cara sempre está atualizado, numa boa”. Manequito abriu o espaço do seu bar para os jovens sem dinheiro, que não podiam pagar bebidas caras. Desde então, convive com adolescentes de várias gerações.
Seu estranho bar, perdido entre os outros de bonitas e atuais fachadas, está integrado à vida noturna da Atalaia. Enquanto vida tiver, garante-nos que será assim. “Um modesto bar”, que não aparenta nada por fora mas que, dentro, muito calor humano está presente.
Manequito não amadurece, rejuvenesce. Não pintou os cabelos, nem incrementou as roupas. Ostenta apenas um chapéu, que orgulhosamente diz que é de “capitalista”.
Depoimentos dos amigos
Para o músico Antônio Alvino Argolo, Manequito é uma figura muito alegre e que traz muita alegria para a noite sergipana. A atriz Valquíria Sandes considera Manequito uma pessoa tão maravilhosa que, para ela, continua sendo um eterno jovem. Nem se lembra mais do tempo que começou a frequentar aquele bar. “Quando chego aqui, sinto uma atração diferente”.
O presidente da Associação Sergipana de Imprensa, jornalista Elito Vasconcelos, acha que Manequito representa a história da vida noturna de Aracaju, sendo a própria história da praia de Atalaia. “Foi ele quem fundou, criou e consolidou a vida noturna na Atalaia. Ele viu, observou, acompanhou e sobrevive a todos os momentos da vida aqui na praia. Aqui sempre foi o ponto de encontro de intelectuais, jornalistas, poetas, de artistas, da marginália da sociedade sergipana. Por isso, Manequito é a própria história contemporânea da vida de Aracaju”.
O jornalista Vilson de Souza chegou a Aracaju há dez anos e parou no Manequito para provar a tão famosa batida. Continua até hoje parando por lá nos fins de semana. Ele informa que, em Salvador, no Rio Vermelho, existe um bar do gênero, porém muito bem explorado turisticamente. A grande diferença é que lá não tem a figura do Manequito, com as histórias da Segunda Guerra, da qual participou. “Manequito é um patrimônio ainda não explorado da noite de Aracaju”.
Colega de guerra
Gerson Rocha é um contemporâneo de Manequito. Um herói de guerra como ele. “Manequito na noite, na Atalaia: quando não existia ninguém, existia o Manequito”.
Carlos Silva Barreto, apelidado de “Berlota”, considera Manequito um herói, um pai, o “Polícia das Antilhas”. Berlota, como gosta de ser chamado, levou flores para o Manequito: “Essas rosas estou trazendo para o senhor! São do meu planeta. Representam uma fase do sol, da lua, do tempo, do grande astral que é Manequito”. “Obrigado pelo carinho”, responde Manequito.
Depoimento de Hildson Andrade Cruz: “É uma das mais fiéis tradições em Sergipe, sempre preservando sua origem”. De Marta Oliveira Santos: “Uma pessoa que não cedeu às mudanças. A figura mais tradicional da Atalaia. O público que frequenta o seu bar é cativo, pois é de pessoas que gostam do Manequito, do seu modo de ser”. Clô Silva: “Quando comecei a frequentar o bar era guria. Agora estou sabendo da importância do Manequito na noite da cidade. O espaço do seu bar é uma descoberta de identificação de uma etapa da vida de todo o ser humano, que é a adolescência”.
Rosa Angélica: “Manequito é um amigo. Uma figura humana admirável”.
Maria dos Prazeres, a companheira de Manequito: “A homenagem de hoje, que fazem ao meu querido Manequito, me emociona. Só sinto saudades da minha mãe, nesse momento. Ela ficaria orgulhosa do Mané”.
Manequito se abre
“Meu nome é Saltro dos Santos. Nasci no dia 25 de setembro de 1919. Meus pais: Joventino Bispo dos Santos e Maria Leobina de Jesus. Eram pescadores e trabalhavam em negócio de coqueiral. Nasci aqui mesmo na Atalaia. Segui a profissão dos meus pais: a vida de tirador de coco e de pescador. Era um profissional imbatível, trabalhava desde menino. Tirava coco de gancho e descascava três mil cocos por dia”.
“Na Segunda Guerra, fui guarda costeiro, mandado pela polícia para prestar serviços aqui na praia, reparando os acontecimentos que tinham por aqui. Eu levava o pessoal para o Cemitério dos Náufragos.
Resgate de corpos
Pegava na praia os corpos dos náufragos, botava nas costas e levava para o cemitério. Ficava noite e dia patrulhando a praia na procura dos submarinos. Se avistasse, informava para a polícia”.
