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O financiador das Diretas Já

Marcos Cardoso

Foi bonita a festa promovida pelo prefeito Edvaldo Nogueira, numa noite de sexta-feira, quando homenageou três dezenas de personalidades com a outorga das medalhas do Mérito Serigy e do Mérito Cultural Ignácio Barbosa. O auditório do Tribunal de Justiça lotou com a presença, inclusive, de outros tantos ilustres. O governador Marcelo Déda estava presente, acompanhando atentamente a premiação da primeira-dama Eliane Aquino, também laureada. O operário Anízio Dário Andrade, o promotor de Justiça Valdir de Freitas Dantas e o desportista Jurinha Lobão, importantes sergipanos já mortos, foram homenageados. Isso aconteceu no dia 30 de maio de 2008, ano da reeleição do prefeito.

Edvaldo Nogueira discursa na entrega das honrarias em 2008

Edvaldo Nogueira discursou longamente e citou todos os festejados, ressaltando as qualidades de cada um e justificando as homenagens. Mas chamou atenção o discurso do empresário Walter do Prado Franco Sobrinho, o Walter Franco da TV Atalaia, destacando os valores da democracia e enaltecendo as qualidades dos homens que hoje dirigem o Estado e Aracaju. Quem o conhece não se surpreendeu, porque sabe o que ele fez pela liberdade de expressão e política em Sergipe. O prefeito lembrou que o comício Pró-Diretas não teria acontecido em Aracaju se não fosse o apoio do empresário Walter Franco.

O professor e cientista político Ibarê Dantas, que esteve presente à festa, registrou em livro (A Tutela Militar em Sergipe – 1964/1984) que, em 21 de janeiro de 1984, portanto, há 40 anos, foi lançado no prédio da Assembleia Legislativa o Comitê Pró-Diretas, com a presença de cerca de 500 pessoas, reunindo não apenas os principais nomes jovens da esquerda sergipana — dentre os quais, lembremos Marcelo Déda e Edvaldo Nogueira — pertencentes a todos os partidos oposicionistas do Estado, “mas, também, para surpresa geral, o deputado Walter Franco, do PDS”.

Mais votado com quase 30 mil votos, o empresário havia sido eleito deputado estadual dois anos antes e militava no partido governista. Mas, ao contrário do que propugnavam os militares e os que os apoiavam, tinha consciência da importância da restauração democrática, com eleições livres e diretas para presidente da República e nas capitais.

“Embora o coordenador da campanha Pró-Diretas em Sergipe fosse Jackson Barreto, adversário dos Franco, o deputado Walter Franco foi dos que mais colaboraram financeiramente para a realização do evento. Além de sua ajuda pessoal, conta-se até que teria feito campanha, ao lado dos oposicionistas, no sentido de arrecadar fundos junto a empresários”, registrou Ibarê Dantas, acrescentando que o então prefeito de Aracaju, Heráclito Guimarães Rollemberg, teria, a pedido do comitê Pró-Diretas, instalado o palanque e o sistema de som para o comício na praça Fausto Cardoso, próximo à nova Assembleia Legislativa.

No mundo democrático tudo parece mais fácil, mas naquele quadrante da história realizar um comício daquele porte e com aquele apelo político exigia uma boa dose de resistência. O cientista político lembra que, apesar de todos os meios de comunicação locais virem cobrindo os encontros, que também se realizaram em Propriá, Lagarto, Itabaiana, Simão Dias, Tobias Barreto e Estância, quando chegou a vez do comício de Aracaju, que ocorreu no dia 26 de fevereiro de 1984, as restrições afloraram.

“O Dentel em Sergipe ‘aconselhou as emissoras que evitassem as notícias sobre as manifestações Pró-Diretas’ (segundo publicou o Jornal de Sergipe, na véspera do evento). O senador Lourival Baptista teria declarado que era a favor das eleições diretas, mas não naquele momento, quando o povo estava desorganizado e despreparado. José Carlos Teixeira, embora participasse do movimento no plano nacional, esteve ausente. Indisposto com seus correligionários Jackson Barreto e Nélson Araújo, deixou-os comandar o partido (PMDB) e assistiu, de longe, a eles se projetarem com o movimento cívico das Diretas”, escreveu Ibarê.

Mas nada impediu o êxito do acontecimento. “A massa acorreu à Praça Fausto Cardoso e, segundo cálculos divulgados pela imprensa, cerca de 30 mil pessoas ouviram por quatro horas 21 oradores, entre os quais as grandes estrelas nacionais da campanha das Diretas” — Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Teotônio Vilela e Dante de Oliveira, deputado e futuro governador de Mato Grosso, autor da proposta de Emenda Constitucional número 5, de 2 de março de 1983, que propunha eleição direta para a Presidência da República. “Desde o início dos anos sessenta não se via em terras de Sergipe comício naquelas proporções”, registrou o cientista político.

Com os votos favoráveis de três deputados sergipanos — os oposicionistas José Carlos Teixeira e Jackson Barreto e o situacionista Gilton Garcia —, mas faltando 22 votos para atingir os dois terços necessários à aprovação na Câmara Federal, a emenda foi rejeitada na madrugada do dia 26 de abril de 1984. Mas a semente estava plantada e a legitimidade do regime autoritário estava mais comprometida do que nunca.

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Este texto, originalmente publicado no dia 2 de junho de 2008, no Jornal da Cidade e na Infonet, e aqui atualizado, consta do livro “Impressões da ditadura”, que brevemente será lançado pela Editora UFS. O autor, à época diretor de Redação do Jornal da Cidade, também foi homenageado naquela noite com a Medalha do Mérito Serigy. No ano seguinte seria convidado para ser secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju.

Foto: Silvio Rocha, Secom/PMA

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