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O regime militar vigiava os estudantes da UFS

Por Afonso Nascimento *

Durante o regime militar, a Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), órgão do SNI dentro da UFS, teve um papel central na desmobilização e no controle dos estudantes dessa instituição de ensino superior. Eu tive acesso a documentos disponíveis no Arquivo Nacional sob o rótulo de “UFS” associados à AESI. Os documentos são todos ofícios confidenciais e, com e sem anexos, provenientes diretamente da AESI ou encaminhados por essa agência de informação mas tendo origem na Polícia Federal, na Divisão de Segurança e Informação do MEC (DSI), no 28º. BC de Aracaju, na VI Região do Exército em Salvador no IV do Exército em Recife e no II Exército em São Paulo Ao todo são cinquenta arquivos, datados de 1969 a 1977, período portanto da vigência do AI-5 (13.12.1968) e do Decreto-lei no.477 (26.02.1969), que só serão revogados em 1978. Não há nenhuma referência ao DCE, fechado ainda no fim de 1968 e só reaberto em 1976.

Os ofícios confidenciais da AESI, no contexto do regime militar, são correspondências oficiais, mas não possuem papel timbrado próprio (é usado papel timbrado da UFS, a que se acrescenta o nome da AESI por extenso no alto da página) e têm seu sigilo garantido pelo Decreto no. 60.417, de 11 de março de 1967, revogado mais pelo decreto no. 79.099 de 1977. Em diversos casos, os ofícios tomam a forma de “circulares”, o que significa dizer que eram dirigidos a todos os centros e departamentos da UFS. Quanto aos demais, eles são dirigidos aos diretores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e aos departamentos. Nada encontrei em relação a outros centros e departamentos. Ao longo do período pesquisado, foram diretores desse centro os professores Fernando Porto e Maria da Glória Costa Monteiro, sendo reitor João Cardoso Nascimento Junior, vice-reitor Waldemar Fortuna de Castro e Luiz Bispo, como reitor em exercício.

Embora os ofícios confidenciais, assinados majoritariamente por Hélio Leão e, menos, por José Britto da Silveira, se refiram na esmagadora maioria a casos de estudantes, existem exceções em que professores são tratados em tais documentos. Com efeito, há ofícios cobrando providências a respeito de professores que têm estado ausentes das salas de aula; outro sobre uma professora que vai fazer um curso de liderança e assessoramento no Rio de Janeiro. Além disso, é pedida as fichas de candidatos a professor para avaliação prévia pela AESI antes de sua inscrição. Em outras palavras, havia um controle ideológico dos candidatos a professor da UFS. Destaco ainda o interesse em saber sobre a existência de professores estrangeiros na universidade, em documento oriundo do IV Exército. Não foi encontrada resposta a essa solicitação. Mudo aqui o foco para os estudantes e continuo tratando de estrangeiros.

O IV Exército, estabelecido em Recife, também quer saber se tem estudantes estrangeiros no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFS. De acordo com a resposta de sua diretora, só tinha um estudante estrangeiro, o padre italiano Alfeu Pecorari, então recém-formado em História. Esse estudante tornar-se-á mais tarde professor da instituição de ensino mencionada. A AESI também quer informações sobre os então estudantes José Carlos Tourinho e Laura Tourinho.

Os órgãos de segurança e informações acompanhavam de perto as eleições para os diretórios estudantis. Em certo ofício, ordenam a abertura de Inquérito Sumário por causa de supostos problemas nas eleições estudantis ocorridas no centro dirigido pelo professor Fernando Porto – o que foi feito. O resultado é que nada irregular foi encontrado. Termos de Declaração do Inquérito Sumário são anexados ao processo com depoimentos de professores (Luciano Duarte, etc.) e de estudantes e um funcionário. Ainda sobre essas eleições, a diretora mostra que os estudantes não tinham autonomia pois a sua chapa “foi composta mediante entendimento entre a direção e o corpo discente”.

Ainda tratando de eleições estudantis, a recomendação é que a data da competição de chapas só seja determinada depois da liberação dos nomes aprovados pela AESI. Em relação a candidaturas a postos de representação estudantil como o Conselho Universitário (CONSU), o Conselho de Ensino e Pesquisa (CONEP) e outros, ofício solicita as fichas com informações sobre os interessados. É depois do crivo da AESI que todas e quaisquer candidaturas devem ser liberadas.

Os órgãos de segurança e informação sabem da importância do financiamento das atividades do movimento estudantil. Em um desses ofícios, alertam para o fato de associações estudantis terem coletado quantidade razoável de dinheiro oriunda das matrículas dos estudantes no país inteiro. Alertam também para possível campanha dos estudantes pelo fato de ser maior o número de aprovados em exames pré-vestibulares em relação ao número de vagas.

Há um documento do II Exército, encaminhado pelo 28 BC ao reitor da UFS, alertando sobre a possibilidade de um sequestro. Isso poderia acontecer, aparentemente, em qualquer estado da federação e em qualquer universidade. Não diz, claro, onde o sequestro vai ocorrer. De acordo com esse ofício, o sequestro estaria sendo preparado por Luiz Almeida Araújo, militante da ALN, devendo acontecer em agosto de 1971.

Foram encontrados ofícios confidenciais sobre estudantes punidos pelo Decreto-Lei no.477 em diversas universidades brasileiras. Existe outro sobre a cassação ou “suspensão” dos direitos políticos dos estudantes sergipanos que deveriam ser excluídos da UFS, tendo ele sido redigido pelo reitor João Cardoso Nascimento Junior. Nas duas listas (a primeira saiu incompleta, sendo necessária uma lista complementar) estão nomes como João Augusto Gama, Benedito Figueiredo, Jackson de Sá Figueiredo, entre outros mais.

No que diz respeito a livros não recomendados à leitura por estudantes, dois ofícios foram enviados pela DSI do MEC. O primeiro é uma censura explícita da obra “Uma história militar do Brasil”, de Nelson Werneck Sodré e o outro expõe que uma série de livros publicados pela editora Zahar, especializada em livros das Ciências Sociais, de que tratei em outro espaço.

Os órgãos de segurança e informação tinham especial interesse em viagens, intercâmbios e correspondências dos estudantes da UFS com associações e pessoas nos países da “cortina de ferro” e, na América Latina, em Cuba. Em relação às correspondências, eles pedem praticamente que haja uma censura das trocas de missivas. Existe uma informação incompleta sobre evento acontecido em Santiago do Chile, envolvendo estudantes de Direito de Londrina. Mandam desestimular a ideia de estudantes universitários viajarem até à Antártida. Será por causa da proximidade com o Chile?

Por último, mas sem esgotar a lista dos ofícios, há um ofício confidencial proveniente da DSI do MEC com um panfleto composto de duas páginas. O seu título é “Ação e Reação”. Uma entidade fictícia assina: “Movimento Revolucionário Participativo” (MRP). Qualquer militante estudantil entenderia o panfleto como propaganda do regime militar. O seu autor fala em “Brasil potência”, expressão usada pelos ideólogos do regime militar. O panfleto não é para conquistar ou seduzir mentes dos estudantes. O texto é uma intimidação ou uma ameaça para aqueles que atuam no movimento estudantil. O panfleto busca naturalizar o uso da repressão recorrendo aos exemplos das grandes civilizações da história mundial – aí incluídas a russa e a americana. Diz que no fundo todo o mundo deseja ser capitalista ou burguês. É uma peça de propaganda contra a ação dos militantes estudantis.

* É professor de Direito da Universidade Federal de Sergipe

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