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O Solar de Apipucos

Por Marcos Cardoso*

Visitamos o Solar de Apipucos. Ele mesmo uma joia da arquitetura do ciclo açucareiro, o casarão do século XIX abriga o precioso Museu Magdalena e Gilberto Freyre e sedia a Fundação Gilberto Freyre, com quase tudo sobre a vida e a obra do sociólogo autor de “Casa-Grande & Senzala”.

Em 1940, Gilberto adquiriu a Vivenda Santo Antônio de Apipucos, propriedade do Engenho Dois Irmãos, na zona norte do Recife. Mandou restaurá-la e ali passou a residir após o casamento com a jovem Maria Magdalena, em 1941. Ele já era um cientista e escritor famoso e tinha 41 anos. Ela, uma paraibana também de família abastada e que estudou educação física, tinha 20.

“À ilha do litoral do Rio de Janeiro (emprestada pelo casal Austregésilo de Athayde para a lua de mel) se seguiria a casa de Apipucos. Por um lado, outra quase ilha, cercada de mata por todos os lados, habitada por um casal que passou a ser inexatamente considerado solitário. Inexatamente porque seria muito mais solidário com os demais brasileiros do que distanciado deles”, assim descreveu o próprio Gilberto Freyre na autobiografia “De Menino a Homem: de mais de trinta e de quarenta, de sessenta e mais anos”.

No casarão, escreveu dois terços de sua variada obra composta por cerca de 30 livros. Escrevia à mão e, dizem, sentado numa poltrona, com a perna espichada sobre o braço do móvel.

“Casa-Grande & Senzala”, a obra icônica de 1933, que rechaça as doutrinas racistas de branqueamento do Brasil, ele escreveu entre Lisboa e Stanford, a famosa universidade da Califórnia onde fez o doutorado. Mais jovem, Gilberto Freyre já havia estudado nos Estados Unidos, onde se graduou na Universidade de Baylor, no Texas.

Mas voltando a Apipucos, Gilberto preservou a estrutura original do imóvel que foi casa-sede de engenho, e o enriqueceu com um acervo valioso de obras de arte e objetos pessoais, além da própria biblioteca.

No primeiro andar o visitante é recebido por incríveis painéis de azulejos portugueses, resgatados em leilão do acervo de uma igreja demolida em Lisboa e trazidos pelo próprio Gilberto Freyre de Portugal. O que se diz é que os painéis não poderiam sair do país e o governo português só o permitiu por se tratar de comprador tão ilustre.

Aliás, uma das peças emblemáticas do museu é a edição com a capa em prata de “Os Lusíadas” presenteada pelo governo de Portugal a Gilberto Freyre. Somente outro brasileiro ganhou a rara edição, o presidente Getúlio Vargas, e o próprio Freyre foi encarregado de trazer para ele o valioso presente.

Ainda no térreo estão a sala de estar, a sala de jantar, o terraço onde Freyre recebia seus convidados, a biblioteca com mais de 40 mil volumes e a poltrona onde lia e escrevia.

São antiquíssimos e pesados móveis de jacarandá, pinacoteca com telas de Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, Pancetti, Cícero Dias e Lula Cardoso Ayres. Também há uma preciosa coleção de objetos artísticos de diversos países que Gilberto visitou.

Esse magnífico acervo já foi visto e tocado por visitantes como Aldous Huxley, John dos Passos, Roberto Rosselini, Robert Kennedy, Albert Camus e Arnold Toynbee, entre outros ilustres de diversos campos sociais.

No segundo andar, estão os quartos do casal, do filho Fernando Freyre (já morto) e da filha Sonia Freyre, que hoje preside a Fundação.

O imóvel está num sítio que preserva muitos exemplares da Mata Atlântica, inclusive, espécies plantadas por ele mesmo. Cultivadas pelo próprio são as velhas pitangueiras das quais colhia as frutas para preparar um licor que, regiamente, servia aos convidados e cuja receita guardava em segredo.

Ciente da riqueza do conjunto que formou na longa trajetória de vida – casa, o que ela abriga e o seu entorno –, o escritor preparou o imóvel pra ser a Fundação que hoje guarda seu patrimônio cultural, preserva e imortaliza sua obra, estimulando a continuidade de seus estudos e ideias.

A Fundação existe desde 1987, quando Gilberto Freyre morreu, aos 87 anos, e teve como primeira presidente a viúva Magdalena, morta dez anos depois. A instituição passou por uma completa recuperação física e documental e parte da restauração foi custeada pelo BNDES.

Em 15 de março faz 122 anos do nascimento desse que compreendeu e foi fundamental intérprete da realidade social brasileira.

* É jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.

 

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