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O cerco se fecha

Marcos Cardoso*

Esticaram a corda. Ainda bem. Bolsonaro calculou que seria fácil ganhar esse cabo-de-guerra, mas a resistência democrática é forte. A democracia brasileira construída com tanto sacrifício resiste.

Estava acostumado a levar com facilidade. Não era notado e nunca precisou de discurso elaborado, bastava berrar uns tantos impropérios antidemocráticos e preconceituosos, uma mão na pistola, outra na Bíblia, ora batendo continência para a bandeira americana. Depois que entrou no Palácio do Planalto sua vida virou um inferno, não sem antes levar uns 600 mil para o cemitério.

O sonho de ser um Pinochet, um Stroessner – ou um Hitler? – continua vivo, ainda alimentado por militares e políticos carreiristas e inescrupulosos. Para espanto dos apressados crédulos de que a caserna e o parlamento pudessem evoluir e mudar para melhor.

Mas a resistência democrática é forte.

Bolsonaro dobrou a aposta golpista nas ameaças à realização das eleições de 2022 caso o voto impresso não seja aprovado pela Câmara e convocou um inédito desfile de blindados e tanques de guerra sobre a capital do país nesta terça-feira, 10, quando os deputados se preparam para votar o esdrúxulo projeto.

Arrasta as forças armadas para mais um vexame, mas sabe que vai perder. O “voto impresso e auditável” foi derrotado na Comissão Especial da Câmara e será derrotado no plenário. Culpa do ministro do STF Luiz Roberto Barroso, que, segundo Bolsonaro, “apavorou os parlamentares”.

Poucos dias antes, quando ameaçou as eleições pela undécima vez, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo finalmente reagiram com a força necessária: o TSE abriu um inquérito administrativo para investigar os ataques infundados e as reiteradas ameaças e o STF o incluiu como investigado no Inquérito das Fake News.

O boca-rota esperneou, voltou a atacar Barroso e Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo. Até o presidente da Corte, Luiz Fux, nosso Elvis Presley de peruca, o alertou “sobre os limites do exercício do direito da liberdade de expressão, bem como sobre o necessário e inegociável respeito entre os Poderes para a harmonia funcional do País”. Pode não ser nada, mas já é alguma coisa.

Presidente do Senado, o tolerante Rodrigo Pacheco parece ter perdido a paciência e repudiou “toda alegação que pregue a ilegalidade, a ruptura ou algo fora do comando constitucional”.

Já Arthur Lira, o agente do governo que está passando a boiada na Câmara, quis agradar o chefe e acabou apontando a solução para a PEC do golpe eleitoral: levando o assunto para a deliberação da maioria acabará o enterrando de vez.

Ele chamou de coincidência trágica a exibição de blindados na Esplanada dos Ministérios e implorou que o resultado do Plenário seja respeitado, caso contrário, Bolsonaro “queimará pontes” com o universo político. E se depender do vice-presidente Mourão, com a derrota do malfadado projeto não há mais o que fazer.

Pressão interna, pressão externa. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) deu entrada nesta segunda-feira, 9, com uma denúncia no Tribunal Penal Internacional de Haia contra Bolsonaro. O coletivo alega que o presidente cometeu crimes contra a humanidade e genocídio por, entre outros, ter incentivado invasão de terras indígenas por garimpeiros.

É a terceira denúncia apresentada contra Bolsonaro, o que pode fazer dele o primeiro presidente brasileiro a ser réu em Haia.

Se governos europeus já demonstraram preocupação com o desfile militar intimidatório, ampliando a fama de Bolsonaro como pária internacional e ameaçando o comércio do Brasil com a Europa, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a própria ONU já vinham dedicando atenção à questão eleitoral.

Agora, foi Joe Biden quem mandou um recado para Bolsonaro e seus ministros militares. O conselheiro de segurança dos Estados Unidos, Jake Sullivan, foi enviado para “pedir” que ele não interfira ou prejudique as eleições de 2022. A mensagem foi transmitida diretamente durante um encontro com o presidente na última quinta-feira, 5.

Sullivan também esteve com o ministro da Defesa, general Walter Braga Neto, apontado recentemente como o autor da ameaça de golpe ao Congresso caso o voto  impresso não fosse aprovado, e com o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, outro pilar do partido militar.

Segundo informação do portal de notícias norte-americano The Hill, Sullivan demonstrou preocupação com as declarações infundadas de Bolsonaro acerca das urnas eletrônicas e, principalmente, o alertou para que não coloque em prática as ameaças contra o pleito do ano que vem.

Resta esperar qual a próxima investida golpista do zero-um, um atormentado patológico que insiste em jogar fora das quatro linhas da Constituição. Mas é um blefador que vive da intimidação.

 

*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.

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