“Filhos, tenho de criação: Ângela e Telma. Moro com a minha namorada, Maria dos Prazeres, no meu bar. Quando eu montei esse barzinho aqui, só tinham três bares. Os veteranos, meus amigos, saíram mas eu aguentei até agora. Meu bar foi montado no ano de 1954. Estava trabalhando aqui e armei o barraco lá na frente. Hoje já é água no lugar em que montei o bar”.
“Depois veio o cais, o passeio e tudo isso. Depois a construção do prédio que é hoje o Tropeiro, iniciado na primeira campanha do Dr. Leandro, que iniciou a obra e Luiz Garcia terminou”.
Casca de pau
“No meu primeiro bar, eu vendia cachaça ‘casca de pau’. Meu bar sempre foi cheio. Os pescadores frequentavam para as suas conversas. O pescador quando vinha pescar tomava uma chamada e depois contava o que via na praia; tomando uma e outra passava para a gente. Quando chegou o cais, Dr. Leandro fez a gente arrancar o bar e eu passei mais para cá. Chegou a rodagem de piçarra e meu bar foi afastado mais uma vez. Quando passou o asfalto, mandaram eu arrancar e me afastei. Foi aí que me prometeram que eu não sairia mais, pois já tinha saído uma porção de vezes. Tenho 60 anos de praia, calculando a idade, pois estou com 71 anos”.
“A juventude chegou perto de mim, pois estudante não tinha dinheiro: não podia beber cerveja. Não podia chegar em outro bar e pedir uma outra coisa. Só tinha que procurar a mim, pois vendia batidas e que era barato. Se tivesse dinheiro bebia e, se não tivesse, bebia também”.
Sem brigas
“Com os jovens de agora a coisa está diferente. Não é como os jovens de antigamente. A gente trabalhava na sinceridade, os jovens de agora trabalham na malandragem e isso prejudica a gente. Brigou aqui, coloco para fora, não quero conversa”.
“Aprendi a fazer batida com os mais velhos, pegando instruções com aqueles senhores de idade. A batida mais famosa? Aliás a de maracujá, tamarindo, limão, alecrim, mangaba, jurema, tudo. Tanto passo a noite toda com uma turma brincando, como passo com uma só batida na mesa.
(Publicado no Jornal da Cidade, em 15.10.1990 e no livro “Oxente Essa é a Nossa Gente”, do jornalista Osmário Santos).
10 Comments
Kkkkkkkkk rindo e mim deleitando com a história de seu manequito que tive prazer e beber suas deliciosas batidas..kkk sai muito certo de lá..kkkk bonita crônica velho amigo Adiberto.. parabéns..
Grande Manequito, na época por volta dos anos 80 fui seu cliente também bebi suas deliciosas inesquecível batidas naquele bar de taboa e esteiras simples e aconchegante, o qual levava nossas namoradas para lá bebamos com pouco dinheiro e éramos felizes, descanse em Manequito, grandes momentos velho guerreiro a sociedade sergipana passou por aí, saudades, tempos bons que não voltam mais!!!
Eu era estudante universitário e frequentava final da noite o Bar de Msnequito. O seu bar era bem frequentado por todas as tribos. Msnequito sempre nos recebia com seu sorriso maroto, semblante tranquilo e de bom humor. Nunca vi e nem ouvi um gesto de descortesia . Manequito é uma figura inesquecível. Bons tempos!
Esse texto me fez relembrar as diversas vezes quê estive naquele lugar mágico chamado de “Manequito”.
Sinto-me muito feliz em poder ter desfrutado desse momento maravilhoso da história da noite Sergipana.
Aplausos ao autor.
Otima recordacao tambem era cliente fiel desse magnífico bar boa recordacao
Merecida homenagem,tive o prazer de dividir o litro de batida com alguns amigos também quebrados,valeu manequito
Manequito foi durante muito tempo o meu caminho noturno da praia. Estudante, sem grana e sem ter alternativas via no seu bar uma saída para as tediosas noites Aracajuanas. Uma garrafa da batida de tamarindo, na simplicidade do ambiente de Manequito, me levava a outros mundos. Velhos e bons tempos.
Era parada obrigatória antes da boite Rawbow, bons tempos
Eu tive a grande satisfação de saborear diversas vezes ás Batidas do Mestre Manequito, em 1992 eu era Soldado do EB e junto com diversos soldados iamos sempre ao Bar do Manequito, onde ele tinha muita satisfação em receber os Boinas Verdes, boas lembranças!!!
Ponto de encontro da boa gente sergipana!
Muitos porres tomamos naquelas mesas compridas principalmente quando brincavamos de Escravo de Jó. Kkk
Outro amigo assíduo do Manequim era o nosso também saudoso Dinho Duart
Bela homenagem !