Por Antonio Samarone *
Em 16 de maio de 1979, tomou posse como Diretor do Hospital Cirurgia, o ilustre Dr. Djenal Gonçalves Soares. Além da crise do Pronto Socorro, ele começou enfrentando um problema inusitado: a Funerária Salmeron tinha instalado uma filial, ao lado do Cirurgia.
Essa atitude de plena liberdade comercial, foi entendida em Aracaju como uma afronta à coletividade e um desrespeito ao sentimento das famílias dos mortos naquela Casa de Saúde.
Como pode, caixões expostos na calçada, defronte ao Pronto Socorro? Perguntavam os políticos, padres, pastores, radialistas, donas de casas, fofoqueiros e desocupados.
Só se falava nisso em Aracaju.
Os estudantes de medicina fizeram uma reunião no Centro Acadêmico de Medicina, com essa pauta. Eu participei, mas não me lembro do teor dos debates.
A centenária “Associação das Carpideiras, Coveiros e Defunteiros de Sergipe” emitiu uma nota pública confusa. Ninguém entendeu se a Entidade estava contra ou a favor, muito pelo contrário.
A questão mobilizou a comunidade aracajuana, com debates acalorados. A maioria era contra! Os vereadores não falavam de outro assunto, nas sessões da Câmara Municipal.
O novo Diretor, Dejnal Gonçalves, expressou pela a imprensa a sua preocupação: “se as demais Funerárias – Satélite, Universal e Sergipana – resolverem seguir o mesmo caminho, será criada uma “Avenida das Funerárias, ironicamente, ao lado do nosso maior Hospital”.
Os papa-defuntos eram atores relevantes na precária situação de Saúde dos sergipanos, no final da década de 1970.
Na verdade, a polêmica sobre a localização das funerárias era supérflua, pois elas já atuavam dentro do Hospital, indiscretamente, ao lado dos leitos de cada moribundo. Era frequente a acusação de recebimento de propina por parte de um ou outro funcionário inescrupuloso, para favorecer esta ou aquela funerária.
A disputa pelo morto era acirrada em Aracaju.
A coisa ficou tão grave, que diante do escândalo, resolveu-se fazer uma escala das funerárias, cada uma teria o seu dia de faturamento.
O zeloso Prefeito Heráclito Rollemberg envolveu-se pessoalmente para resolver a crise das funerárias, convocando todos os proprietários para uma reunião no Paço Municipal.
No acordo, ficou decidido que as funerárias não deveriam mais expor as urnas funerárias (caixões de defunto) publicamente, colocá-los acintosamente em vitrines e calçadas. As funerárias também foram obrigadas a colocar cortinas (azuis ou brancas) nas respectivas portas, para evitar olhares curiosos ou desavisados.
Nesta reunião, os papa-defuntos cobraram do Prefeito uma atitude imparcial da municipalidade na aquisição dos caixões para os necessitados, sem o privilegio de nenhuma funerária.
A morte é um mercado suculento e a sua disputa travada sem a menor cerimônia.
A morte tinha virado mercadoria, em Aracaju.
Hoje esse mercado é explorado com naturalidade, de forma organizada, por Empresas especializados no ramo. Além do esquife, oferecem-se flores, velas, maquiagem, mortalhas, acomodações para os prantos e demais honras fúnebres.
Tudo, em suaves prestações.
* É médico sanitarista e professor da Universidade Federal de Sergipe