Pelo professor Francisco José Alves do DHI – UFS
No Nordeste, a festa de São João é certamente a mais popular. A ela se agregam itens da culinária, da dança, da lúdica e das crendices. É evento multifacetado. Sua origem, no parecer dos peritos, é portuguesa. Faz parte do grande legado luso que compõe a cultura brasileira. Pode-se dizer que a festa chegou junto com o colonizador, pois desde o século 16 há notícias dela.
A mais velha nota, até onde sei, sobre a festa de São João no Brasil remonta aos anos de 1583 a 1590. Consta em um relatório do jesuíta Fernão Cardin (1540-1625).Reportando a visita do provincial da ordem jesuíta à Bahia, o religioso menciona que os índios da aldeia de São João manifestam gosto particular por três festas introduzidas pelos jesuítas: a primeira é o São João, mais precisamente “as fogueiras de São João”. No dizer do padre, as aldeias “ardem em fogueiras” e os índios saltam elas com desenvoltura e alegria. As outras duas festas do calendário católico apreciadas pelos índios, segundo Cardin, são o Domingo de Ramos e a Quarta-feira de Cinzas.A menção deixa evidente a antiguidade do costume de “saltar fogueiras de São João”.
Ainda na era colonial, temos outra notícia da festa de São João, datada de 1627. O seu autor é o Frei Vicente de Salvador (1564-1639), insigne cronista dos séculos iniciais do Brasil. Ele documenta a festa em tela entre os potiguar da Paraíba no ano de 1603. Conforme o franciscano, os potiguar catequizados, como os índios da aldeia de São João, “muito gostavam das fogueiras” e somente vão às festas quando “há alguma cerimônia”.
Os testemunhos de Fernão Cardin e Frei Vicente Salvador comprovam a antiguidade da festa de São João no Brasil. Ao que parece, o costume logo caiu no gosto dos índios e dos mestiços. A festa virou tradição varando séculos. Sua continuidade é atestada por testemunhos ao longo da Colônia, como vimos, e do Império.
São inúmeras as descrições das festas de São João pelo Brasil no período Imperial. Temos notícias do São João em Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Reportemos algumas delas.
Uma vívida descrição do São João em Pernambuco, particularmente no Recife, é dada pelo proto-jornalista do Brasil, o padre Miguel Sacramento Lopes Gama (1793-1852), conhecido como Lopes Gama. Em um dos números do seu o carapuceiro (1857), Lopes Gama documenta os diversos traços do São João oitocentista naquela província. Consta da festa: saltar fogueiras, comer bolos e milhos, soltar foguetes e busca-pés, disparar ronqueiras, louvar o santo e efetuar as conhecidas adivinhações.
O São João pernambucano de fins do século 19 é relatado, também, pelo folclorista Francisco Augusto Pereira da Costa (1851-1923), obstinado colecionador das coisas de Pernambuco. A descrição da festa figura em obra lançada em 1908. Pereira Costa, como é conhecido, documenta a festa com os seus elementos constituintes. Menciona as fogueiras, os disparos de ronqueiras e bacamartes, a canjica de milho verde e os clássicos bolos de São João. Também elenca as muitas adivinhações realizadas na festa e descreve um traço local: os “banhos sanjoaneiros”, tidos como propiciadores da felicidade do banhista.
Ainda dos oitocentos, há outros registros da famosa festa. Um deles é dado por um estrangeiro que nos visitou em 1869: Sir Richard Francis Burton (1821-1890). O diplomata e erudito retrata a festa de São João em Alagoa Dourada (hoje Lagoa Dourada), então Vila de Minas Gerais. Sobre ela, o autor destaca alguns itens: a elevação do mastro, a saltação da fogueira, as premonições de casamentos, o canto de loas próprias, a soltação de foguetes e de busca-pés. Anota o aristocrata que “moleques e negrinhos atiram busca-pés nas pernas dos passantes”. O inglês, ao que parece, não apreciou muito a festa.
O São João do século antepassado foi ainda etnografado no Rio de Janeiro. O registro, desta feita, é do folclorista e historiador Alexandre José de Melo Moraes Filho (1844-1919). Em obra lançada em 1901, o autor pinta o São João carioca no século XIX destacando alguns aspectos ou componentes. Melo Moraes fala das pistolas, foguetes, busca-pés e rojões. Menciona a canjica de milho verde, os bolos de São João, a plantação do mastro e a consulta aos livros de oráculos, como os dados da fortuna e a roda destino. Menciona também os cantos típicos da festa
Conforme o folclorista, o São João carioca do oitocentos tinha participação universal. Nele se integravam os ricos fazendeiros e barões, mas também os escravos e negros de ganho, a gente humilde ou menos afortunada. Menciona o memorialista, no rol dos ritos da festa, um curioso costume: “(…) plantava-se um alho: se amanhecia grelado, obtinha-se o que se desejava”. Tal pratica fazia parte dos muitos ritos premonitórios ligados a festa do santo primo de Jesus.
Eis, em largos traços, o São João brasileiro na Colônia e no Império.
FONTES UTILIZADAS:
CARDIM, Fernão. Informação da missão do Pe. Cristóvão Gouveia as partes do Brasil. Em: Tratados da terra e gente do Brasil. 5. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional. 1978. p. 191
SALVADOR, Vicente de. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1975. Livro 4º. Capítulo 39. p. 286
GAMA, Lopes. Os festejos de São João. Xxxx, Recife, n. 23. 05 de Julho de 1737. Em: O carapuceiro. São Paulo: Cia das Letras, 1998. p. 209-217.
COSTA, F. A. Folclore Pernambucano. Revista do IHGB. Rio de Janeiro, Tomo 70. Parte II. P. 641.
BURTON, Richard. Viagens aos planaltos do Brasil. São Paulo: Cia editora Nacional, 1941. p. 242-246.
MORAES FILHO, José Alexandre de Melo. Festas e tradições populares do Brasil. Brasília: Senado Federal. p. 97-104.