Por Eugênio Nascimento *
Tem muita gente insatisfeita com o trabalho realizado e publicado pela Comissão Estadual da Verdade (CEV) em Sergipe. Esperava-se que fosse melhor e que o conteúdo que foi divulgado contasse com declarações fortes de políticos e militantes presos ou não e torturados ou não e anda envolvesse mais os segmentos atuantes no período da ditadura militar, que assumiu o governo brasileiro em 1964 e ficou até 1985. Isso decepcionou segmentos atuantes, entre os quais o movimento estudantil, que, a partir do final da década de 1970, era o segmento com maior visibilidade, especialmente depois da Operação Cajueiro que, realizada em 1976, prendeu muitos militantes políticos da esquerda sergipana.
Lembro bem que o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Sergipe (DCE/UFS), nesse período e indo até os anos 1980, organizava eventos e tinha presença confirmada em todos aqueles outros dos movimentos sociais e políticos. A sua sede na rua Santa Luzia, quase em frente à sede da Usina Pinheiro e depois a empresa Robson Turismo, era palco de conversações e debates políticos, além das animadas noitadas de festas que reuniam estudantes, alguns professores, políticos, religiosos e quem mais passasse por lá e se dispusesse a conversar ou participar.
O DCE, que nesse período a que me refiro foi presidido por José Luiz Gomes, na época estudante de Direito e hoje advogado, Clímaco César, estudante de Geografia e hoje professor da UFBA, e Milson Barreto ex-aluno de Engenharia Civil e Economia, hoje atuando na área de TI, entre outros também conhecidos a exemplo de Chico Buchinho (História), Marcelo Déda e Giselda Barreto (Direito), todos membros da tendência Atuação, que tinha Construção na oposição. Esse DCE era de luta e mostrava-se atento aos problemas sociais do Estado e neles os seus quadros estavam sempre na linha de frente ou apoiando as lutas.
Esse DCE a que me refiro, estava na luta dos posseiros de Santana dos Frades, em Pacatuba, a luta dos índios Xocó pelo reconhecimento da Ilha de São Pedro (Porto da Folha) como proprietários da tribo, a luta dos abandonados pelo poder público na Coroa do Meio, em Aracaju; esse DCE se envolvia nas ações da igreja progressista da Diocese de Propriá, sob o comando do bispo dom José Brandão de Castro, além das ações da CAJU (Casa da Juventude).
Mesmo de agenda cheia de compromissos com lutas sociais e políticas, esse DCE não perdia o foco do problemas internos da UFS e discutia questões em pauta como o jubilamento, defendia a criação de mais cursos para gerar mais acesso ao ensino superior gratuito em Sergipe, a contratação (via concurso público) de mais professores e servidores. O DCE também protestava contra a presença de policiais federais no prédios que abrigavam cursos em Aracaju e depois no Campus do Rosa Elze, em São Cristóvão. Todos sabiam que policiais frequentavam o espaço estudantil de olho nos alunos da UFS, principalmente naqueles identificados com os valores da esquerda brasileira. Isso era tentativa de intimidar os estudantes e, evidentemente, os seus líderes eram os principais alvos. Ainda assim, o DCE puxou uma greve geral na UFS por 13 dias, em 1979. O Diretório convocou e os estudantes seguiram a proposta.
A ousadia dos estudantes e seus líderes era observada por todos dentro e fora da UFS. Em nome do compromisso com a volta da democracia ao Brasil, ousava-se, ia-se para as ruas. Mas, além da greve de 1979, chamou especial atenção a coragem dos ex-presidentes Zé Luiz, Clímaco e Milson. Numa visita do então presidente da República Ernesto Geisel (general presidente) a Sergipe, eles foram ao ato de recepção em frente ao Palácio Olímpio Campos situado na praça Fausto Cardoso, na época sede do Governo de Estado, e lá entregaram um manifesto em defesa da liberdade do estudante Edval Nunes, conhecido como Cajá, do curso de Ciências Sociais, da UFPE, e da democracia. Esse ato corajoso deles resultou na sua prisão dos três pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e encaminhados para o Quartel do Comando da PM de Sergipe .
