Prof. Dr. Francisco José Alves
Departamento de História – UFS
Para a amiga Denise Albano, filha insigne da terra dos cajus.
O caju ocupa lugar especial entre as frutas do Nordeste. Do anacardiumocidentale, na fala dos botânicos, se come o “fruto” e se faz farinha e sucos. Também se come a castanha, cozida ou torrada. No passado, o caju fazia as delícias dos tupinambá do litoral brasileiro. A tal ponto chegava a importância do “fruto” entre aquele povo que a posse dos cajueirais era motivo de guerra. Todavia, o caju não agradou somente ao silvícola. O colonizador também foi seduzido pelos encantos do fruto brasileiro.
Façamos um breve apanhado do quê cronistas, poetas e romancistas disseram sobre o célebre “fruto”.
Velha nota sobre o caju é dada pelo cronista Pero de Magalhães Gandavo. Em sua História da Província de Santa Cruz, lançada em 1576, o autor descreve o fruto e diz que “o caju come-se para refrescar”, acrescenta ele sobre a castanha que esta é mais gostosa que a amêndoa europeia. Observe-se que,sessenta anos após o descobrimento, o caju já tinha ganhado a fama de fruta saudável entre os europeus aqui aportados.
Ainda do século XVI, temos o informe de Fernão Cardim (1549-1625). O visitante deixou muitos dados relativos ao caju e seus usos. No texto Do clima e da terra do Brasil, louva as castanhas dizendo que elas “são boas para calma e refrescam muito”. O jesuíta informa também que os índios usavam o caju para fazer bebida.
O fazendeiro baiano Gabriel Soares de Sousa (1540-1592), em testemunho de 1587, fornece outra noticia sobre o anacardiumocidentale. Diz-nos o cronista que o caju tinha uso medicinal, sendo usado para combater febres e males do estomago. Vivendo na Bahia quinhentista, o cronista, muito provavelmente, se deliciou com o substancioso caju. Certamente fala com conhecimento de causa.
Dos começos do século XVII vem outra noticia dada pelo Frei Vicente do Salvador (1564-1639). O franciscano nos informa que os índios muito prezavam o caju. Segundo ele, os tupinambá, no mês de dezembro, não queriam“outro mantimento, bebida ou regalo”. O mesmo informante fala-nos que a castanha de caju era muito prezada pelas mulheres brancas. O informe do franciscano dá conta do sincretismo culinário que então se operava: as castanhas de caju vão substituindo as amêndoas europeias.
Do uso das castanhas de caju no lugar das amêndoas também fala o barroco Sebastião da Rocha Pita (1660-1738). Elencando os produtos brasileiros, em sua História da América Portuguesa (1730), ele registra que “as castanhas de caju estando maduras se come assadas e se confeitam como as amêndoas”. O mesmo Rocha Pita informa que dos maturis se faziam excelentes guisados.
O autor dos Diálogos das grandezas do Brasil, para alguns Ambrósio Fernandes Brandão, é outro cronista do século XVII a noticiar o caju. Em um dos diálogos da sua obra, Brandão destaca o caju e a castanha. As castanhas, no dizer do cronista, “são muito gostosas no comer e de muito nutrimento”. O depoente também informa que a população não-indígena havia aderido aos encantos do vinho de caju, herdado dos índios. Pelo paladar, os vencidos haviam conquistado os vencedores.
Aindano século XVII, há a notícia dada pelo jesuíta Simão de Vasconcelos (1596-1671). Em suas “Coisas do Brasil”, o religioso nos diz como era fabricado o vinho de caju. Falando do fruto, o jesuíta é hiperbólico.Segundo ele, o cajueiro é “a mais aprazível e graciosa de todas as árvores da América”. Vasconcelos é mais um a se encantar com o caju e a lhe fazer rasgados elogios.
Os registros continuam no século XVIII. O Frei Antonio de Santa Maria Jaboatão (1695–1768) é uma outra fonte colonial que nos dá nota sobre o caju. Em obra de 1671, o franciscano, além de louvar os cajus, informa que eles “servem aos humanos de singular medicina para alguns achaques.” O registro do frei setecentista documenta a continuidade da crença quanto as virtudes terapêuticas do anacardiumocidentale.
