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Memórias sobre o militar de esquerda João Teles de Menezes

Por Afonso Nascimento *

Quem quiser escrever sobre o major João Teles de Menezes terá de enfrentar, em algum momento, a questão do arquivo pessoal desse militar comunista. Segundo diversos relatos, teria havido um assalto a sua casa na rua Urquiza Leal e o ladrão teria levado o tal arquivo. Um ladrão anticomunista? Com muita cautela, penso que esse arquivo deve ter sido resgatado por algum membro do PCB em algum momento de caça aos comunistas de Aracaju. Ou então pode ter sido subtraído por algum agente da repressão. Se isso tivesse acontecido, poderia ter sido usado esse arquivo como peças de acusação de processo a que o major responde junto à Justiça Militar.

Outro problema é saber onde o major de esquerda viveu. A escritora e pedagoga Tereza Cristina Cerqueira entrevistou a filha do major Etodéa. No seu livro (Catálogo das Escolas Municipais de Aracaju” Aracaju: Sercore,2000, p.134) diz que, quando o major voltou a viver em Aracaju, ele entrou em contato com o militante comunista Júlio Bispo dos Santos (p.135). Mas não é dito de onde ele e a sua família estavam vindo.

“Meu soldadinho de chumbo”. Era assim que Heronita Nascimento Teles, a esposa do major, carinhosamente, segundo depoimento de Etodéa prestado a Tereza Cristina Cerqueira (CERQUEIRA, p.134), o chamava. Gostava de festas, de pescar. Fumava e bebia. Uma mulher cheia de vida. Nas festas de São João se divertia até não poder mais. Explodia bombas de breu. Depois de um certo tempo, o major pegava a sua camionete e só reaparecia no dia seguinte. Ela não descansou enquanto não descobriu o paradeiro do major, quando de sua prisão em 1952. Morreu depois do major. Ela e o major tiveram oito filhos: Eurípedes, Etodéa, Hermínia, José, Juarez, João Alberto, Clotildes e Eraldo. Hoje os seus netos são cerca de cinquenta.

Quais os autores que o major de esquerda teria lido? Segundo a Heronita, esposa do militar, ele teria lido “autores positivistas e os enciclopedistas franceses” e que, no Quartel de Natal (RN) teria lido o Manifesto Comunista, escrito Frederico Engels e Carlos Marx (Cerqueira, p.135). Essa declaração é importante, mas precisa ser aprofundada com outras fontes.

Major João Teles e a esposa Heronita (Clique na foto para ampliar)

Durante anos, o major viveu com três mulheres, isto é, a sua esposa, a filha Etodéa e sua neta Olga. A sua filha Etodéa seria uma pessoa imprescindível na vida do major. Ela era a administradora dos negócios do major, tendo hoje a idade de noventa e cinco anos. Fazia um pouco de tudo, inclusive dirigir a camionete e o trator da fazenda. Foi candidata a deputada estadual pela UDN, porém não obteve êxito.

Outra Etodéa, essa neta e juíza de Direito aposentada, se lembra da “festa” que era a colheita de coco na fazenda do avô. Pilhas e mais pilhas de coco eram feitas antes de serem transportadas para uma certa fábrica de leite de coco no bairro Industrial.

A sua neta Olga declarou que o major desmembrou uma grande fatia de sua fazenda e a vendeu antes de morrer. Com dinheiro dessa venda, comprou uma casa de classe média para cada um dos seus filhos e de suas filhas. A juíza aposentada informou que ninguém ficou rico com a herança de seu avô. Informou ainda que o seu avô tinha dois sítios, ou seja, Aracajuzinho e Aracaty.

O médico Henrique Batista foi funcionário técnico da Cooperativa Sergipense de Leite (CSL) e ficou muito próximo de major. Quando se formou em Medicina, tornou-se o seu médico particular. Por ocasião da morte do major, ele estava fora de Aracaju. Sobre o major, disse que era um humanista, mas não quis prestar mais informações sobre o major.

O médico José Teles de Mendonça, famoso por fazer transplante de coração, neto do major, declarou que conviveu com o avô até se tornar estudante de Medicina. Lembrou de muitos passeios à fazenda do major, onde aprendeu a andar de cavalo, participar de pescarias, etc. Preferiu falar dessas memórias pessoais a falar da política do major.

Geralmente, os netos do major comunista têm evitado falar sobre as suas atividades políticas. Mas se lembram de alguns nomes que frequentavam o sítio e fazenda do major: Marcélio Bonfim, Mílton Coelho, Jackson Barreto, Gilberto “Burguesia”, Wellington Paixão, Leandro Maciel, Wellington Mangueira, dois filhos de Gilberto “Burguesia”, Agonalto Pacheco, entre outros.

Não vou comentar aqui, com todo o respeito, o pequeno artigo de Antônio Samarone de Santana sobre o major, que também é um depoimento de membro da família do major João Teles de Menezes, porque ele contém várias informações que precisam ser verificadas. Não deixarei de dizer, todavia, que o autor mencionado não consegue dizer que o major era comunista, em um texto escrito em 2017. Ele fala em “causa”.

O historiador Jorge Carvalho também prestou um depoimento interessante. De acordo com ele, o seu pai foi expurgado do Exército por ser denunciado como comunista. Ele possuía uma bodega no bairro 18 do Forte, espaço geográfico onde viviam muitos comunistas, que era frequentada pelo major e outros comunistas. (O bairro Siqueira Campos era outro reduto comunista, na então zona periférica de Aracaju.). Contou ainda que, com a chegada ao 28 BC de um certo major Silveira, este militar passou a frequentar a bodega de seu pai e, em tom desafiador, dizia que queria encontrar o tal do major.

O historiador Ibarê Dantas lembrou, em conversa recente que tivemos, que entrevistou o major em 1970, em preparação de seu livro sobre o tenentismo. Disse-me que ficou impressionado com a forma segura e objetiva com que o major respondia as perguntas que lhe fazia. De acordo com Ibarê Dantas, no seu livro sobre a tutela militar em Sergipe, o major era um “convicto seguidor da doutrina comunista, jamais dissimilou seus princípios. Em 1964, apesar da idade avançada, voltou a enfrentar a prisão com a mesma altivez das vezes anteriores” (Dantas, Ibarê. A tutela militar em Sergipe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p.74). Esse militar de esquerda precisa mesmo ser reabilitado.

* É professor de Direito da Universidade Federal de Sergipe

 

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