Por Murilo Xavier Flores e Manoel Moacir Costa Macêdo *
A história da humanidade segue os caminhos da produção e consumo de bens e mercadorias. Uma rota, onde uns ganham e outros perdem. A sobrevivência humana exigiu a coleta e caça de alimentos, até a “Revolução Agrícola, por volta de 12 mil anos atrás”. A produção e distribuição de comida, expõe o padrão de desenvolvimento das sociedades. Nem sempre produzir muito garante o acesso ao alimento. O Brasil é um grande produtor e exportador de alimento, e está entre os países que detêm os piores índices de distribuição de renda e de qualidade de vida. Uma pequena parte da população tem padrão de vida de mundo desenvolvido e a maior parte sobrevive com dificuldade de acesso aos itens básicos, como comida. A mudança de perfil de um país rural para urbano leva o imaginário, principalmente da classe média urbana, alimentar o tradicional dilema entre o rural como atrasado, e o urbano, como avançado. A mesma classe média procura os espaços rurais, como lazer. Atualmente, mais de 80% da população brasileira está urbanizada.
Nos anos cinquenta, dois produtos agrícolas lideravam as exportações brasileiras: café e algodão. Com as ponderações, sete décadas adiante, as commodities lideram a pauta de exportações, desta feita, soja e grãos, incluídos o milho e o algodão. O tempo passou, mas a inserção na economia internacional do trabalho foi mantida. A atualidade expõe a dependência de bens estratégicos, desigualdade social e persistência da fome. O país retornou ao mapa da fome, situação agravada pela pandemia do coronavírus. Inexplicável por sua renda média, a décima segunda economia mundial, e expressiva produção agropecuária. Enquanto produzimos um agronegócio robusto, competitivo, tecnológico em grandes extensões de área, uma parcela de grandes propriedades apresenta baixa produtividade e exploradora dos recursos naturais, de forma predatória. Os agricultores familiares, com exceções no sul e sudeste do país, ficam a margem de inovações, aumentando a diferença social no campo.
Ainda que tardiamente em 1995, oficializado pelo decreto presidencial em 1996, foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF. Demanda da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura – CONTAG, adiante apoiada por outros movimentos de agricultores, numa aliança entre governo e movimento social. Abstração teórica do Farmers first. Inédito programa de crédito rural, com governança local pelos agricultores familiares, e controle da burocracia bancária, na alocação dos recursos públicos e subsidiados. Iniciado como “PRONAF Custeio e PRONAF Investimento”. Em valores atualizados, o total de crédito repassado pelo PRONAF em 1999, em números redondos, foi de R$ 8 bilhões. No ano de 2017, alcançou R$ 21 bilhões. Uma relevante evolução. Como determina a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, o agricultor familiar tem a definição seguinte: “Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I – não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II – utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III – tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento. IV – dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família”.
É relevante para a economia nacional a participação da grande produção agropecuária, o empreendedorismo dos produtores rurais e a contribuição ao Produto Interno Bruto – PIB brasileiro. Ela produz e exporta as commoditiesagrícolas. Noutra perspectiva, estão os agricultores familiares, que cultivam lavouras alimentares, preservam a biodiversidade crioula, principalmente no Nordeste brasileiro e criam pequenos animais para a sobrevivência familiar e o abastecimento das mesas dos brasileiros e brasileiras urbanos. No artigo sobre a “agricultura familiar e consumo de alimentos”, o professor Rodolfo Hoffmann da Universidade de São Paulo – USP, concluiu que o“[…] o valor monetário de toda a produção da agricultura familiar corresponde a menos de 25% do total das despesas das famílias brasileiras com alimentos”. Evidência identificada pelo Censo Agropecuário Brasileiro de 2017: “22.88%, a participação da agricultura familiar no valor total da produção”. Extraordinária contribuição da agricultura familiar à alimentação de um país continental.
O PRONAF, não parou de evoluir. Ultrapassou o custeio e o investimento para inovadores programas: PRONAF Agroindústria, PRONAF Agroecologia, PRONAF Jovem, PRONAF Mulher, PRONAFMicrocrédito e PRONAF Cotas-Partes. O número de contratos firmados na safra 1995-1996 totalizou 184.033 e saltou para 2.546.517 na safra 2005-2006, quando alcançou seu maior número. Medidas ainda são necessárias para o equânime alcance do PRONAF em todas as regiões e na diversidade dos agricultores familiares brasileiros. Atualmente, o PRONAF incorpora em maior monta os agricultores familiares do sul do Brasil, em suas tradicionais formas organizativas, a exemplo das cooperativas. Ainda estão afastados, os agricultores mais vulneráveis, predominantemente nas regiões Nordeste e Norte do Brasil. A importância da agricultura familiar exige políticas públicas com as especificidades e abordagens territoriais e uma agenda atualizada no plano nacional. Ela não carece de distinções, mas de sobrevivência e prioridade, diante da sua importância alimentar, social, econômica e ambiental.
* São engenheiros agrônomos.