Todavia, não somente cronistas noticiaram o caju, também os poetas da fase colonial celebraram o fruto. Neste rol merece menção o caso do poeta Manoel Botelho de Oliveira (1636-1711). O fruto figura em seu Música do Parnasso, vindo a lume em 1705. Verseja o artista: “de várias cores são os belos cajus/ uns são vermelhos outros amarelos/ e como vários são nas várias cores/ também se mostram vários nos sabores.” Outro poeta, o baiano frei Manoel de Santa Maria Itaparica (1704-1768), em versos grandiloquentes, retrata o fruto: “inumeráveis são os belos cajus/ que estão dando prazer por rubicundos”. Arremata o poeta dizendo da superioridade da castanha de caju sobre as amêndoas europeias.
Outra noticia poética do caju, vem de José Bonifácio de Andrada e Silva, dito “O Moço” (1827-1886), parente do patriarca da Independência. Em Rosas e Goivos, lançada em 1848, o Andrada se vale do caju como símile poético: “nos curtos lábios o jambo/ seus perfumes exalavam tão doces como o caju”. A partir de então, o caju terá presença frequente na literatura,conotando sempre doçura e suavidade, como nos versos do Andrada.
Com o romancista José de Alencar (1829-1877), atinge o caju sua apoteose literária. O fruto figura em romances como O Guarani (1857); Iracema (1865); As minas de Prata (1865); Sonhos do Ouro (1872); A guerra dos mascates (1873); e em Ubirajara (1874), último romance do autor. Em A Guerra dos Mascates, o narrador pinta uma cena de almoço: “vem o infalível manjar branco, em seguida as castanhas de caju confeitas”. Isto é, confeitadas. Nesta cena de Alencar, a castanha de caju adocicado já ganhou a cidade.
Após Alencar, o caju não deixou de figurar nasletras do Brasil. Pré-modernistas e modernistas documentam o fruto. Estes escritores registram, inclusive, o uso do caju como demarcador de tempo: “tempo dos cajus” e “chuvas dos cajus”. Este é o caso de Franklin Távora (1842-1888) em O Matuto (1878) e Euclides da Cunha (1866-1909) em Os sertões (1902).
Figura, enfim, o caju, em um monumento da literatura nacional, Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa.Em um passo da obra, o narrador retrata o caju como um componente da dieta do sertanejo.Diz o texto: “outro [homem] trazia um embornal de couro cheio de cajus vermelhos e amarelos”.
Como se vê, o caju tem merecido variados registros ao longo dos séculos. Essa constância parece evidenciar o quão importante tem sido o anacardiumocidentale, o nosso caju.
FONTES UTILIZADAS:
GANDAVO, Pero Magalhães. História da província de Santa Cruz. São Paulo: Edusp, 1980. p. 98.
CARDIM, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1978. p. 38.
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1987.
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. 6 ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975. P. 66.
PITA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Prefácio e notas de Pedro Calmon. Rio de Janeiro: W.M. Jackson, 1950. Livro I, § 39
BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das Grandezas do Brasil. edição de Jaime Cortesão e Rodolfo Garcia. Rio de Janeiro: Dois mundos, 1943.
VASCONCELOS, Simão. Crônica da Companhia de Jesus no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1977.
JABOATÃO, Antonio de Santão. Novo Orbe Seráfico brazilico. Rio de Janeiro: IGHB, 1858. vol 2, livro 1, p. 27.
OLIVEIRA, Manoel Botelho de. Música do Parnasso. Lisboa: Miguel Menescal: 1705. p. 131.
ITAPARICA, Manoel de Santa Marica Eustachidos. Sem notas Tipográficas, Sem data, p. 125.
ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Rosas e Goivos. São Paulo: Typographia Liberal, 1848. p. 79.
ALENCAR, José de. A Guerra dos Mascates. Rio de Janeiro: Garnier, 1873. v. 1, cap. 13, p. 151.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. p. 538.
(Artigo publicado no jornal Correio de Sergipe, em 10 de Maio de 2017)