Jorge Santana*
Em plena terceira década do século XXI, parecia não fazer sentido algum acreditar na viabilidade de um golpe militar no Brasil, mesmo considerando que os primeiros 75 anos da história republicana foram marcados por sucessivos golpes de estado, mais precisamente sete, todos eles com marcante participação dos militares.
Acreditava-se que um golpe violento como o de 64 não prosperaria por diversas razões, dentre as quais: o líder do movimento, Bolsonaro, contava com um “invejável” índice de reprovação popular que chegou a ultrapassar a barreira dos 60%; a grande mídia tinha se tornado, majoritariamente, antibolsonarista; e o grande capital já havia desembarcado da aventura ultraliberal errática, sobrando apenas o apoio da parte mais retrógrada e menos inteligente do empresariado, sobretudo do agronegócio.
Não sendo viável esse anacrônico golpe militar, permanecia a preocupação diante dos delírios autoritários de Bolsonaro e seus devotos, alertados que éramos pelos ensinamentos de dois conceituados professores de Harvard – Steven Levitsky e Daniel Ziblatt -, em seu best-seller “Como as democracias morrem”.
O mais importante alerta do livro é o seguinte: a democracia, atualmente, não termina com uma ruptura violenta nos moldes de um golpe militar. Agora, a escalada do autoritarismo se dá com o enfraquecimento lento e constante de instituições críticas, como o judiciário e a imprensa, e a erosão gradual de normas políticas de longa data, leia-se o sistema de freios e contrapesos que garante a harmonia entre os poderes.
Didaticamente, o livro apresenta os quatro principais indicadores de comportamento autoritário: rejeição das regras democráticas do jogo; negação da legitimidade dos oponentes políticos; tolerância ou encorajamento à violência; e propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia.
Impressionava constatar que o bolsonarismo seguia fielmente esse script, ou seja, flertava com o golpe militar e, ao mesmo tempo, deslizava gradualmente para o autoritarismo, diga-se de passagem com a conivência de uma maioria parlamentar bem alimentada com generosos nacos de poder e com o imoral orçamento secreto.
Em meados de 2022, já cientes da iminente derrota no pleito que se avizinhava, a caterva palaciana avançou no desenho do golpe, na expectativa de atacar as instituições antes das eleições, mas não reuniu força suficiente. Findo o pleito, agora derrotados nas urnas, retomaram o intento, desta feita manipulando fanáticos de mentes fracas que fecharam rodovias, acamparam em portas de quartéis, cantaram o Hino Nacional para pneus, imploraram apoio de ETs, promoveram desordem no dia da diplomação do presidente eleito e, por um triz, não explodiram o aeroporto de Brasília, naquilo que poderia vir a ser o mais grave atentado terrorista jamais ocorrido no país.
De nada adiantou, mas eles não desistiram. Inflamados pela ordem subliminar (e pusilânime) dos mandantes, incentivados por ventríloquos que utilizavam (e seguem utilizando) as redes sociais como palco e patrocinados por empresários que optaram por delinquir, a turba protagonizou a Intentona Bolsonarista de 8 de Janeiro de 2023, um espetáculo deprimente, que serviu para reafirmar o insuperável grau de estupidez do bolsonarismo.
Como vimos antes, a extrema-direita do resto do mundo tem como estratégia promover a erosão da democracia não por meio de golpes militares ou revoluções abruptas, mas por um processo gradual e, algumas vezes, imperceptível, onde líderes eleitos minam deliberadamente as instituições democráticas. Os regimes autocráticos da Turquia (Recep Erdogan), Hungria (Viktor Oban) e Rússia (Vladimir Putin) são bons (ou melhor, maus) exemplos.
Derrotado na busca pela reeleição, restou ao bolsonarismo a tentativa de golpe, uma verdadeira Operação Tabajara, sem chance de durar mais do que alguns dias, atestando o incomparável grau de obtusidade do líder e daqueles que abandonaram supostas reputações para servir a um projeto antinacional e antipovo.
No plano externo, retaliações internacionais, políticas e econômicas, trariam prejuízos inestimáveis ao comércio exterior e, por via de consequência, ao conjunto da economia. No interno, mesmo com prisões atabalhoadas, as instituições e a imprensa não se curvariam facilmente, sobretudo porque a maioria do povo brasileiro, que acabara de optar pelo fim da tragédia bolsonarista, jamais aceitaria que fosse devolvida da lata de lixo da história.
Essa tentativa de destruir a nossa jovem democracia impõe que resgatemos lições do passado. Em grande medida, o que se viu agora não teria acontecido se no processo de redemocratização que pôs fim à abjeta Ditadura Militar não tivesse havido a inaceitável “anistia ampla, geral e irrestrita”, que serviu para encobrir e condenar ao esquecimento a perversão criminosa daquele regime.
Atentar contra a democracia é crime de lesa pátria que não pode ser atenuado, por isso as penas precisam ser severas, mais ainda para os mandantes – com destaque para o maior beneficiário -, para os propagadores e para os financiadores. Cumpre não esquecer que este é um dos muitos crimes cometidos no desgoverno bolsonarista, um deles de gravidade semelhante: a conduta delituosa que culminou com centenas de milhares de vidas perdidas para a covid-19, por ação e omissão intencionais, fartamente reveladas na CPI da Pandemia.
Por tudo isso, a palavra de ordem tem que ser SEM ANISTIA!
*Ativista pró-democracia.