Até hoje Clímaco César chama a sua prisão na visita de Geisel de “primeiro sequestro meu, junto com Milson e Zé Luís”. Dessa prisão resultou a demissão de Clímaco da função de professor do Colégio Arquidiocesano. De fato, o padre Carvalho o demitiu no dia seguinte à visita presidencial. Segundo Clímaco, “eu digo que eu fui sequestrado, porque não tinha mandado judicial nem eu estava em flagrante delito, não havia caracterização de flagrante delito”. Outra questão é que o documento que a gente entregou a Geisel era pela liberdade democrática, mas o principal era exigência da libertação de um estudante torturado em Pernambuco, que se chamava Cajá”, lembrou em recente contato telefônico que tivemos.
Em recente contato, Clímaco lembrou ainda que, “em 1980, eu fui sequestrado novamente quando distribuía um panfleto ali no Colégio Costa e Silva (em Aracaju). Eu fui sequestrado, como eu estava com minha irmã distribuindo panfleto, minha irmã disse que me acompanhava. Depois, ela ficou com medo, queria sair e eles não deixaram mais. Então minha irmã também foi sequestrada”.
Na verdade, essa geração de lideranças estudantis foi espionada pelos órgãos de segurança por muito tempo. Isso foi o caso de Clímaco. Quando abriram os Arquivos do regime militar, de 1984, época em que ele trabalhava na Bahia como geógrafo, os arapongas o colocaram como infiltrado, mas ele foi para Salvador seguindo Carminha, a sua então esposa.
Uma vez formado em Direito, Zé Luís Gomes foi para a região de Santa Maria da Vitória, nas proximidades de Barreira, também na Bahia. Ele foi substituir o advogado Eugênio Lira, que foi assassinado por grileiro no oeste da Bahia. Zé Luiz sofreu muitas ameaças de morte. Mas resistiu.
Milson Barreto e outros e outros continuaram na luta democrática em Sergipe, no enfrentamento da ditadura por todo o tempo. Barreto foi dirigente sindical e do Partido dos Trabalhadores, partido que recebeu parcela significativa dos estudantes que agitavam o movimento estudantil na UFS, mas especificamente ligados à tendência Atuação. O mesmo fez o ex-aluno da UFS, Marcelo Déda, que foi eleito governador de Sergipe pelo PT em 2006, antes disso foi deputado federal e estadual.
Vale lembrar ainda que, em defesa das liberdades democráticas e contra a ditadura, a turma do DCE pichava as ruas e avenidas da capital e de vez em quando, nas madrugadas, eram advertidos por agentes da PF a parar esse tipo de ação. Era um Diretório Central dos Estudantes que chamava a atenção de todos, inclusive os órgãos de repressão, que ficavam de olho na movimentação dos líderes estudantis dentro e fora da UFS.
O DCE da UFS tinha a sua sede aberta aos movimentos e abrigou o Comitê Feminino pela Anistia, com participações marcantes de Núbia Marques, Ana Côrtes, Araci, Carminha, Helena, Naide, Laurinha, entre outras militantes, e foi utilizado para encontros informais que reuniam militantes de partidos políticos que estavam na legalidade ou não e quem mais desejasse se fazer presente.
Os artistas sergipanos tinham sempre porta aberta no DCE. Por isso, era comum encontrar por lá Henrique Souza, Cláudio Miguel (Cataluzes) Irmão, Tonho Baixinho, Jimmy, José e Antônio Amaral, Alcides Melo, Joésia Ramos, Lindolfo Amaral e a turma ligada ao Imbuaça.
Havia a valorização da educação e do ensino público e conversava-se muito sobre isso com a presença de professores e estudantes da UFS e também com secundaristas.
Pela narrativa, dá para perceber que esse DCE da UFS e suas lideranças não poderiam ficar fora do relatório final da Comissão Estadual da Verdade.
* É diretor de redação do Jornal da Cidade