Marcos Cardoso*
Há quase 33 anos, no dia 25 de janeiro de 1990, Dom Hélder Câmara, arcebispo emérito de Olinda e Recife, esteve pela última vez em Aracaju. Veio a convite da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe para proferir uma palestra sobre “O desafio da pobreza e a realidade brasileira”. Um tema recorrente na vida daquele que foi declarado Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos. O presidente da OAB era o irrequieto Clóvis Barbosa de Melo.
Ele falou em esperança no governo de Fernando Collor, iniciado naquele mês, defendendo a livre manifestação do povo nas urnas como uma “virtude democrática”. A eleição presidencial de 1989 foi a primeira em quase 30 anos e Collor derrotou Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno.
Também disse ter assistido com esperança a queda do Muro de Berlim, evento de importância para a humanidade, acontecido poucos meses antes, mas ainda se preocupava com a possibilidade de novos conflitos mundiais. “É preciso rezar e trabalhar muito para que as superpotências não voltem a promover uma nova guerra mundial”.
E, claro, defendeu a opção preferencial pelos pobres como bandeira da Igreja Católica, tema que só seria efetivamente levado a sério pelo Papa Francisco, cujo pontificado Dom Helder não alcançou. Ele morreu em agosto de 1999, aos 90 anos. O cardeal Jorge Mario Bergoglio só foi entronizado no Vaticano em março de 2013.
A opção pelos pobres rendeu a Dom Helder perseguições pela ditadura militar e admoestações da própria Igreja. Foi acusado de ser comunista e taxado de “arcebispo vermelho”. Sofreu a censura da imprensa, onde tinha como um dos mais severos algozes ninguém menos que Nélson Rodrigues. “D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva”, pilheriava o jornalista e teatrólogo.
Coincidentemente, seu governo na Arquidiocese de Olinda e Recife durou o mesmo tempo da ditadura militar, de 1964 a 1985. Quando se desligou dos afazeres da Arquidiocese, o papa João Paulo Segundo nomeou um arcebispo conservador, Dom José Cardoso Sobrinho, que desmontou a estrutura erguida por Dom Helder, afastou pelo menos 30 padres e extinguiu o Instituto de Teologia, o Seminário da Arquidiocese e a Comissão de Justiça e Paz. Na palestra que fez em Aracaju, recusou-se a falar sobre esse assunto.
Dom Helder foi um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que deve a ele ter conseguido a autorização do Vaticano para sua fundação em 1952. Foi Cidadão Honorário de 28 cidades brasileiras e estrangeiras e doutor honoris causa de 32 universidades do Brasil e do exterior.
Foi indicado quatro vezes ao Prêmio Nobel da Paz, sendo que, em 1970, o próprio ditador Emílio Garrastazu Médici dirigiu uma campanha para que ele não fosse o premiado. O que de fato nunca aconteceu.
Em maio de 2014, a Arquidiocese de Olinda e Recife enviou carta ao Vaticano solicitando a abertura de processo de canonização de Dom Hélder Câmara, que desde 2015 já é reconhecido como Servo de Deus, primeira etapa do processo de beatificação. No último dia 15 de novembro, a Arquidiocese anunciou a validação jurídica de todo o material enviado a Roma para o processo de beatificação e canonização, o que pode torná-lo venerável em breve.
E também no mês passado, o acervo de Dom Helder Câmara foi tombado pelo Governo de Pernambuco, reconhecendo a importância de dimensão estadual, nacional e internacional dos cerca de 210 mil itens que contam a história do arcebispo de Olinda e Recife, o “arcebispo vermelho”, aquele que fez a opção pelos pobres e nunca se rendeu aos poderosos.
PS. Na foto, em 25 de janeiro de 1990, na sede da OAB em Sergipe, ladeado pelo professor José Silvério Leite Fontes e pelo presidente da casa, advogado Clóvis Barbosa de Melo, o arcebispo emérito de Olinda e Recife Dom Helder Câmara concede entrevista para os jornalistas Marcos Cardoso (Jornal da Cidade), Adiberto de Souza (Jornal da Manhã), Marcelo Brandão (Gazeta de Sergipe ou Jornal de Sergipe) e outro não identificado. Fotógrafo também não identificado.
*É jornalista.