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No Candomblé, sacrifício de animais permite trocar energia

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As religiões de matriz africana são perseguidas desde que chegaram às terras do pau-brasil, no início do século 16. Mais de 500 anos depois, apesar de na teoria a Constituição Brasileira garantir que o país é um Estado laico e resguardar a liberdade de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos pela Legislação Federal, ainda há muito chão a se conquistar na prática.

Visto como algo penoso pela sociedade, o sacrifício de animais, para adeptos do Candomblé e de outras religiões oriundas da África, representa uma troca de energia vital com os deuses e com a natureza. De acordo com o último censo do IBGE, menos de 1% da população brasileira pratica as religiões de matrizes africanas. O balanço detalha ainda que há cerca de 407 mil praticantes da umbanda, 167 mil do candomblé e cerca de 14 mil de outras religiões com diretrizes africanas.

Comendo diferente

Para o Candomblé, o sacrifício animal e a alimentação dos adeptos são pilares essenciais na perpetuação da religião. “Nós comemos diferente porque fomos escravizados e obrigados a comer coisas que não comíamos na África. Descobrimos nesses alimentos temperos e valores diferenciados, mas que tinham um grande sabor”, explica Mãe Elza de Iemanjá, do terreiro Ilê Asé Egbé Awo.

Para ela, o preconceito e a desinformação são empecilhos para o entendimento da prática da imolação dos bichos. “Somos demonizados. Isso é uma grande hipocrisia. O ato de se alimentar é uma necessidade para se manter vivo. Cada tradição e cada país come de uma maneira diferente”, argumenta a religiosa.

“O orixá não existe sem se alimentar. O sangue é o alimento mais forte, por excelência, o orixá só é assentado [quando se cria local para o culto ao orixá] através do sangue. E não existe a religião sem orixá, porque eu acredito que esses orixás não estão dispostos a deixar de comer”, diz o estudioso. Nas cerimônias de liturgia dos cultos, após alimentar o orixá, grande parte do animal sacrificado é consumida entre os presentes no culto.

Defensora animal critica

Para a ativista da causa animal Goretti Queiroz, o sacrifício de animais em cultos religiosos deveria ser considerado crime. “Eu acho um absurdo que os animais sejam alvo de maus-tratos por parte dessas seitas africanas. Eu vejo isso como um crime. Outras religiões oferecem pra frutas e vegetais pra entidades, acho que tem que ser por esse caminho. Acredito na espiritualidade dos animais e acho inaceitável essas cerimônias, principalmente em locais públicos”, explicou.

Por outro lado, o pesquisador de religião e mídia Evandro Bonfim contesta a visão da ativista. “A argumentação das entidades de proteção aos animais geralmente é fundamentada em um evolucionismo, taxando os rituais como obscurantistas, e um universalismo, como se as relações das pessoas com os animais – e os deuses – fossem as mesmas que encontramos no capitalismo ocidental”, salienta.

Ideia racista

Ele assevera que a ideia de tornar crime o sacrifício de animais é puramente racista. “É importante perceber como velhas ideias entram novamente em pauta, cassando direitos como a liberdade religiosa de grupos secularmente perseguidos justamente por tentarem resistir ao apagamento de tudo que realizaram como povo, como é o caso das diversas etnias africanas que fazem parte da população brasileira”, diz Bonfim.

Para a Mãe Elza de Iemanjá, que é uma das organizadoras da Caminhada dos Terreiros de Pernambuco, tudo não passa de hipocrisia. “Algumas pessoas dizem que fazemos um massacre animal. As mesmas compram galinha passaram dias sendo maltratadas em granjas. Ou em grandes, vivem pedindo carnes mal passadas com o sangue escorrendo”, diz a religiosa.

Ela argumenta ainda que a sociedade fecha os olhos para os verdadeiros maus-tratos dos animais em grandes abatedouros. “Quando eu crio uma galinha ou um bode, por exemplo, pra que esse animal no futuro me alimente, eu faço isso de forma muito sagrada. Ele passa anos sendo criado no ambiente que eu convivo. Não existe o massacre que tanto falam”, completa.

Intolerância

A liberdade de crença é uma das garantias do Estatuto da Igualdade Racial, Lei Federal12.288/2010. Já a Lei 9.459, de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões. Ninguém pode ser discriminado em razão de credo religioso.

Apesar do respaldo na Lei, a realidade de quem cultua os orixás diariamente ainda é dura. “Sempre houve uma intolerância religiosa e perseguição contra tudo que é vindo da África.  Mas nós temos o direito da crença, da nossa liberdade religiosa e o direito de comer diferente”, afirma a Mãe Elza.

Entre a resistência da demonização da sociedade às práticas culturais das religiões de matriz africana, os projetos de lei que tentam criminalizar o ato e a grande cadeia de desinformação divulgada pela mídia, os terreiros ainda resistem em Pernambuco.

Para a Mãe Elza, a luta continua diariamente contra o preconceito e o racismo. “Ninguém resistiria a essa perseguição histórica. Nós temos uma força que eles não nos tiram, temos a natureza presente em nós”, aponta. A religiosa conta que os terreiros estão sempre de portas abertas para receber novos adeptos que queiram aprender mais sobre a cultura africana e seus rituais.

Texto de Eduarda Esteves

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