Marcos Cardoso*
Os policiais nunca se interessaram tanto pelos cargos públicos bianualmente colocados em disputa nas eleições nacionais. Antes arredios à ideia ou limitados por força da lei, os policiais civis ou militares e até oficiais oriundos das forças armadas descobriram que, mais importante do que ter voz ativa, eles formam uma tropa capaz de interferir até nos rumos do país.
O que acontece na disputa eleitoral na capital sergipana neste 2020 é bem típico: nada menos que cinco delegados de polícia se insinuaram pretendentes à Prefeitura de Aracaju.
Neste momento, são pré-candidatos a prefeito os delegados Paulo Márcio (DC), Danielle Garcia (Cidadania) e Georlize Teles (DEM), que ainda vai confirmar sua decisão nesta terça ou na quarta-feira, 16, último dia das convenções partidárias.
A delegada Katarina Feitoza (PSD) já confirmou que é candidata a vice-prefeita na chapa encabeçada pelo atual prefeito, Edvaldo Nogueira (PDT), que mais uma vez disputa a reeleição.
E o PSOL se decidiu pelo professor Alexis Pedrão, mas também cogitou um nome da Secretaria da Segurança Pública de Sergipe, o delegado Mário Leony.
Os demais prováveis candidatos a prefeito de Aracaju são o ex-deputado federal Márcio Macedo (PT), o ex-prefeito Almeida Lima (PRTB), a professora Gilvani Santos (PSTU), o empresário Lúcio Flávio (Avante), o deputado estadual Rodrigo Valadares (PTB) e o advogado Juraci Nunes (PMB).
O portal UOL de domingo chamou atenção para o fato inédito que acontece em Aracaju e se repete nas capitais do Nordeste, onde a eleição para a prefeitura foi tomada por policiais e profissionais ligados à área de segurança pública. Oito das nove cidades terão candidatos “xerifes”, apenas São Luís fugindo à regra.
Se um delegado ou delegada eleger-se prefeito será a primeira vez em quase 90 anos que Aracaju terá o governo de um profissional que usa uma pistola como ferramenta de trabalho.
Em 1933, o coronel Francisco de Souza Porto, do PP, foi nomeado intendente da capital. Repetia-se ainda uma prática da Velha República, quando muitos intendentes eram grandes proprietários de terra com patentes de militares, alguns oficiais das forças armadas, como o almirante Amintas José Jorge, PR, intendente de 1926 a 30.
Nomeados pelo governador, alguns eram homens sem experiência na política. Um delegado ou delegada sem essa experiência tem competência para administrar uma cidade do porte de Aracaju? Paulo Márcio ou Danielle Garcia saberá ser prefeito ou prefeita?
E a delegada Katarina Feitoza, que tem tudo para assumir a Prefeitura de Aracaju caso o favorito Edvaldo Nogueira seja reeleito agora e se desincompatibilize em 2022 para concorrer ao governo do Estado? Saberá ela gerir os dois anos e meio que lhe restarão como prefeita?
Só o tempo e as circunstâncias vão dizer. A verdade é que não somente eles, mas a maioria dos que se apresentam como candidatos é inexperiente e tem pouco ou quase nenhum conhecimento de gestão.
Militarização da política
Neste final de legislatura, a Câmara Municipal de Aracaju conta com três vereadores que fizeram carreira na Polícia Militar: Cabo Amintas (PSL), Cabo Didi (PSC) e Sargento Vieira (Cidadania).
A PM também tem representação na Assembleia Legislativa, com o Capitão Samuel (PSC). No Congresso Nacional, Sergipe tem o senador Alessandro Vieira (Cidadania), que é delegado de polícia e foi delegado-geral da SSP no governo Jackson Barreto.
A onda Bolsonaro, um capitão da reserva do Exército, multiplicou o número de profissionais da segurança pública eleitos em 2018. No total, 32 candidatos que se declararam policiais ou com patente militar – da ativa, da reserva ou reformados – foram eleitos para a Câmara dos Deputados, contra 10 da legislatura anterior. Três são delegados federais e nove são delegados civis.
Para o Senado foram eleitos dois delegados civis e dois policiais militares, incluindo o Major Olimpio, que obteve mais de 9 milhões de votos no Estado de São Paulo. Ele é do PSL de Bolsonaro, cujo número de deputados saltou de oito para 52 após a eleição, incluindo 13 militares. O ex-policial Hélio Negão foi o mais bem votado do Rio de Janeiro.
Para as Assembleias Legislativas dos 27 estados do país foram eleitos 73 policiais civis e militares, sendo que 23 são delegados. Completam a tropa três governadores com carreira militar, um do Exército (Coronel Marcos Rocha, RO), um da Marinha (Wilson Witzel, RJ) e outro do Corpo de Bombeiros (Comandante Carlos Moisés, SC).
“Significa que hoje diminuiu o ranço contra os militares. O afastamento do regime militar foi diminuindo esse preconceito”, admitiu logo após a eleição o general da reserva Augusto Heleno, hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional e um dos principais conselheiros do presidente.
Já são 6 mil militares ocupando cargos no governo Bolsonaro.
Por sustentar que a segurança é a mais alta prioridade social, a ideologia militarista defende que a sociedade é servida de maneira mais eficiente quando governada ou guiada por pessoas oriundas da cultura militar.
Os militaristas também acreditam que estão mais preparados para a função política por serem menos vulneráveis à corrupção. O que nem sempre é verdade, bastando verificar o registro da história desde o primeiro golpe militar, aquele que instituiu a República do Brasil em 1889.
*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.